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Tempos de clausura
Diante de juros menores, gestores e cotistas avaliam as vantagens de carências mais longas para os fundos de investimento

 

Além de provocar os já conhecidos estragos na economia, os elevados juros brasileiros dos últimos anos fizeram coexistir três elementos que, em tese, não deveriam andar juntos: risco baixo, retorno elevado e pronta liquidez. Mas, aos poucos, as consecutivas quedas das taxas de juros verificadas ao longo de 2006 começam a trazer os investidores para uma nova realidade, na qual já é preciso correr riscos maiores para obter rendimentos mais atrativos. E isso não é tudo. Há um aspecto menos visível que também começa a se instalar na indústria de fundos — com perspectivas de se consolidar no futuro próximo — e promete mudar as relações entre os cotistas e seus investimentos. No lugar do dinheiro fácil como aquele da conta corrente, disponível para saque a qualquer momento, o investidor já se depara com algumas espécies de restrições à liquidez.

No geral, observa-se que elas podem aparecer em alguns formatos. Um deles é a chamada trava ou lock up, que restringe os resgates diários e impede o saque durante determinado período. Há também o prazo de carência ou para resgate — que limita as retiradas a datas pré-estabelecidas — e, por fim, as taxas de saída, cobradas sempre que o investidor saca os recursos antes de completados os prazos. Os fundos podem, inclusive, utilizar os três mecanismos simultaneamente.

O objetivo dessas restrições é claro: em cenário de juros menores, o gestor precisa recorrer a ativos menos líquidos e rentabilidade atrativa, que exigem mais tempo para serem vendidos a preços razoáveis. Por enquanto, esses mecanismos são mais comuns entre gestores independentes, não ligados a conglomerados financeiros. A maioria deles já aboliu a liquidez diária nos produtos mais sofisticados. E profissionais da área esperam que, aos poucos, os aplicadores de varejo também aceitem essas restrições como contrapartida de um retorno mais atraente.

Os dispositivos de controle da liquidez começaram a ser adotados há cerca de três anos. Já naquela época os investidores mais “antenados” estavam receptivos a produtos que buscassem retornos superiores aos do CDI, o que facilitou a expansão dos gestores independentes. Mas a experiência mostrou que o pretenso apetite a risco desses investidores não sobreviveria às primeiras turbulências do mercado e muitos tratariam de sacar impulsivamente seus recursos. As estratégias montadas pelos gestores, porém, visavam obter rendimentos superiores no médio prazo e eram incompatíveis com uma estrutura que contemplasse o resgate diário. Resultado: por conta dos pedidos de resgate, muitos gestores foram obrigados a se desfazer das posições em momentos desfavoráveis — o que, quase sempre, implica em venda na bacia das almas e, conseqüentemente, no abalo à rentabilidade do fundo.

A partir daí, a melhor saída encontrada foram os mecanismos de restrição à liquidez — dos quais o mais utilizado tem sido a carência, também chamada de prazo para resgate. Teoricamente, ela alinha os interesses do gestor e do investidor. Propicia que o primeiro procure boas alternativas de investimento em mercados menos líquidos, utilizando-se, por exemplo, de títulos de dívida de empresas em dificuldades financeiras. Sabendo que os resgates só ocorrerão em datas pré-determinadas — ou que deverão ser pagos algum tempo depois de solicitados —, o gestor fica livre para buscar oportunidades, sem ter de verificar a todo o tempo se o cotista está com o dedo no gatilho para sacar os recursos.

EDUCANDO O INVESTIDOR — No Brasil, onde a educação financeira ainda engatinha, esse mecanismo tem sido também uma maneira de selecionar os investidores. “Os prazos de carência são mais importantes para educar os investidores do que para defender os gestores”, afirma um gestor independente. Em sua opinião, mesmo que o gestor não precise de um longo prazo para maturar os investimentos que fez, ele o adota para selecionar os cotistas.

Inicialmente visto com muita ressalva, esse mecanismo é hoje bem aceito. “O investidor já absorveu a idéia de investir em fundos com carência de 60 dias. Há, inclusive, espaço para ampliar esse prazo”, acredita Fernando Ganme, da Capital Serviços de Agente Autônomo, que distribui fundos diferenciados. “Se o fundo tiver uma boa performance, o investidor não se incomoda com o fato de não ter liquidez diária”, afirma. “Com a queda dos juros, os investidores estão aceitando prazos maiores. Essa tendência é inexorável e positiva”, reforça Rodrigo Fiães, da Gávea Investimentos.

Até agora, pouquíssimos são os fundos com travas e carências longas. Um deles é o Fama Futurevalue, da Fama Investimentos. Lançado em setembro de 2005, o fundo tem um patrimônio de cerca de R$ 28,3 milhões. “Ficamos surpresos com a aceitação. Por suas características, esperávamos uma captação menor”, diz Maurício Levi, diretor da Fama Investimentos.

A trava para os recursos do Futurevalue é de um ano. Nesse período, o cotista não pode pedir resgate em nenhuma hipótese. Passados 12 meses, o investidor pode resgatar suas cotas, mas recebe os recursos somente 120 dias após o fechamento de cada trimestre. Um exemplo: se ele pediu o resgate no primeiro trimestre, só terá o dinheiro em sua conta no fim de julho.

O Fama Futurevalue é um fundo de ações que investe em empresas consideradas muito pequenas, com baixíssima liquidez. Assemelha-se a um fundo de private equity, que demanda um bom tempo de análise para identificar as candidatas a fazerem parte de sua carteira. Além disso, a compra e a venda dos papéis precisam ocorrer de forma lenta, sem alterar acentuadamente as cotações na Bolsa — o que acontece, principalmente, com os ativos menos líquidos, sempre sensíveis a qualquer ordem de compra ou venda.

Levi afirma que a adoção do lock up e da carência foi necessária para viabilizar a rentabilidade do produto. Mas também porque esses mecanismos indicam que o investimento é de longo prazo. O fundo é voltado para investidores qualificados — institucionais ou pessoas físicas que comprovem possuir mais de R$ 300 mil em aplicações financeiras.

MERCADO PREPARADO? — Mas se a nata de investidores já aceita que terá de abrir mão da liquidez diária em troca da perspectiva de engordar os seus recursos, por que ainda existem poucos fundos com prazos de carência superiores a 60 ou 90 dias? Porque os incentivos até aqui não eram suficientes para deflagrar esse movimento na indústria — leia-se, as taxas de juros não eram tão baixas. Mas isso está prestes a mudar, avaliam os gestores consultados. “Existe uma tendência de alongamento dos prazos. Já há distinção entre o recurso voltado para o investimento e o de curto prazo. Os primeiros certamente terão prazos mais longos”, diz Levi.

A mudança, é claro, não ocorrerá do dia para a noite. Até porque esse não é um desafio dos mais simples. Será preciso convencer não somente os investidores de varejo, mas também os institucionais. “O mercado ainda não está preparado”, afirma Elsen Carvalho, diretor comercial da Investidor Profissional (IP). Os investidores se acostumaram com os altos juros e, escaldados pelos planos econômicos que antecederam o Plano Real, aprenderam na pele a importância da liquidez.

Para Carvalho, a primeira impressão que o investidor tem ao se deparar com restrições à liquidez é a de perda. Mas ele acredita que essa situação vai mudar, e que os aplicadores terão de compreender que esses mecanismos servem para proteger os seus próprios recursos. “Fazer o investidor abrir mão da liquidez é uma transformação pela qual a indústria de fundos terá de passar”, afirma.

Outra forma que os gestores têm encontrado para conscientizar os investidores da importância de planejar as aplicações e resgates é a adoção de uma taxa de saída, que impõe pena àquele que solicitar o saque antes dos prazos previstos. Os recursos obtidos costumam ser revertidos para o próprio fundo — ou seja, beneficiam os cotistas e não o gestor.

É esse o caso do fundo de ações IP Participações e dos multimercados IP Equity Hedge, Gávea Brasil, Mauá e Mauá Top. Os dois primeiros possuem taxas de saída de 5%, os demais, de 10%. Os cotistas do fundo Mauá Top, por exemplo, recebem os recursos referentes aos resgates 90 dias após a solicitação. Caso o investidor queira sacar os recursos em D 1, ou um dia após ter pedido o resgate, ele pode, mas paga uma taxa de 10%, que é revertida para o próprio fundo.

O mesmo ocorre com o fundo Mauá, criado em agosto de 2003 a partir da cisão do fundo Gávea Brasil (gerido pela Gávea Investimentos). “Nunca tivemos nenhum caso em que a taxa de saída foi cobrada”, afirma Marilisa Cardoso, responsável pela área de relações com investidores da Mauá Investimentos. Ela diz que a instituição da taxa de saída decorreu da necessidade de conscientizar os investidores, pois o fundo adota estratégias de investimento líquidas, que não precisariam de 90 dias para serem revertidas.

O patrimônio dos fundos com prazo para resgate representa apenas 4% da categoria de fundos multimercados – que, teoricamente, deveriam ser investimentos de longo prazo. Ou seja, a indústria de fundos ainda tem um longo caminho a percorrer nessa direção. O mais provável é que os gestores independentes, normalmente precursores das tendências, dêem os próximos passos.


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