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Olho do dono
Sem a figura do controlador, corporações adaptam seus estatutos sociais para ampliar as responsabilidades do conselho de administração

 

O provérbio que diz que o olho do dono engorda o gado tem lá sua sabedoria. A presença do acionista controlador no dia-a-dia das empresas permite uma forma de vigilância que não se vê nas companhias sem controle definido. Nessas, quem assume o comando é o conselho de administração, que tem a responsabilidade de representar os interesses dos acionistas e monitorar os gestores para que a companhia seja conduzida conforme as diretrizes dadas por seus “proprietários”. No Brasil, como as companhias sem controlador eram praticamente inexistentes até meados de 2005, nossos conselhos de administração possuem, por tradição, um papel adequado às situações em que o “olho do dono” está presente. Mas agora, diante da nova realidade, as companhias já começam a turbinar a responsabilidade desses órgãos, transferindo-lhes tarefas que antes ficavam a cargo da diretoria.

Uma alternativa para fazer valer o interesse dos acionistas seria submeter algumas das questões que hoje são conduzidas pela diretoria à aprovação em assembléia. Mas este poderia ser um caminho arriscado. Imagine se aquela figura lendária da “velhinha de Taubaté” — utilizada para personificar o investidor de varejo, que aloca parte de suas economias em ações e acompanha de perto o dia-a-dia da companhia — passasse a votar contra em matérias de interesse estratégico ou mesmo em questões triviais por falta de conhecimento adequado? Por isso, a melhor solução parece mesmo ser dar mais trabalho ao conselho. E foi o que fizeram companhias como Embraer e Perdigão, recém-convertidas para uma estrutura de controle pulverizado.

Na fabricante de aviões, uma das novas atribuições do conselho é aprovar a política salarial e de Recursos Humanos, bem como os seus critérios de remuneração e concessão de vantagens e benefícios para os funcionários de todos os níveis hierárquicos. Outra é autorizar quaisquer transferências de recursos para associações de empregados, fundações, planos de previdência, entidades assistenciais e recreativas. Ainda que não tenham caráter estratégico para os negócios da companhia, essas operações poderiam ser utilizadas para fins indevidos se continuassem apenas sob a alçada dos gestores.

O controle de transações e do relacionamento com sociedades em que a companhia detém participação também é objeto das novas prerrogativas do conselho da Perdigão, que pulverizou seu capital no ano passado, poucos meses antes da Embraer. Todos os atos que a empresa de alimentos venha a adotar como acionista ou sócia de outras empresas devem ser definidos previamente por seus conselheiros — a quem cabe, inclusive, indicar o teor do voto que será proferido em assembléias. Internamente, as operações de hedging e também as que envolvem despesas e financiamentos de insumos que não constem do orçamento geral deverão ser aprovadas por pelo menos dois terços dos membros do conselho.

MAIS ENVOLVIMENTO — Para o advogado Luiz Leonardo Cantidiano, sócio do escritório Motta Fernandes Rocha e ex-presidente da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), um dos benefícios dessa estrutura é estimular nos conselheiros uma participação mais ativa. “Com competências amplas, eles também tendem a ficar mais próximos do processo de implementação das estratégias. E, por ter uma influência maior no dia-a-dia da companhia, diminuem as chances de que a diretoria executiva consiga manipulá-los.”

Os perigos de manipulação do conselho por parte dos gestores são os que mais preocupam Francisco da Costa e Silva, sócio do Bocater Camargo Costa e Silva Advogados. Ele diz que o sucesso de uma companhia de capital pulverizado depende diretamente da capacidade de acompanhamento efetivo por parte do conselho. “A relação com a empresa não pode se restringir às informações que são passadas pelos gestores. Para evitar a formação de caixas pretas, é preciso que os conselheiros contem também com um suporte operacional, que lhes proporcione garantias adicionais sobre as veracidade dos dados e lhes permita coletar números complementares.”

Esse suporte operacional pode ser exercido, por exemplo, pelo comitê de auditoria ou por qualquer outro comitê subordinado ao conselho de administração. Nas três companhias de capital totalmente pulverizado listadas na bolsa brasileira, esses órgãos têm papel de destaque. Na Lojas Renner, além do comitê de remuneração, que recomenda os pacotes individuais de salários e benefícios, existe um comitê de assuntos financeiros, responsável pela revisão de todos os planos de natureza financeira e pela supervisão de aspectos como o acesso e o relacionamento com o mercado de capitais. Na Embraer foi instaurado, em caráter permanente, um comitê executivo, formado por quatro membros que auxiliam o conselho no exercício de todas as suas funções, coletando dados e informações da empresa e também do seu mercado de atuação que permitem uma melhor capacidade de avaliação de propostas da diretoria e da estratégia geral da companhia.

GARANTIA DE QUALIFICAÇÃO — Nesta nova realidade dos conselhos de administração, é fundamental também que os seus membros sejam altamente qualificados. E, para isso, cabe cuidar que a indicação não seja, em nenhuma hipótese, arbitrária. Ao mesmo tempo, é muito importante que todos os acionistas avaliem bem os nomes propostos. Pensando nisso, Perdigão, Lojas Renner e Embraer criaram uma série de novos procedimentos para as indicações de conselheiros.

As duas primeiras colocaram um prazo de até cinco dias antes da assembléia para apresentação de candidato ou chapa. Na Embraer, foi definido o prazo de dez dias. Em todas é necessário que o acionista apresente o nome, a qualificação do candidato (justificando a indicação) e seu currículo completo. Na Embraer, também é preciso que esses documentos venham acompanhados de um termo em que o indicado ao cargo declara sua aceitação ao pleito.

A fabricante de aviões estabelece, ainda, uma obrigação adicional para seus executivos. Nos casos em que houver indicação de candidatos ao conselho por parte dos acionistas, eles devem, além de informar a CVM e a Bovespa de imediato, publicar um aviso aos acionistas indicando onde todas as informações a respeito dos candidatos ao conselho poderão ser encontradas, num prazo máximo de oito dias antes da realização da assembléia. Na Perdigão e na Renner, o procedimento de informação ao regulador e à bolsa é o mesmo, mas a divulgação nos jornais em que tradicionalmente publicam seus avisos a acionistas conta com um prazo que é de até três dias antes da assembléia na Perdigão e de até dois dias na Renner.

Nas três companhias, a eleição se dá por chapas que são formadas, por definição, pelos atuais conselheiros como candidatos à reeleição. Se um dos atuais não concordar em permanecer por um novo mandato, o próprio conselho tem a prerrogativa de apontar um substituto para compor a chapa. Não existe a possibilidade de voto individual em candidato, com exceção das situações em que houver a solicitação de voto múltiplo — procedimento previsto na Lei das S.As e que atribui a cada ação um número de votos igual ao de cargos de conselheiro que se vá eleger. Kevin Altit, sócio do Mattos Filho Veiga Filho Marrey Jr. e Quiroga Advogados, ressalta a importância do detalhamento desses procedimentos de indicação nos estatutos: “O sistema tem de ter um mínimo de complexidade para permitir a manutenção do profissionalismo do órgão mais importante da companhia e, ao mesmo tempo, assegurar a qualificação de seus membros”.

ALTERNATIVAS? — Entre delegar mais poderes para a assembléia e reforçar as tarefas do conselho de administração, o mercado brasileiro vem, pelo menos até agora, preferindo a segunda alternativa. Mas esta também não está livre de críticas. “A sobrecarga do conselho pode engessar as atividades da companhia”, alerta Adriana Pallis Romano, sócia do Machado Meyer Sendacz e Opice Advogados.

Não existiria, então, uma terceira opção? Na opinião de Thiago Giantomassi, advogado do escritório Demarest & Almeida, ela existe sim e seria o aperfeiçoamento dos regimentos internos ou códigos de conduta. “Esses documentos determinam os procedimentos para aprovação de matérias específicas, dando uma espécie de passo-a-passo que confere maior confiabilidade ao processo.” Com isso, os acionistas teriam formas de controlar a atuação dos gestores por meio de regras bem definidas e sem depender ainda mais do conselho. “Conhecendo os passos que os executivos devem dar para aprovar uma operação ou contrato, os conselheiros podem solicitar dados ou materiais específicos para checar se a condução foi a mais adequada”, afirma Adriana, que também defende um controle maior por meio dos regimentos e não dos conselhos. A experiência das companhias com esta nova realidade será uma amostra do caminho mais eficiente a seguir.


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