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Rumo ao fim?
Enquanto o movimento de extinção do guidance avança lá fora, por aqui as companhias ainda buscam um consenso

 

ed44_p020-023_pag_3_img_001Aprática de orientar analistas sobre os resultados futuros da companhia — habitualmente chamada de guidance — está novamente na berlinda. Desta vez, o estopim foi o caso da canadense Nortel Networks. Em março, quatro executivos da empresa foram acusados pela Securities and Exchange Commission (SEC) e a comissão de valores mobiliários de Ontário de terem alterado práticas de divulgação de resultados com o intuito de atender às metas sinalizadas ao mercado. O episódio suscitou manifestações de apoio à Câmara de Comércio norte-americana, que recomenda a abolição do guidance para resultados trimestrais.

Os debates sobre o destino do guidance começaram em julho do ano passado, quando o Business Roundtable Institute for Corporate Ethics e o instituto de profissionais de investimento CFA publicaram o relatório Quebrando o Ciclo de Curto Prazo. O documento pedia reformas definitivas nas práticas de orientação aos investidores sobre resultados. No Brasil, o tema também vem à baila neste início de abril, no dia 4, quando o Instituto Brasileiro de Relações com Investidores (Ibri) dedica um seminário para discussão do tema.

Para entender um pouco mais como as práticas de guidance funcionam por aqui, o Ibri realizou uma enquete com 34 empresas, das quais metade é acompanhada por, no mínimo, 20 analistas. Entre outros resultados, o levantamento aponta que 76% fornecem algum tipo de guidance. Na expressiva maioria dos casos (também 76%), a orientação refere-se ao volume de vendas. Em 66% das empresas, o guidance é fornecido por meio de intervalo de valores — e não de um número absoluto. Em 42% delas, sobre bases trimestrais.

Se, à primeira vista, o percentual de 76% lhe pareceu um tanto demasiado, é bom lembrar que isso se deve a dúvidas sobre o próprio conceito. Em sua forma mais tradicional, inspirada no mercado norte-americano, guidance é a previsão do lucro por ação — coisa que nunca foi muito comum no Brasil. Até recentemente, a única companhia que fazia estimativas formais do seu lucro por ação era a Gol, que inovou ao adotar o que poderíamos chamar de “guidance puro” no País. Mas orientações sobre volume de vendas, preço praticado, custos e despesas operacionais, entre outros elementos essenciais do resultado, também podem ser consideradas como formas de guidance — e são justamente elas que estão refletidas nos dados apurados pelo Ibri.

A iniciativa do instituto, a propósito, chega em ótima hora. Não só porque o debate está quente no mercado internacional, mas, principalmente, porque o Brasil vive um momento crucial para essa reflexão. Companhias que estrearam na bolsa de valores recentemente conseguiram vender seus papéis a preços surpreendentemente altos — favorecidas, em grande parte, pelo excelente quadro de liquidez internacional. Agora enfrentam a rotina trimestral de ter seus resultados monitorados por analistas e investidores, que começam a conferir se elas têm cacife para entregar o prometido. A pergunta é: estariam essas companhias preparadas para enfrentar com sangue-frio as cobranças do mercado no curto prazo e seguir com determinação um projeto de crescimento sustentável?

TENTAÇÃO PERIGOSA — Eis aí a principal crítica que se faz ao guidance. Sob pena de ver as ações da companhia punidas pelo fato de os resultados não terem saído como eles mesmos sinalizaram, executivos podem cair na tentação de cometer atropelos de gestão para alcançar os objetivos inicialmente traçados. Ou, simplesmente, para não ver os seus bônus alinhados ao desempenho das ações (ou às suas milionárias stock options) ruírem como um castelo de cartas diante de projeções não alcançadas. “A companhia cria uma mecânica interna e depois fica presa a ela”, comenta Maurício Rocha de Carvalho, professor do Ibmec.

Ele cita o artigo Ten Ways to Creat Shareholder Value (“Dez maneiras de criar valor para os acionistas”), de Alfred Rappaport, em que o prestigiado acadêmico, logo no primeiro mandamento da lista, diz: “Não forneça guidance de lucros”. A explicação mais básica para a sua convicção é o fato de não haver nenhuma linha de lucro do balanço que reflita, nem de perto, o valor criado por uma companhia. Outra razão — e esta mais séria — é a possibilidade de companhias cederem à idéia de alcançar lucros formidáveis por meio de decisões que destroem valor ou levam ao limite as práticas contábeis aceitáveis.

Um estudo de 2005, realizado por professores da Duke University e da universidade de Washington, comprovou que essa tentação hipotética tem bases reais. Dos 401 executivos financeiros entrevistados, 80% responderam que reduziriam “despesas” com pesquisa e desenvolvimento, manutenção, marketing ou contratação de pessoas para atingir as projeções de resultado transmitidas ao mercado. Mais da metade reconheceu que atrasaria um novo projeto para não frustrar expectativas, mesmo que isso sacrificasse valor.

TRANSPARÊNCIA OU ARMADILHA? — Com tantos aspectos negativos, por que mesmo as companhias começaram a praticar o guidance? Luiz Henrique Valverde, vice-presidente do Ibri e um dos responsáveis pela coordenação do estudo que deu origem ao seminário, ensina que são basicamente dois os objetivos: reduzir a volatilidade e obter um preço mais justo para os papéis. O princípio é de que, com expectativas sempre alinhadas às da administração, os analistas teriam mais informações para atribuir preços corretos às ações. Estariam também menos sujeitos a surpresas — e a quedas rompantes nas cotações — sempre que a empresa divulgasse seus resultados.

Para as companhias que abriram o capital recentemente, as dúvidas quanto aos prós e contras do guidance representam uma angústia particular. Além de mais expostas a cobranças, justamente porque acabaram de desembarcar na bolsa cheias de planos pelos quais os investidores pagaram um bom dinheiro, elas têm pouca experiência no trato com o mercado. No geral, o dilema maior é o equilíbrio entre a transparência que se quer dar e a armadilha em que não se quer cair. A sabedoria está em encontrar o ponto certo onde termina a transparência e começam as promessas que podem atrapalhar a vida dos administradores.

MUDANÇA ESTRATÉGICA — A Diagnósticos da América (Dasa) passou por esse dilema e reviu atitudes. Quando lançou ações, em novembro de 2004, divulgou a meta de aquisições que planejava realizar para executar seu projeto de crescimento: R$ 300 milhões, em três anos — o que o mercado entendeu, e a companhia endossou, como R$ 100 milhões ao ano. No primeiro ano, a meta foi alcançada no último minuto do segundo tempo, em 21 de dezembro, com a compra da Álvaro Laboratório, do Paraná. No ano passado, as aquisições somaram R$ 50 milhões.

Questionado sobre a possibilidade de a negociação ter sido acelerada no primeiro ano para não frustrar as expectativas do mercado, Henrique Bastos, gerente de Relações com Investidores, afirma que a transação aconteceu rapidamente, mas de forma muito positiva para a companhia. “Foi uma das aquisições mais estratégicas que fizemos, e o mercado sabe disso”, diz. Ainda assim, Bastos optou por realinhar as metas inicialmente apresentadas. Confirmou o objetivo de R$ 300 milhões em três anos, mas começou a deixar claro que esse valor seria atingido ao final de todo o período, e não obrigatoriamente R$ 100 milhões a cada 12 meses. “Aprendemos que era preciso flexibilizar o guidance para não ficarmos presos à ansiedade do mercado”, diz Bastos. “A mensagem principal é de que somos consolidadores, mas isso não significa que vamos entregar aquisições apenas porque o mercado espera por elas. O investidor vai vender a sua ação, mas nós vamos ficar aqui e não queremos ter de administrar uma empresa mal adquirida.”

A preocupação com os efeitos nocivos do guidance é diretamente proporcional à ousadia dos planos de crescimento. E isso atinge diretamente o setor imobiliário, que vem mostrando projeções ambiciosas para os próximos anos em razão das expectativas de aumento do crédito. Tadeu Navarro, sócio do Navarro Advogados, acompanha de perto o setor e mostra grande preocupação. “É um jogo em que a empresa promete o que não pode entregar, e o mercado finge que acredita”, afirma.

Como então fazer com que o mercado aposte no crescimento da companhia? Afinal, nenhum investidor compra (ou deveria comprar) ações com base em desempenho passado, mas sim por vislumbrar crescimento futuro. Para João Nogueira Batista, presidente do conselho de administração do Ibri, a melhor maneira de construir essa relação é com transparência e histórico de sucesso. “Só o track record permite conquistar credibilidade”, afirma.

Educar os investidores para que tenham paciência e concedam o tempo que os gestores precisam para conduzir uma empresa de modo sustentável é a filosofia da Natura. “Desde que abrimos o capital deixamos muito claro que esta é uma companhia com foco no longo prazo e que não seríamos escravos do resultado trimestral”, conta José David Uba, diretor de RI. Sua estratégia é guiar os analistas para que tirem os olhos do trimestre e avistem o mesmo horizonte que os administradores. “Nos encontros com investidores, por exemplo, dedicamos pouco tempo à análise do trimestre.”

Quem também tem seguido a linha de tentar convencer o mercado sobre os benefícios da análise de longo prazo é a Totvs. Por se tratar de uma empresa de tecnologia, o guidance trimestral lhe é particularmente indigesto, uma vez que 80% dos contratos do setor costumam ser fechados nos últimos quatro dias do mês. “Se um contrato previsto para sair até 30 de setembro fecha em 1º de outubro eu tenho um problema na mão”, conta o diretor de RI, José Rogério Luiz. “Por isso nós damos guidance apenas com perspectiva de três a cinco anos.” Para o executivo, a melhor forma de orientar o mercado sobre as perspectivas de resultados é, por enquanto, um grande ponto de interrogação.

Sob pressão, empresas mudam estiloO olhar do mercado de capitais sobre uma companhia normalmente é lembrado por seus benefícios às práticas de gestão, à profissionalização e à eficiência. Mas quando o tema em questão é o guidance, vem à tona um lado que é bem menos explorado, mas precisa ser igualmente enfrentado. Será que esse acompanhamento exigente é sempre tão bom assim?

Essa é uma pergunta que se torna freqüente entre companhias que se desenvolveram e prosperaram com o capital fechado antes de tomar a decisão de lançar ações. Quando expostos a múltiplos de Ebitda, métricas de retorno e fluxos de caixa projetados, modelos de negócio que incorporavam um estilo muito próprio de gestão — e faziam dele referência marcante — mudam de cara, de uma hora para outra. Nesses casos, costuma sobrar para o diretor financeiro a fama de capitalista agressivo, sempre disposto a ignorar o “jeito de ser da companhia”.

Uma empresa que parece ter passado por isso é a TAM. Quem ainda se lembra daquela companhia do comandante Rolim, que estendia o tapete vermelho aos passageiros, nunca tinha atraso, oferecia um cardápio de primeira linha e vôos confortáveis em ambientes espaçosos, cheios de assentos vazios? Tomando por base o “apagão aéreo”, é mais provável que o leitor tenha frescas na memória as imagens dos aeroportos lotados, passageiros batendo boca com comissários e gente cochilando nos carrinhos de bagagem, à espera do vôo que nunca chegava. Mas até pouco tempo depois da morte do seu fundador, a TAM foi uma companhia aérea de elite, preferida pelos altos executivos que topavam pagar alguma fortuna por seus bilhetes.

Hoje, a TAM pós-Rolim, pós-abertura de capital e em pleno caos aéreo é exemplo de uma das rentabilidades mais exuberantes da bolsa. No ano passado, registrou Ebit (lucro antes de juros e impostos) de R$ 995,9 milhões, 134% maior que o de 2005. Para explicar essa transição, ninguém melhor que o diretor de Relações com Investidores da companhia, Líbano Barroso. “Não mudamos a nossa essência, mas sim adaptamos algumas técnicas operacionais”, diz. A redefinição do modelo foi conduzida com foco em cinco itens considerados cruciais para uma companhia que tem 75% de seus passageiros viajando a negócios: pontualidade, regularidade, freqüência de vôos, programa de fidelidade e preço competitivo. “Nos concentramos no que é primordial, porque nem tudo é necessário para o cliente”, afirma.

A TAM é uma das companhias brasileiras que adotam a política de guidance para aspectos operacionais, como taxa de ocupação e exploração de novos mercados. Também faz parte da rotina de seus executivos — e não só os financeiros — acompanharem as previsões do mercado e prestar atenção a elas. “Usamos os relatórios de analistas como ferramenta de gestão”, afirma Barroso, para quem o sensor externo ajuda muito na administração do capital. Os limites para o guidance, porém, estão muito claros, garante o executivo. “Temos as nossas projeções, mas não ficamos à mercê delas.” (S.A.)


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