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Olho na concorrência
Conheça o que Rússia, Índia e China estão fazendo para se adequar às melhores práticas

 

ed41_p048-052_pag_3_img_001Há bem pouco tempo, a China era lembrada apenas como uma imensa fábrica exportadora de bugigangas baratas e produtos falsificados. Quando se falava na Índia, a imagem que nos vinha à mente era de uma multidão de miseráveis à beira do rio Ganges. Por várias vezes aceitamos que a Rússia não passava de um país rico, porém, fechado para o mundo sob o poderoso domínio do Estado. Ora, quem acredita que a realidade de tais países ainda se limita a esses estereótipos está fadado a perder uma das mais acirradas guerras mundiais deste século — a disputa pelo capital estrangeiro.

Ao invés de rotular as economias emergentes, os investidores globais passaram a pesquisar profundamente as perspectivas de retorno que todos os mercados são capazes de gerar. E chegaram à conclusão de que, embora haja muito trabalho pela frente, Rússia, Índia ou China vêm se movimentando para se adequar às exigências internacionais. A fim de descobrir o tamanho dessa competição no mercado de capitais, a reportagem da Capital Aberto foi atrás dos estudos recentes sobre a governança corporativa, o marco regulatório e a transparência dos três países que, ao lado do Brasil, formam o bloco econômico conhecido como BRIC.

Começando pela China, cabe ressaltar que este mercado, até 1992, sequer contava com o órgão regulador, hoje chamado de China Securities and Regulatory Commission (CSRC). Tudo por lá é muito recente. Só em 2001 vieram as regras de governança voltadas aos conselhos de administração, que obrigaram as empresas a manter um terço das cadeiras do conselho com membros independentes, além de comitês de auditoria e remuneração formados apenas por independentes. Essas informações fazem parte do relatório produzido em março de 2006 pelo Chartered Financial Analyst (CFA), uma organização internacional dos profissionais do mercado que reúne quase 80 mil afiliados. Segundo o documento, apesar de fazer essas imposições, o regulador não deixou claro o conceito de “independência”, dando margem para alguns controladores contratarem pessoas que não apresentam a imparcialidade desejada pelos minoritários.

Outra instituição que estuda o grau de governança nas companhias chinesas é o Institutional Shareholder Services (ISS), que publicou uma pesquisa em abril de 2006 sobre o tema. Como conclusão, descobriu que a China ainda sofre com graves dificuldades para a implantação das boas práticas, das quais se destacam: os conflitos de interesses não divulgados, a falta de transparência nos resultados contábeis e o uso indevido da informação privilegiada (inside information). Nos três casos, afirma o instituto, as punições ficam comprometidas já que os acionistas controladores beneficiados pelas más práticas são quase sempre membros do próprio governo que, por sua vez, também responde pela regulamentação do mercado.

A boa notícia do ISS é o empenho do governo chinês que, embora ainda de maneira tímida, pretende melhorar a credibilidade do mercado de capitais. Em 2005, o órgão regulador do país deu início a um programa para conversão de ações — medida considerada indispensável para garantir a saúde de seu mercado de capitais. A iniciativa visa consertar as distorções causadas pelo fato de as empresas na China terem dois tipos de ações: as negociáveis e as não-negociáveis. Essas últimas pertencem ao governo central ou regional chinês — ou ainda a entidades afiliadas ao Estado — e respondem por 64% do total dos papéis emitidos pelas companhias listadas nas bolsas de Xangai e Shenzen. Portanto, só 36% dos ativos hoje têm sua comercialização permitida por investidores pessoa física e institucionais. A idéia desse programa é justamente permitir que o governo se desfaça de suas ações por meio de uma oferta pública inicial (IPO). Contudo, pela proporção que esses papéis ocupam no mercado, os chineses acreditam que tal conversão ainda deve levar alguns anos.

O estudo da ISS mostra ainda que os investidores chineses — provavelmente, devido ao atraso que precisam recuperar — são os mais preocupados com governança. Foi perguntado a 320 administradores de recursos, de 18 países filiados à entidade, qual a importância dada às boas práticas na suas decisões de investimentos. Cerca de 90% dos chineses consideram a governança corporativa “extremamente” ou “muito relevante”, contra 70% das respostas dos demais países. Outra surpresa: 93% dos gestores na China acham que esse tema será ainda mais relevante naquele país nos próximos três anos —percentual que passa longe da avaliação global, de apenas 23%.

Os chineses também aparecem em maior número ao lembrarem da necessidade de um conselho de administração eficaz nas empresas. Cerca de 40% desses investidores citaram a independência dos conselheiros e a definição de política para a estrutura e a composição do órgão como os itens mais essenciais dentro do capítulo da governança corporativa. Já nas respostas vindas dos outros países consultados, apenas 25% repetiram esses pontos. Por fim, quando questionados sobre qual a melhoria mais urgente em suas práticas de governança, esses orientais (73%) apontaram a implantação de um sistema de remuneração atrelado a performance — reivindicação lembrada por 27% dos demais investidores consultados.

NOVA LEGISLAÇÃO — O nosso segundo concorrente pelo capital estrangeiro nos BRICs, a Índia, é outro país que deixa clara sua intenção de não ficar parado no tempo no quesito governança. Prova disso está no relatório apresentado pela Academia de Governança Corporativa da Índia (Academy of Corporate Governance), num congresso realizado em novembro pela International Corporate Governance Network (ICGN), em Mumbai. O estudo relata várias iniciativas dos indianos em prol das boas práticas. Nas questões contábeis, por exemplo, é citado o empenho das companhias para padronizar seus dados financeiros, adequando-os às normas internacionais de contabilidade, o IFRS. Há também uma política para a convergência da prestação de contas das empresas à linguagem tecnológica conhecida como XBRL.

Os palestrantes lembram do recente compromisso assumido pelo governo daquele país que pretende implementar, tanto nas estatais listadas, quanto nas empresas cuja regulamentação depende do parlamento, uma força-tarefa visando maior transparência e independência nessas sociedades. Tudo para melhorar a credibilidade do mercado de capitais aos olhos internacionais. As companhias controladas pelo Estado têm uma presença dominante na Índia e hoje respondem por 35% da capitalização do mercado na Bombay Stock Exchange (BSE).

Um dos exemplos dessa tendência são as discussões para a revisão da atual lei que regula as sociedades anônimas na Índia, criada em 1956. Dentre as novidades sugeridas pelos profissionais do mercado neste país, está a criação de exigências para as melhores práticas hoje previstas em alguns códigos e estatutos a fim de que essas medidas deixem de ser apenas recomendações, e ganhem status de obrigação. Também reivindicam que as empresas de estrutura societária complexa, cheia de subsidiárias, sejam forçadas a consertarem essa situação. Por fim, pedem mais transparência na divulgação de dados financeiros, definição sobre a individualização da responsabilidade dos diretores e conselheiros, assim como suas competências, e maior detalhamento das informações no capítulo das transações com partes relacionadas. Fala-se até na criação de um ombudsman para o mercado de capitais indiano.

O governo já reconheceu a necessidade desses aperfeiçoamentos, mas ainda não se sabe o prazo para essas mudanças ocorrer. Se todas as intenções virassem realidade, a Índia seria o melhor dos mundos para o investidor estrangeiro. Estamos falando de uma economia cujas taxas de crescimento chegam perto dos 9% ao ano com inflação controlada, estabilidade política e, ao que tudo indica, um ambiente regulatório mais seguro num futuro próximo. A resposta do capital estrangeiro sinaliza que a Índia está no caminho certo. Só até novembro de 2006, 146 novos investidores institucionais estrangeiros foram registrados, aumentando para 969 o número de instituições internacionais que atuam na Índia. O país tem hoje 10 mil empresas listadas em 23 bolsas no país, mas apenas cerca de 2.500 ações são efetivamente negociadas. Seu órgão regulador é a Securities and Exchange Board of India (SEBI), criada em 1992.

O sonho de paraíso do investimento internacional, contudo, poderá ser interrompido caso a Índia não consiga resolver questões de infra-estrutura e de ausência de serviços sociais (saúde, educação, alimentação, saneamento básico etc). A exemplo do Brasil, a riqueza do país está concentrada nas mãos de poucos, o que resulta em uma desequilibrada distribuição de renda. Já na área corporativa, Anita Skipper, do Morley Fund Management, no Reino Unido, que esteve presente no seminário da ICGN, citou alguns ajustes que precisam ser feitos, entre eles a implantação de sanções mais severas para casos de mau uso da informação privilegiada e transações com partes relacionadas. “O país tem boas leis que, nem sempre, são aplicáveis”, afirmou. “Há uma predominância de famílias controladoras na gestão da empresa, ocupando também muitos cargos no conselho de administração. Os investidores minoritários não se sentem totalmente protegidos.”

A investidora também comentou que o Morley Fund movimenta hoje cerca de %u20A4 160 bilhões em todo o mundo, mas apenas %u20A4 100 milhões dos recursos vão para as companhias indianas. “Só a governança garantirá os melhores retornos para os nossos fundos.” Problemas como a ausência de transparência em algumas empresas, o corporativismo dos conselheiros ao protegerem membros da diretoria executiva e a falta de ativismo por parte dos investidores institucionais foram outros desafios apresentados pela palestrante.

AMEAÇA GIGANTE — Por fim, chegamos à Rússia, um país que já tem investment grade, nível de desemprego abaixo dos 8%, inflação controlada, índices razoáveis nas áreas de educação e saúde, além de uma capacidade ímpar de atrair investimentos estrangeiros. Segundo estudo da PricewaterhouseCoopers “Doing Business in the Russian Federation”, publicado no início do segundo semestre de 2006, trata-se de um dos mais atrativos mercados para o capital internacional, sobretudo pelos recentes avanços na implantação da governança corporativa.

Embora esses princípios sejam uma preocupação recente naquele país, o documento reconhece o esforço para o cumprimento das boas práticas, quando as companhias foram obrigadas a incluir em seus conselhos membros independentes, passaram a tratar com mais respeito os acordos para o pagamento de dividendos e sentaram-se no banco dos réus, nos litígios envolvendo minoritários, de onde algumas vezes saíram derrotadas pela Justiça. Na área de divulgação da informação, também houve um aumento no número de empresas que vem adotando, gradativamente, os padrões internacionais US Gaap e IFRS de contabilidade.

O lado ruim da história russa é que o país ainda peca por uma gritante falta de transparência na divulgação dos resultados que, não raramente, acabam chegando aos ouvidos de alguns antes de se tornarem públicos. A legislação do país, cuja regulamentação fica a cargo da Federal Commission for the Securities Market (FCSM), classifica o tratamento equânime na divulgação de fatos relevantes como um elemento chave para a prática da governança. Mais um item observado pela PwC ressalta a falta de informações no documento elaborado pelas empresas iniciantes no mercado quando realizam uma oferta pública inicial (IPO), o chamado prospecto. “Algumas empresas adotam uma política de informar o mínimo possível”, alertam os autores do estudo.

Os investidores também se preocupam com a não obrigatoriedade na divulgação dos nomes dos sócios controladores, quase sempre escondidos atrás de complexas estruturas societárias, divididas em infindáveis subsidiárias. Para se ter uma idéia, somente 38 das 54 companhias mais líquidas na bolsa da Rússia revelam a identidade dos acionistas majoritários. Considerando essa mesma amostragem, viu-se ainda que 85% das empresas mais negociadas estão nas mãos de um único sócio ou bloco de controle.

Diante dessa realidade, é natural que muitos pensem que o Brasil está bem melhor na fita quando o roteiro são as boas práticas de governança corporativa. É verdade, embora muitas das críticas mencionadas acima lembrem aquelas alardeadas nos últimos anos por nossos acionistas. Em comum, os BRICs perseguem as boas práticas como forma de serem competitivos na briga pelos recursos estrangeiros. Mas é conveniente lembrar que, entre eles, o Brasil é o menos competitivo em termos econômicos. Pelo menos foi o que apontou o ranking “Painel de Competitividade 2006”, divulgado pela Câmara Americana de Comércio (Amcham) em dezembro passado, ao comparar os países do BRIC. Na soma final das categorias avaliadas — desempenho da economia, corrupção, legislação etc. — ficamos em último lugar. Um sinal de que, se o crescimento não acontecer logo, a letra B deverá sair da sigla atribuída ao bloco das promissoras economias do futuro.

Auto-regulação e controle pulverizado são atrativos do Brasil

Se o empenho dos países para a adoção da governança corporativa é uma característica comum entre os emergentes, o que o Brasil teria para se diferenciar da Índia, Rússia e China aos olhos dos investidores estrangeiros? A primeira resposta quem dá é Paulo Esteves, sócio-diretor da Capital Partners. “Nossa maior vantagem está na maturidade do ambiente regulatório brasileiro — preocupação que Índia, China e Rússia só começaram a ter recentemente”, diz. Ele ressalta ainda a importância das instituições brasileiras, mais sólidas e tradicionais, além do desenvolvimento da auto-regulação, citada como exemplo internacional a partir do Novo Mercado.

Na avaliação de Valter Janssen Neto, especialista em governança corporativa pelas Universidades de Stanford e Chicago Business School, outro ponto positivo é o fato de as crises políticas não mais terem impacto relevante sobre a economia, conforme ocorre em mercados mais desenvolvidos. Ele observa também o fato de o Brasil ter ampliado, recentemente, o número de companhias com controle pulverizado — fenômeno pouco assistido na Índia, China e Rússia e que aprimora os instrumentos de gestão voltados aos acionistas.

Por fim, a diretora da área de ratings soberanos da Standard & Poors, Helena Hessel, acredita nas características peculiares de cada um dos países do BRIC como forma de protegê-los de uma competição mais direta. A Rússia, por exemplo, desperta o interesse dos investidores focados no setor de energia. Na Índia, há um sério problema de falta de infra-estrutura que faz com que o Brasil leve vantagem sobre o país nas apostas internacionais. Nosso grande competidor, segundo a especialista, seria a China. O que não deixa de ser uma má notícia. Afinal, ao lado desse dragão econômico, o Brasil acaba levando um verdadeiro banho. Enquanto o investimento estrangeiro direto no Brasil girou em torno de US$ 15 bilhões em 2005, a China, sozinha, abocanhou US$ 60,3 bilhões. (ASS)


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