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Debaixo do tapete
Relatórios da administração deixam evidente a dificuldade em tratar os episódios negativos

 

Não há dúvidas de que os ativos intangíveis garantiram seu espaço nos relatórios anuais das companhias abertas. Mas nos casos em que esse intangível é influenciado por fatos ruins, a preferência tem sido pelo registro discreto e com poucas informações. Quando o fato não tem impacto significativo na geração de caixa do período a que se refere a contabilidade, a conclusão mais habitual é a de que ele pouco interfere na análise do investimento e, portanto, não deve ser destacado — ainda que o episódio tenha ganhado as capas dos principais jornais. Mas e os impactos sobre a geração de caixa futura? E sobre a marca e a reputação da companhia? Ou ainda sobre as suas relações com a comunidade ou mesmo com seu público consumidor? Não seriam esses os intangíveis que deveriam estar cada vez mais presentes nas planilhas dos analistas financeiros?

A teoria diz que sim mas, na prática, esse não tem sido um princípio observado nos métodos de divulgação de resultados das companhias, conforme análise feita pela Capital Aberto a partir dos relatórios da administração que acompanharam os balanços de 2006. A Aracruz, por exemplo, não dedicou espaço no relatório de administração à invasão de seu horto florestal, no Rio Grande do Sul, em março do ano passado. Integrantes da Via Campesina, movimento internacional que coordena organizações camponesas, destruíram parte do viveiro e o laboratório de pesquisas. Cerca de uma semana após o episódio, a companhia anunciou, por meio de nota de sua assessoria de imprensa, os prejuízos do episódio: destruição de 5 milhões de mudas prontas para o plantio, gastos de US$ 700 mil para recuperação do viveiro e do laboratório e perda de 15 anos de pesquisa genética. Com a melhoria dos plantios comerciais, a empresa poderia, nos sete anos seguintes, ampliar a produtividade em até 15%. “A não realização deste índice representa uma perda de US$ 6 milhões, considerando a base florestal atual. Se a Aracruz decidir ampliar sua atuação no Estado (…) essa perda potencial pode chegar a US$ 20 milhões”, informou o comunicado, à época.

Mas, no caso da fabricante de celulose, não se pode dizer que toda notícia desagradável tenha passado necessariamente longe do relatório. As questões envolvendo as comunidades indígenas Tupiniquim e Guarani, no Espírito Santo, por exemplo, ganharam destaque no relatório de 2006. Durante o ano, elas invadiram propriedades da empresa, incluindo o terminal portuário Portocel, para pressionar as autoridades a demarcar terras. Questionada através de sua assessoria de imprensa, a companhia preferiu não comentar os motivos pelos quais não tratou da invasão do horto.

A TAM, companhia de aviação que mais teve a imagem desgastada durante os episódios do “apagão aéreo”, pediu desculpas ao público pelos transtornos causados. No entanto, não há informações mais detalhadas sobre a ocorrência ou não de prejuízos ou mesmo sobre os trabalhos a serem implementados para reverter eventuais danos à marca e no relacionamento com o cliente. A menção ao episódio, expressa na mensagem do presidente, dizia apenas: “Os problemas daquela ocasião refletiram conjunção de fatores amplamente divulgados — vôos alternados em função da meteorologia, manutenção corretiva em seis aeronaves em localidades distintas e quedas sucessivas do sistema de check-in. Com a lição assimilada, deficiências foram corrigidas e contingências, ampliadas, para que eventos dessa natureza, mesmo que concomitantes, não voltem a afetar significativamente nossas operações. Este é o compromisso que assumimos com nossos passageiros, funcionários, acionistas e mercado”.

No relatório da Gol, a menção foi lacônica. Na mensagem da administração, a empresa lamenta o acidente com o vôo 1907, em setembro do ano passado — o maior da aviação comercial brasileira. “Estivemos de luto e priorizamos o amparo às famílias das vítimas (…)”. No trecho seguinte, cita: “Também enfrentamos um período de adversidades no ambiente externo no último trimestre do ano”, provavelmente referindo-se ao apagão aéreo. Procuradas pela reportagem, TAM e Gol não atenderam às solicitações de entrevista.

Outra companhia que ganhou as páginas dos jornais com uma notícia não muito prazerosa foi a Petrobras. Afetada pelo anúncio, em 1º de maio do ano passado, da estatização da produção de hidrocarbonetos na Bolívia, a companhia dedicou amplo espaço para explicar os fatos, detalhar os acordos e mencionar alguns impactos sobre sua participação de mercado. Mas não comentou os efeitos que esses acontecimentos teriam em seu resultado e em sua estratégia na região, tampouco citou eventuais projetos para compensar as medidas tomadas pelo governo boliviano ou adequar-se à nova realidade. Segundo analistas do setor, o episódio tem pequena relevância econômica em relação ao seu porte. Mas, para o investidor pessoa física ou menos envolvido com a companhia, esses detalhes poderiam estar mais explícitos.

FOCO NO CAIXA — Para os dois analistas entrevistados por esta reportagem, um detalhamento maior dessas informações nos relatórios também não foi considerado relevante. Marco Melo, chefe de pesquisa da Ágora Corretora, explica que o impacto financeiro é o principal critério de avaliação. “Quando um fato não é relevante para o desempenho operacional da empresa, conseqüentemente, não afeta a sua rentabilidade”, diz. Segundo Felipe Reis, do Santander, quando a conclusão é de que o impacto em relação à geração de caixa é pequeno no curto prazo, determinados acontecimentos não fazem falta ao relatório da administração. “Grande parte dos clientes quer retorno em, no máximo, três meses, principalmente por conta do crescimento das operações dos hedge funds”, diz.

A ponderação dos analistas faz sentido, mas vale lembrar que eles têm o privilégio de reuniões individuais com o executivo de Relações com Investidores e estão muito mais dedicados ao estudo das companhias que os investidores individuais. Além disso, apesar da visão de curto prazo ainda dominante em vários investidores, é também crescente o número de aplicadores não-institucionais preocupados com os intangíveis — e eles podem ser importantes parceiros das companhias no futuro, conforme o mercado de ações vai se desenvolvendo.

Frases como esta, “(…) enfrentamos um período de adversidades no ambiente externo no último trimestre do ano”, do relatório da Gol, são consideradas muito vagas e de pouca utilidade. Nesses casos, a recomendação dos especialistas é de que a empresa adote um posicionamento mais aprofundado, contextualizando os acontecimentos, mesmo quando não consegue mensurar implicações financeiras. “As companhias precisam lembrar que o noticiário desfavorável é uma conseqüência, e que o investidor quer conhecer as causas. Por isso é muito importante dar informações, mesmo que sejam subjetivas. É preciso dizer como o problema vai ser contornado; citar, sem explicar, é inócuo”, afirma o especialista em RI Valter Faria, da CorpGroup.

SILÊNCIO EM EXCESSO — Além da pouca disposição das companhias brasileiras para tocar em suas próprias feridas e da elevada concentração de investidores institucionais nas bases de acionistas — o que contribui para uma pressão menor por essas informações —, existem outros fatores que estimulam as companhias a varrer esses episódios para baixo do tapete. A má interpretação da regulamentação por consultores e advogados pode ser um deles, já que muitos desses profissionais, na avaliação de Faria, orientam seus clientes a não se manifestar em uma série de situações que não exigiriam tal medida. “Calar também é uma maneira de se comunicar.”

É preciso lembrar que o noticiário desfavorável é uma conseqüência, e que o investidor quer conhecer as causas

Outro foco do problema é a estrutura interna das empresas e a forma de confecção dos relatórios. Em geral, os departamentos jurídico, contábil, de Relações com Investidores e de comunicação são os responsáveis pela tarefa. Não é raro o documento ser elaborado pelas diversas áreas separadamente, sem orientações prévias dos administradores sobre as principais mensagens a serem transmitidas.

O ideal seria que as companhias dedicassem ao noticiário desfavorável a mesma atenção dispensada aos grandes méritos. Paulo Esteves, da recém-lançada Capital Partners, uma consultoria em RI, acredita que o mercado esteja caminhando nessa direção, principalmente porque os ativos intangíveis ganham cada vez mais espaço nos relatórios, a exemplo do que acontece no mercado internacional. “Mas ainda não vi nenhuma empresa brasileira que assumisse ter adotado uma estratégia equivocada”, admite.

A postura franca tem também seus benefícios para a companhia. O principal deles é a construção de uma relação de confiança com seus públicos estratégicos por meio de uma comunicação clara, eficiente e sem atrasos. Não são raros os casos em que a omissão é encarada como negligência ou se torna motivo para interpretações equivocadas — e as conseqüências vão desde os prejuízos de imagem à depreciação das ações negociadas em bolsa, passando pela piora na relação com fornecedores e no comprometimento dos próprios funcionários.

Foi pensando nisso que a Natura, logo após a divulgação de um balanço ruim para o quarto trimestre — com um Ebitda 9% inferior em relação a igual período do ano anterior —, decidiu encarar a realidade e, numa atitude pouco comum, assumir publicamente que até ela mesma tinha se surpreendido negativamente com os resultados. “Sempre achamos que a melhor maneira de minimizar o impacto de uma notícia ruim é contando a verdade nua e crua”, afirma o diretor de Relações com Investidores da companhia, José David Uba. Alessandro Carlucci, diretor-presidente da Natura, concedeu entrevistas logo após a divulgação do resultado, reconhecendo sua própria frustração com o balanço. “Qualquer pretensão de parecer perfeito é irreal, frágil e não se sustenta”, diz Uba.


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