A vez dos créditos podres
Instruções CVM abrem espaço para FIDCs lastreados em títulos vencidos e outros recebíveis de alto risco

 

ed41_p018-020_pag_3_img_001A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) divulgou, no dia 8 de dezembro, três instruções que flexibilizam as regras aplicáveis aos produtos de securitização. Esperadas há mais de um ano, as medidas incluem o aumento, de 0,5% para 20%, do limite de créditos por devedor dos Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRIs) distribuídos ao varejo (com valor unitário inferior a R$ 300 mil). O aumento do teto era considerado fundamental para viabilizar a distribuição de CRIs aos investidores menos afortunados. Antes, com o limite de 0,5%, era preciso reunir, no mínimo, 200 devedores diferentes para o lastro de uma única emissão — condição praticamente inviável, segundo especialistas.

Engana-se, porém, quem pensa que o grande impacto das novas regras para os recebíveis ficou restrito ao varejo. No pacote da CVM, há também mudanças que atingem um outro público, posicionado do lado totalmente oposto: os investidores superqualificados — que são, pela definição da autarquia, aqueles que destinam R$ 1 milhão ou mais para uma única cota de FIDC ou um único CRI, geralmente representados por investidores institucionais ou fundos de pensão.

Para esses grandes players, surgiram algumas novidades. A principal foi a elaboração de uma instrução exclusiva, a de número 444, que cria os chamados Fundos de Investimento em Direitos Creditórios Não-Padronizados (FIDC-NP). Trata-se de fundos que aplicam em recebíveis considerados de alto risco como, por exemplo, créditos que já estejam vencidos quando feita a sua cessão para o fundo; decorrentes de receitas de quaisquer órgãos públicos, de ações judiciais em curso ou de empresas em recuperação judicial; ou, simplesmente, cuja constituição ou validade jurídica seja considerada um fator preponderante de risco. Até então, os produtos lastreados em créditos como esses não tinham uma regulamentação específica da CVM e, vez ou outra — como no caso dos precatórios —, apareciam nas carteiras dos FIDCs pautados pela Instrução 356, após uma análise pontual da autarquia.

Com a criação dos não-padronizados, esses fundos de crédito duvidoso ganharam uma categoria própria, podendo abrigar, inclusive, direitos creditórios de montante desconhecido ou existência futura, como, por exemplo, os recebíveis de uma editora com a venda de um livro que nem sequer foi escrito. “Nosso objetivo foi segregar esse produto dos demais FIDCs, lastreados em créditos mais seguros”, explica a superintendente de desenvolvimento de mercado da CVM, Aline de Menezes Santos.

Por exigirem uma análise bem mais aprofundada sobre o fluxo de recebíveis e as estatísticas de inadimplência do devedor, os não-padronizados estão disponíveis apenas para o público superqualificado. Ainda assim, segundo Aline, esse investidor ficará obrigado a atestar, mediante termo próprio, que tem ciência dos riscos envolvidos na aplicação, da sua política de investimento, assim como das possibilidades de perda.

Rubens Vidigal Neto, do escritório Levy & Salomão Advogados, lembra que, para conceder o registro deste produto, o órgão regulador exige não só os mesmos documentos de um FIDC normal, como também um parecer judicial — que pode ser feito por um advogado — validando a constituição dos direitos creditórios em negociação. E ainda impõe amarras à composição da carteira: os não-padronizados que investirem em direitos creditórios de receitas públicas da União, dos Estados ou municípios não poderão alocar mais de 20% de seu patrimônio líquido em títulos de um mesmo devedor.

“A criação desse fundo mostra que o órgão regulador está reconhecendo a existência de um investidor mais sofisticado, que se interessa por ativos com maior possibilidade de retorno, porém, com mais riscos”, avalia Eduardo Lisbôa Rocha, da Boa Esperança Recebíveis. Para ele, haverá grande procura pelo FIDC-NP, já que esse tipo de demanda hoje é facilmente percebida pelo número de investidores interessados nos leilões promovidos pelos bancos de suas carteiras de créditos não-performados. “Quem compra um ativo com esse perfil geralmente tem a ‘expertise’ para realizar um trabalho de recuperação de créditos ou contratar alguém que saiba correr atrás do recebimento. Agora, é a vez de os FIDCs entrarem neste mercado.”

Os não-padronizados não foram a única novidade das instruções CVM para os superqualificados. Nas novas regras que se aplicam aos FIDCs e CRIs, eles também usufruem de algumas regalias que lhes permitem acessar produtos não disponíveis para outros públicos.

Um exemplo é a mudança mencionada no início desta reportagem, que fixa em 20% o percentual máximo para os devedores de CRIs e se aplica tanto aos certificados dedicados ao varejo como àqueles dirigidos aos qualificados. Esse percentual até poderá ser ultrapassado, mas desde que o devedor do recebível cumpra pelo menos um entre três pré-requisitos: ser uma companhia aberta, ser instituição financeira ou ter suas demonstrações financeiras auditadas e elaboradas conforme as regras da CVM.

Já para os superqualificados, tudo é mais fácil. Os CRIs (ou os FIDCs, para os quais o limite de 20% também passa a valer) poderão ultrapassar esse teto sem qualquer exigência de disclosure para o devedor — desde que a subscrição não ultrapasse 20 investidores e não haja negociação em mercado secundário.

INFLEXÍVEL NAS EXCEÇÕES — Na avaliação de especialistas, as soluções adotadas têm o seu lado bom, mas outro nem tanto. O aumento do teto para 20% de ativos oriundos de um mesmo devedor é um ganho para as carteiras voltadas à pessoa física. Contudo, os investidores qualificados (que pagam mais de R$ 300 mil por um FIDC ou cota de CRI) receberam uma restrição à concentração do crédito que, até então, não existia. Agora, eles também ficam sujeitos a produtos com limite máximo de 20% por devedor (a não ser que o devedor seja companhia aberta, instituição financeira, ou divulgue seu balanço à CVM). “Antes, era possível investir 100% do patrimônio em créditos de um único devedor, o que transformava o FIDC quase em uma debênture”, argumenta Vidigal Neto, do escritório Levy & Salomão.

A nova medida restringe especialmente os chamados CRIs corporativos, emitidos no modelo conhecido como “built to suit”. Nessas operações, as companhias “encomendam” um edifício de acordo com as suas preferências e se comprometem a pagar por ele um aluguel durante determinado prazo. O fluxo futuro deste aluguel é utilizado pelas securitizadoras como lastro para emitir os CRIs, e os recursos captados com esses certificados são aplicados na construção do prédio. Nesses casos, é muito comum que a empresa em questão (o devedor do lastro do CRI, portanto) seja uma grande companhia multinacional que muitas vezes não tem o capital aberto no Brasil, nem divulga balanço à CVM. Pelas novas regras, operações com empresas desse tipo só serão possíveis se destinadas aos superqualificados ou, ainda, se tiverem como destinatários apenas empresas integrantes de um mesmo grupo econômico.

“O limite de 20% representa um avanço na regulação, embora acreditemos que a CVM poderia ter sido mais flexível nas exceções a essa regra”, pondera Fabio Nogueira, da Brazilian Mortgages. “É preciso considerar que a maior parte das empresas brasileiras que hoje emitem crédito é de capital fechado.”

Tadeu Navarro, da Navarro Advogados, também concorda que muitas dessas medidas são benéficas ao mercado, mas ressalta que algumas vão aumentar o custo para a estruturação desses produtos. A despesa maior viria da elaboração dos prospectos — que passou a ser exigida para os FIDCs —, da auditoria independente, ou mesmo da contratação de uma instituição intermediária nas ofertas públicas de CRI — que passa a ser obrigatória para as captações superiores a R$ 30 milhões, ou de qualquer outro valor, se estiver voltada ao varejo. Investidores superqualificados não precisarão de intermediários.

Segundo Aline, da CVM, poucas operações serão atingidas por essa norma. Das 129 ofertas mais recentes ocorridas em 2006, apenas seis haviam superado R$ 30 milhões. Sobre o fato de a CVM ter exigido o teto de 20% de concentração por devedor também para investidores qualificados em CRIs e FIDCs, a superintendente argumenta que, apesar de ter recebido sugestões diferentes sobre esse ponto na audiência pública, o órgão achou que esse cuidado era necessário, tendo em vista que a securitização no País ainda é muito recente.


Para continuar lendo, cadastre-se!
E ganhe acesso gratuito
a 3 conteúdos mensalmente.


Ou assine a partir de R$ 34,40/mês!
Você terá acesso permanente
e ilimitado ao portal, além de descontos
especiais em cursos e webinars.


Você está lendo {{count_online}} de {{limit_online}} matérias gratuitas por mês

Você atingiu o limite de {{limit_online}} matérias gratuitas por mês.

Faça agora uma assinatura e tenha acesso ao melhor conteúdo sobre mercado de capitais


Ja é assinante? Clique aqui

mais
conteúdos

APROVEITE!

Adquira a Assinatura Superior por apenas R$ 0,90 no primeiro mês e tenha acesso ilimitado aos conteúdos no portal e no App.

Use o cupom 90centavos no carrinho.

A partir do 2º mês a parcela será de R$ 48,00.
Você pode cancelar a sua assinatura a qualquer momento.