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Estão de olho nele
Mais tolerante a risco, investidor "superqualificado" entra no radar da CVM e de outros participantes do mercado

O mercado de capitais brasileiro começa a ficar de olho em uma categoria de investidores para lá de especial. Estamos falando aqui de um grupo que vai além dos já conhecidos “qualificados” — identificados pelo mercado e pela regulamentação como os aplicadores dispostos a aportar quantias consideráveis em determinado título. Um time seleto que, nesta reportagem, está apelidado de “superqualificado” e, nos últimos meses, vem sendo observado como um mercado potencial para produtos com risco elevado e arestas regulatórias mais flexíveis.

O primeiro reconhecimento às oportunidades criadas por esses “pesos pesados” foi dado pela Comissão Valores Mobiliários (CVM). No final do ano passado, ao editar as novas instruções sobre securitização de recebíveis, a autarquia criou a modalidade de Fundos de Investimento em Direitos Creditórios Não-Padronizados (FIDCs-NP), que estará disponível apenas a investidores com fôlego financeiro para aplicar no mínimo R$ 1 milhão em cada cota. Neste fundo será permitido incluir recebíveis de alto risco, como dívidas contra o setor público ou empresas em liqüidação judicial, entre outros créditos duvidosos. A norma abre caminho para uma bipartição entre os níveis do investidor brasileiro de grande monta: algumas regras são aplicáveis a investimentos superiores a R$ 300 mil e outras, com espaço para riscos maiores, a valores acima de R$ 1 milhão. Quando os investidores forem os superqualificados, as regras para CRIs e FIDCs permitem, ainda, algumas regalias aos estruturadores desses produtos — como, por exemplo, a dispensa da apresentação das informações financeiras do devedor dos créditos.

No novo texto que prepara para a Instrução 409, dirigida a fundos de investimento, a CVM também prevê maior liberdade para os investidores de fundos cuja aplicação inicial seja superior a R$ 1 milhão. Este grupo ficaria, segundo a minuta colocada em audiência pública, isento das limitações de concentração por modalidade de ativo e por emissor, aplicáveis a outros dois grupos de investidores: os de varejo, que ficariam limitados, por exemplo, a alocar 30% de suas carteiras em títulos privados, e a uma faixa intermediária, dos qualificados, que poderia dobrar este e todos os demais percentuais previstos.

Em paralelo às propostas de regulação da CVM, surge uma iniciativa da Associação Nacional dos Bancos de Investimento (Anbid) também dedicada aos superqualificados. A associação pretende apresentar em breve à autarquia uma proposta de regras para ofertas públicas de ações ou outros títulos que preveja a dispensa de registro quando tais operações forem voltadas a este público. Seria algo semelhante à regra 144-A nos Estados Unidos, lançada em 1999. A norma permite aos emissores nacionais e estrangeiros distribuir seus títulos aos chamados QIBs (Qualified Institutional Buyers) sem seguir as regras da agência (ou seja, sem adotar, por exemplo, a rigorosa Sarbanes-Oxley) mas, ao mesmo tempo, atingindo um público maior do que aquele a que teriam acesso em uma oferta privada tradicional.

“Estamos preparando um trabalho amplo, cuja linha principal é a simplificação diante das operações voltadas para públicos específicos. É o que estamos chamando de 144-A verde amarela”, afirma Luiz Fernando Resende, vice-presidente da Anbid, que planeja entregar o estudo à autarquia no prazo de 90 dias.

DÚVIDAS E SUGESTÕES— No geral, o mercado parece aprovar o conceito de se ter regras mais flexíveis para produtos de investimento voltados aos superqualificados. Mas, segundo especialistas ouvidos pela Capital Aberto, é importante que algumas questões sejam consideradas.

A principal delas refere-se ao critério de classificação desses investidores, hoje baseada, principalmente, em aspectos quantitativos. De acordo com a Instrução 409, são considerados qualificados: instituições financeiras; companhias seguradoras e sociedades de capitalização; entidades abertas e fechadas de previdência complementar; pessoas físicas ou jurídicas com investimentos financeiros em valor superior a R$ 300 mil e que atestem sua condição de investidor qualificado mediante termo próprio; fundos de investimento destinados exclusivamente a investidores qualificados; além de administradores de carteira e consultores de valores mobiliários autorizados pela CVM. A definição exclui, por exemplo, os fundos cujos investidores também não sejam considerados qualificados, além das pessoas físicas de menor fôlego financeiro, mas elevado nível de conhecimento. Já os “superqualificados”, que estariam livres de qualquer restrição, são aqueles investidores com patrimônio superior a R$ 1 milhão.

Aline de Menezes Santos, superintendente de desenvolvimento do mercado da CVM, reconhece a criação da faixa dos investidores superqualificados em função de decisões do colegiado e da própria regulamentação. Lembra ainda que os critérios para a utilização de aspectos qualitativos ou quantitativos na classificação de investidores — e, consequentemente, na flexibilização das normas a eles aplicáveis — são tema de debate em vários países. “Esta é uma discussão recorrente na autarquia, até mesmo porque nenhum país encontrou uma solução. No entanto, não está em estudo estabelecer novos requisitos para esta classificação”, diz. Para a superintendente, o método quantitativo, que estabelece um valor de corte como fator limitador, tem falhas. Contudo, ao mesmo tempo, é objetivo e aplicável, enquanto os aspectos qualitativos não são adotados isoladamente em nenhuma jurisdição.

“Representaria um avanço significativo na proposta para a 409 incluir os fundos de investimento na categoria dos qualificados, uma vez que o gestor foi autorizado pela própria CVM a realizar este trabalho. O valor de corte baseado no investimento é um método ruim para este tipo de definição”, avalia José Eduardo Carneiro Queiroz, sócio da área de mercado de capitais do escritório Mattos Filho, Veiga Filho, Marrey Jr. e Quiroga. O advogado alerta também para o excesso de regulação. Segundo ele, seria nocivo para o mercado criar regras muito específicas. “Deveríamos estruturar melhor os conceitos de qualificação do investidor e, então, simplificar as regras.”

Paulo Veiga, diretor de compliance, análise e controle de risco da Mercatto Gestão de Recursos, também reivindica métodos qualitativos para a segmentação do investidor e classifica a recente regulamentação da CVM para os FIDCs-NP de restritiva, já que permite o acesso apenas dos superqualificados. “Como profissional de mercado, quero ter a liberdade de escolha”, diz. Para ele, o problema poderia ser contornado com regras mais rígidas de compliance. “Transparência e compreensão. O gestor fornece os dados da aplicação e o investidor, se estiver de acordo, manifesta sua aceitação. Poderíamos usar um termo de adesão mais bem elaborado”, sugere.

CONSCIENTIZAÇÃO— A maior responsabilidade dos gestores na comercialização dos produtos é um dos itens que está sendo analisado pela CVM. O assunto não foi contemplado nas instruções sobre securitização, mas promete ser considerado no normativo para os fundos de investimentos. Segundo Aline, a autarquia prepara um relatório, a ser divulgado juntamente com a nova Instrução 409, que destaca pontos relevantes surgidos durante a audiência pública e merecedores de debate mais amplo. “Um deles é a responsabilidade dos intermediários por conta do aumento do volume de investimentos no mercado de capitais”, afirma ela, sem dar maiores detalhes sobre possíveis medidas da autarquia.

Ana Paola Guetta, superintendente de private banking da Mellon, aprova a restrição de alguns produtos aos investidores qualificados e superqualificados, principalmente quando oferecem risco de crédito. No entanto, a gestora avalia que os intermediários devem compartilhar, juntamente com o órgão regulador, a responsabilidade de adequar os produtos ao perfil do cliente. “Em alguns casos é importante restringir, mas cabe à instituição vendedora do ativo avaliar a adequação.”

A Associação dos Analistas e Profissionais do Mercado de Capitais (Apimec) também concorda com flexibilização de regras para os superqualificados, especialmente no que diz respeito à proposta de dispensa de registro para captações de público com alto poder de investimento a ser apresentada pela Anbid. Mas sugere que o órgão regulador exija dos ofertantes beneficiados uma contrapartida. “A empresa captaria os recursos junto aos investidores qualificados com menos exigências, mas assumiria o compromisso de, dentro de um prazo predeterminado, fazer uma oferta pública”, diz Álvaro Bandeira, presidente da Apimec Nacional. A iniciativa, avalia, fomentaria o mercado qualificado através de processos de estruturação mais ágeis e menos dispendiosos, ao mesmo tempo em que as empresas se comprometeriam a avançar nos quesitos de governança corporativa, tornando-se acessíveis ao mercado em geral no longo prazo.

Sugerida pela Anbid, Regra 144-A busca tornar ofertas privadas mais atrativas

Conforme a regulamentação norte-americana, as ofertas de valores mobiliários, em geral, dependem de registro. No entanto, estão previstos os casos em que os ofertantes ficam automaticamente dispensados da exigência. A mais importante norma aplicável a estas situações, lançada em 1999, é a 144-A, que regulamenta as ofertas de valores mobiliários não negociáveis em bolsa e destinados exclusivamente aos QIBs (Qualified Institucional Buyers). É ela que serve de base para a Anbid no estudo que será apresentado à CVM, com vistas à implementação de regras também mais flexíveis no mercado local.

“Examinando a história legislativa da lei de 1933, observou-se que os reguladores já acreditavam que os investidores sofisticados não precisam de proteção da SEC”, observa Paul Rodel, da Debevoise & Plimpton LLP. A lei foi criada com o objetivo de formalizar práticas já adotadas pelo mercado e fomentar a negociação no ambiente secundário (antes, os investidores que adquiriam papéis de empresas sem registro se comprometiam a permanecer com o título por pelo menos dois anos). Pretendia-se também elevar a atratividade do mercado norte-americano para emissões privadas de empresas estrangeiras.

A dispensa automática do registro e a flexibilização de outras exigências estão restritas aos QIBs, que abrangem: instituições com investimento superior a US$ 100 milhões em valores mobiliários de empresas não pertencentes ao mesmo grupo; bancos com mais de US$ 100 milhões em valores mobiliários; corretoras com mais de US$ 10 milhões aplicados em valores mobiliários de empresas que não sejam do mesmo grupo; entidades nas quais todos os investidores sejam QIBs; e agentes que atuam para QIBs.

Para facilitar o acesso dos demais investidores às emissões privadas foi criado ainda o Regulamento D, que permite, inclusive, a aquisição por pessoas físicas. Os valores de corte, no entanto, que datam da década de 80, são considerados baixos e estão atualmente sendo revisados pelo órgão regulador. São compradores em potencial dos ativos emitidos pelo regulamento corretoras, seguradoras, bancos e companhias de investimento registradas na SEC; sociedades limitadas com ativos de mais de US$ 5 milhões; pessoas com ingresso anual de pelo menos US$ 200 mil nos últimos dois anos; casais com ingresso anual de pelo menos US$ 300 mil nos últimos dois anos; além de investidores com valor contábil superior a US$ 1 milhão, entre outros.

No Brasil, a legislação é menos abrangente. A Instrução 400, que regula as ofertas públicas, prevê a possibilidade de dispensa de registro ou outros requisitos, inclusive publicações e prazos, mediante solicitação. O pedido, no entanto, só poderá ser feito em casos específicos, entre eles, quando a oferta for exclusiva para investidores qualificados (definidos conforme a Instrução 409). Já a Instrução 429 prevê o registro automático de ofertas de debêntures simples, CRIs, fundos imobiliários e fundos em empresas emergentes, desde que destinadas a até 20 investidores. As instruções 356, 391 e 444 também citam os qualificados, já que limitam o acesso aos FIDCs, FIPs e FIDCS-NP, respectivamente, a este público.


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