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Na cola do modelo inglês
Takeover Panel inspira as propostas da CVM para reforma da regulamentação de ofertas de aquisição de controle no Brasil

 

Com a disseminação do modelo de controle disperso, em que nenhum acionista ou grupo detém a maioria do capital, e os indícios de que a presença de companhias com controle pulverizado deve crescer nos próximos anos, o Brasil promete entrar de vez na rota das ofertas voluntárias de aquisição de controle, que, popularmente chamadas de ofertas hostis, pipocaram por toda a Europa no ano passado. Essa perspectiva preocupa agentes do mercado de capitais, especialmente os advogados, que vêem na carência de procedimentos detalhados e de uma contextualização adequada de determinados aspectos da lei e da regulamentação uma fonte potencial de disputas societárias. E eles também não estão sozinhos: a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) está bastante atenta à questão e começa a estudar as medidas cabíveis, que passam por uma reforma na Instrução 361, relativa às ofertas públicas, e também pela criação de um comitê para monitorar o processamento dessas ofertas, nos moldes do que é feito na Inglaterra.

“Apesar de previstos na Lei das S.As, poucos casos de ofertas voluntárias de aquisição de controle foram registrados ao longo de seus 30 anos. Mas, agora, a existência de um número maior de companhias com controle disperso nos levou a pensar em propostas de mudança na Instrução 361 para abarcar os temas relacionados a esse tipo de oferta”, afirma Marcelo Trindade, presidente da autarquia. Dentre esses temas, ele destaca os três que considera mais relevantes e que deverão ser abordados no processo de revisão. O primeiro se refere aos procedimentos para a oferta que devem ser observados pelos autores da proposta. O segundo, à postura exigida dos administradores da companhia e, o terceiro, ao papel dos dispositivos estatutários adotados para preservar a dispersão acionária, mais conhecidos como poison pills.

O intuito das reformas é abordar, no contexto das ofertas voluntárias, os deveres de cada um dos envolvidos na operação e disponibilizar para o mercado um passo-a-passo que auxilie a reduzir as incertezas quanto à sua condução. Estas são justamente as linhas mestras de atuação do Takeover Panel britânico. Tim Lewis, sócio do escritório de advocacia MacFarlanes, sediado em Londres, e que assessorou a CSN em sua oferta pela compra da Corus (uma operação supervisionada pelo Takeover Panel) explica que o propósito do Takeover Panel é garantir segurança e estabilidade às companhias envolvidas numa oferta dessa natureza, estabelecendo prazos e procedimentos padrão. “Com isso, todos os participantes do mercado contam com um relativo grau de certeza quanto às etapas seguintes do processo e os acionistas, com a garantia de acesso à informação em profundidade adequada para uma avaliação do mérito da oferta.”

No Reino Unido, a preocupação com o tema data do século XIX, período em que as companhias sem controlador (corporations) começaram a se disseminar. Hoje, as ofertas voluntárias são detalhadamente reguladas por um código, o City Code on Takeovers and Mergers, composto por seis princípios gerais e 38 regras específicas, acompanhadas de notas explicativas. Sua aplicação é monitorada pelo Takeover Panel, estabelecido em 1968 e formado por 35 profissionais de mercado, indicados pelo Banco da Inglaterra e por representantes das principais instituições financeiras e de negócios. Até maio do ano passado, o painel funcionava como um órgão de auto-regulação, mas a reforma na legislação que regula as companhias abertas — realizada para harmonizar seus princípios com os da diretiva da Comunidade Européia (CE) — lhe concedeu poderes de lei, que passaram a vigorar efetivamente em janeiro de 2007.

PERÍODO DE TESTE — O caminho preferido pelos entrevistados é o da auto-regulação, não apenas porque oferece uma via mais ágil de implementação das mudanças, mas também porque permite testar os procedimentos à medida que essas operações se tornem mais freqüentes e aprimorá-los antes conversão em lei. Thiago Giantomassi, advogado do escritório Demarest Almeida, é um deles. “O momento não é adequado para se proceder a uma reforma na lei, justamente porque ainda não vivenciamos suficientemente essa nova realidade de mercado.” Marcelo Rodrigues, sócio do Tozzini Freire Advogados, concorda. “Por sua flexibilidade de adaptação e agilidade para implementar mudanças, a auto-regulação é a melhor maneira que o mercado tem de vivenciar os mecanismos e situações em que devem ser aplicados, ficando livre para melhorá-los sempre que necessário e depois, eventualmente, reformar a lei.”

O caminho preferido pelos entrevistados é o da autoregulação, que permite testar os procedimentos conforme as ofertas evoluam

Quando falam de auto-regulação, os advogados não se referem apenas à bolsa ou ao regulador. Giantomassi considera que a Associação Nacional dos Bancos de Investimento (Anbid) poderia incluir em seu código de auto-regulação de ofertas públicas os procedimentos que devem ser observados pelas instituições que estruturam essas ofertas. A Bovespa, por outro lado poderia incluir nos regulamentos dos níveis diferenciados de governança um capítulo que estabelecesse as condições mínimas necessárias à condução dessas operações. Ao alterar os regulamentos dos níveis e do Novo Mercado, as companhias que são potenciais alvos estariam vinculadas. O mesmo aconteceria com os intermediadores, caso a Anbid incluísse dispositivos em seu código. Para ele, essa seria “a melhor maneira de vivenciar as eventuais operações com o grau de estabilidade desejado, deixando espaço para maturação dos procedimentos antes de mexer na lei”.

MANUAL DO OFERTANTE — Mas, que procedimentos seriam esses exatamente? Embora ainda precisem ser discutidos e detalhados pelos agentes do mercado, eles podem ser pensados a partir dos direitos e deveres de cada uma das partes envolvidas na oferta: o autor da proposta e a companhia-alvo, considerando seus administradores e acionistas.

Embora algumas das medidas que os autores da oferta devem tomar já estejam previstas nas normas atuais — mais precisamente nos artigos 257 e 258 da lei e também na 361 —, como a exigência de publicação de um edital, aspectos posteriores ao lançamento da oferta merecem atenção especial. O principal deles é das ofertas concorrentes, que podem surgir no meio do caminho. Questões como a quantidade de vezes que uma proposta de preço pode ser alterada e o percentual mínimo exigido para aumento da oferta original são destacadas por Marcelo Trindade como especialmente importantes. “Ainda há espaço para discutir se a interpretação adequada da lei é a que estabelece a possibilidade de uma única revisão para a proposta e um mínimo de 5% de aumento para que essa nova oferta possa ser considerada válida”, justifica o presidente da CVM.

ETIQUETA DO ADMNISTRADOR — A necessidade de interpretação da lei também pode prejudicar o processo de condução das ofertas do ponto de vista do administrador da companhia- alvo. “Apesar de a Lei das S.As tratar do dever de diligência dos administradores no artigo 153, não há regras claras aplicadas ao contexto de uma oferta de aquisição do controle que tratem dos procedimentos desejáveis nessa situação”, diz Marcelo Rodrigues, do Tozzini Freire. Ele cita como exemplo a diretiva da CE, que impossibilita aos administradores rechaçar a oferta de imediato e, assim, impedir que os acionistas da companhia tenham tempo de se manifestar sobre o mérito da oferta. Também há dispositivos que os proíbem de colocar dificuldades à evolução da oferta.

Num contexto mais amplo, a discussão sobre a postura e a conduta da administração durante o processamento da oferta se divide em duas correntes principais: a silenciosa, que entende que a administração não deve se manifestar a respeito da oferta, e a mais disseminada, adotada pelo mercado norte-americano, na qual os principais executivos e o conselho são obrigados a emitir uma opinião sobre a oferta, obedecendo a uma série de passos para garantir que o parecer tenha sido embasado devidamente.

Perguntado sobre a corrente que considera mais adequada, Trindade, da CVM, afirma que prefere não revelar sua posição antes que o mercado tenha discutido propriamente a questão. Mas há indícios de que a segunda opção deve ser preferida pelo nosso mercado. “É absolutamente relevante que a administração se pronuncie, pois ninguém conhece melhor do que ela a estratégia de alocação de recursos e as perspectivas de futuro da companhia”, diz Marcelo Barbosa, sócio do Vieira Rezende Barbosa e Guerreiro Advogados.

SUPERVISÃO DE ESTATUTOS — Outro ponto importante nessa reforma da regulamentação também está diretamente relacionado à administração da companhiaalvo: as poison pills. Para o advogado Kevin Altit, sócio do escritório Mattos Filho Veiga Filho Marrey Junior e Quiroga Advogados, em situações em que a pulverização do capital é expressiva, as poison pills podem beneficiar uma administração ineficiente, que se valha desses mecanismos para se autopreservar no poder. A solução para esse problema potencial está nas mãos da própria CVM, mais precisamente em sua atividade de supervisão. “Não há nada como o poder de polícia para evitar a tirania do administrador”, diz ele, citando livremente um dos autores da Lei das S.As, o professor Alfredo Lamy.

Altit também não acredita que uma revisão na lei seja necessária. “A lei não pode criar estruturas rígidas, que cerceiem a criatividade do mercado. Assegurar que a CVM tenha o orçamento adequado para exercer o controle é bem mais importante.” Ele reforça essa opinião ao ressaltar que, na maioria dos casos em que ocorrem problemas, eles não resultam da estratégia, mas sim da conduta do administrador da companhia ou do agente da operação. “É a conduta do agente que a torna ilegal, e quem determina essa ilegalidade é a CVM.” O presidente da autarquia reconhece a importância do assunto e afirma que ele também está na pauta da reforma. “Há grande potencial de litígio nessa questão e, portanto, é dever da CVM se manifestar.”

Na maioria dos casos em que ocorrem problemas, eles não resultam da estratégia, mas sim da conduta do administrador da companhia ou do agente da operação

Para Eduardo Centolla, presidente do Goldman Sachs no Brasil, a fonte de eventuais problemas que venham a ser causados pelas poison pills está nas condições mínimas para o preço que deve ser praticado na oferta pública que a maioria delas traz. “Quando se estabelece um preço mínimo, o mercado muda. Cabe aos acionistas policiar isso e cobrar da CVM mecanismos que tornem o mercado mais eficiente.”

QUEM DEVE MONITORAR? — Para que essas mudanças possam ocorrer, Trindade sugere que se inicie um processo de discussão mais amplo, que envolva os principais agentes do mercado de capitais. O modelo britânico de monitoramento das ofertas voluntárias, centrado em um órgão específico composto por representantes do mercado, é apontado pelo presidente da CVM como desejável para o País. “Seria bastante bom ter um painel que analisasse e validasse procedimentos.”

Sua opinião é compartilhada por todos os especialistas ouvidos por esta reportagem. Eles entendem que tanto a CVM quanto a Bovespa poderiam abrigar em suas estruturas uma câmara especial, voltada ao assunto. A discussão proposta pelo presidente da autarquia terá entre seus objetivos levantar as vantagens de cada possibilidade. “É preciso discutir e pensar publicamente um mecanismo que funcione como força persuasiva, de incentivo regulatório, que ofereça vantagens a quem optar por ele.” Como exemplo desse tipo de incentivo ele cita a possibilidade de adoção de uma via rápida, um “fast track”, para a condução de ofertas de aquisição por companhias que aderirem a esse painel. “Mas todos esses aspectos devem ser discutidos com muito cuidado.”

QUANTO AS MUDANÇAS PODEM ESPERAR? — Kevin Altit, do Mattos Filho, observa que, embora o assunto seja relevante, ainda não há condições para o pleno desenvolvimento de um mercado de aquisição de controle. Para que as ofertas voluntárias possam funcionar é preciso ter a maioria do capital pulverizado e não apenas o direito de voto, como ocorre em nossas companhias. Atualmente, prevalecem as estruturas em que o controlador é inexistente, mas o capital está concentrado em mãos de poucos investidores.

É o caso, por exemplo, da Embraer, em que o voto de um único acionista ou grupo fica restrito, por um mecanismo estatutário, a 5% do capital da companhia, independente do total de ações detidas. A despeito desse limite, 41,5% do capital da fabricante de aviões estão concentrados nas mãos de apenas cinco acionistas. Na verdade, após a fusão entre o Submarino e as Lojas Americanas ocorrido no último mês de dezembro, a Lojas Renner é a única companhia listada na bolsa brasileira cuja estrutura societária se encaixa nos moldes de pulverização a que Altit se refere. “Quando atingirmos esse outro estágio, não há dúvida de que será necessário contar com um mecanismo de divulgação detalhado, que ofereça ao acionista a possibilidade de avaliar ofertas concorrentes. Mas ainda estamos longe disso.”

Centolla, do Goldman Sachs, concorda. “Ainda existe uma grande concentração de ações nas mãos de poucos investidores, o que torna muito difícil a condução de uma oferta de aquisição de controle nos moldes internacionais.” Mas ele pondera que a tendência é de crescimento desse volume, visto que nos próximos anos também deve aumentar o número de companhias com capital efetivamente pulverizado. “Os empresários brasileiros já se conscientizaram dos benefícios e das oportunidades adicionais que podem conquistar com uma abertura de capital, ainda que isso implique abrir mão do controle. Hoje, suas decisões são cada vez mais baseadas em critérios econômicos”, afirma Centolla. Questionado a respeito do horizonte de tempo para a ocorrência de tais mudanças, o executivo é categórico: “Essas novas operações vão vir já. O futuro é agora.”


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