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Jeremy Cooper – Uma bolsa, dois chapéus
Presidente do órgão regulador australiano conta como a bolsa de valores do seu país conciliou as atividades comerciais e de regulação após o IPO

ed38_p010-011_pag_2_img_001Não fossem os planos de desmutualização e listagem anunciados recentemente pela Bovespa, um comunicado divulgado em julho pela bolsa de valores australiana — a Australian Stock Exchange (ASX) — pouco interessaria ao mercado brasileiro. Nele a ASX, listada desde 1997 como companhia aberta em seu próprio pregão, anunciou avanços importantes para gerenciar uma das questões mais intrincadas no cotidiano de qualquer bolsa de valores que pretenda ter um preço de mercado para suas ações: conciliar as atividades comerciais de uma companhia que se propõe a gerar valor para seus acionistas com o papel de regulação e supervisão usualmente atribuídos às bolsas de valores.

A fim de “fortalecer a integridade dos mercados e ampliar a transparência e a prestação de contas do seu departamento de fiscalização”, a ASX criou uma subsidiária exclusivamente voltada às atividades de fiscalização, a ASX Markets Supervision Pty Ltd, que passou a contar com um novo conselho de administração, uma estrutura hierárquica menos vinculada à área comercial e operações segregadas.

Consultada pela reportagem sobre seus projetos para viabilizar a convivência dos papéis de fiscalizador, regulador e companhia aberta, a Bovespa preferiu não se pronunciar. Em junho, a bolsa paulista anunciou planos de dissolver os vínculos societários previstos na atual estrutura mutualizada — em que apenas os corretores sócios estão autorizados a operar — para se transformar em uma sociedade com fins lucrativos e aberta às operações de qualquer interessado, seja ele sócio ou não. Comunicou também a intenção de listar suas ações no próprio pregão, dando liquidez aos cotistas atuais e abrindo uma porta para captações de recursos.

No seminário de comemoração dos 30 anos da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), realizado nos dias 4 e 5 de setembro, o presidente da Australian Securities and Investments Commission (ASIC), Jeremy Cooper, conversou com a Capital Aberto sobre as medidas implementadas em julho para a segregação das atividades comerciais e de fiscalização no mercado australiano. Confira os principais pontos da entrevista a seguir:

C.A: Como a abertura de capital da ASX repercutiu no mercado de valores australiano?
J.C: Ficamos muito preocupados com essa nova realidade logo no início. Será que isso vai mesmo funcionar?, perguntávamos. Sabíamos que os muitos conflitos de interesses a que uma organização desse tipo estaria sujeita seriam um problema. E acho que essa é uma questão até hoje. Certamente ainda temos muito a melhorar ao longo dos próximos anos.

Como se caracteriza a estrutura implementada recentemente?
A ASX passou a ter uma subsidiária separada, responsável pela regulação e supervisão das empresas listadas e pela gestão dos conflitos de interesses internos. Ela tem um presidente de supervisão, o CSO, que se reporta direta- mente ao conselho de administração desta subsidiária. Os conselhos das duas empresas são formados por pessoas diferentes e há dois membros externos e independentes no conselho da ASX Markets Supervision. As equipes também foram separadas. Quem está na parte comercial não trata de supervisão, e vice-versa. Isso ajuda a prevenir os conflitos, embora estejam todos eles, como se sabe, sob uma mesma organização. Acima de ambas está a ASIC, que supervisiona as suas atividades.

De que forma a ASIC controla a ASX?
De duas formas: uma, por ela ser uma empresa listada em bolsa e com inúmeras responsabilidades perante seus acionistas quanto à qualidade do disclosure. Outra, por meio de uma revisão anual de todas as funções da ASX em que avaliamos se os conflitos de interesses estão sendo gerenciados da forma adequada, se os participantes de mercado estão sendo bem monitorados e se a bolsa está conseguindo fiscalizar o cumprimento de regras e punir as infrações.

Quantas pessoas trabalham na empresa de supervisão?
Não me lembro exatamente quantas pessoas, mas a ASC gasta cerca de 20 milhões de dólares americanos ao ano com as funções de regulação e supervisão. Ou seja, essa é uma parte bastante importante do negócio.

Na sua opinião, esse modelo tem se mostrado eficiente?
Olhando ao redor do mundo, vemos que não existe 100% de perfeição. Alguns modelos têm aspectos melhores do que outros. Essa é provavelmente uma longa viagem que cada um deve seguir dando um passo atrás do outro, sempre procurando o formato que melhor se aplica.

No Brasil a Bovespa tem um papel bastante ativo como promotora da auto-regulação. Isso acontece também com a ASX?
A ASX tem um comitê de governança corporativa que atua de forma auto-regulada, ou seja, não tem nenhum poder de impor regras, é apenas um sistema voluntário. Este comitê lançou um conjunto de dez princípios que as companhias devem seguir ou, caso contrário, justificar ao mercado porque não o fazem (modelo internacional mente conhecido como “comply or explain”). Temos também algumas questões de governança conduzidas pela ASIC, mas as regras mais rígidas estão no campo da auto-regulação e são monitoradas pela ASX. O comitê de governança é formado por representantes da indústria.

O senhor acredita que é bom para o mercado ter uma bolsa listada?
Temos inúmeros aspectos positivos quanto à possibilidade de levantar capital e mesmo quanto às obrigações de transparência. O modelo antigo em que os corretores são os donos não era tão bom para a gestão dos negócios e certamente não se adaptou ao final do século 20 porque trazia poucos benefícios. Sem dúvida, a chave para essa resposta está mesmo na questão do conflito de interesses. De um lado temos uma bolsa que quer dar lucro, quer empresas listadas, quer crescer, e do outro lado uma mesma bolsa que precisa regular, controlar as empresas e cobrá-las. Mas esse é um mercado de risco, não é? Portanto, o risco faz parte do processo.

Vocês inspiraram o modelo de segregação em exemplos de outros países?
Não, fizemos isso com base em nossa experiência.

Quais os próximos passos?
Como eu falei, acredito que esta seja uma jornada. Ainda há muito por fazer. Temos dois conselheiros independentes entre os cinco da empresa de supervisão, por exemplo, e sabemos que isso não é suficiente. O ideal seria termos mais profissionais externos do que internos. É preciso lembrar que, tradicionalmente, as bolsas de valores são muito fechadas sobre suas questões, pouco transparentes. Trata-se de uma forte mudança cultural migrar para um modelo de companhia aberta.


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