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Oportunidade perdida
Novo pacote de estímulo ao setor imobiliário deixa de lado medidas para expandir operações de CRIs, FIDCs e FIIs

 

O pacote de incentivo à indústria da construção civil — anunciado pelo governo federal em meados de setembro — adiou a tentativa do setor de avançar mais um passo no desenvolvimento do mercado de capitais ligado ao negócio imobiliário. Entre outras medidas, reduz o imposto de alguns materiais de construção, abre linhas de crédito para financiamento de construtores e mutuários, retira entraves que impediam o uso do crédito consignado para a aquisição da casa própria e amplia o enquadramento de micro e pequenas empresas no sistema de simplificação de tributação. Contudo, deixa de lado providências que poderiam promover a emissão e a negociação de Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRIs), de Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (FIDCs) com lastro em fluxos de financiamentos do setor e de cotas de Fundos de Investimento Imobiliário (FIIs).

Esses instrumentos, sobretudo os CRIs, são as ferramentas que aproximam a indústria do tijolo e cimento do mercado de capitais. Podem garantir mais autonomia para o sistema imobiliário captar recursos junto a investidores, reduzindo a dependência das linhas oficiais. “O pacote poderia ter contemplado medidas para incentivar ainda mais o mercado de títulos imobiliários”, diz Alexandre Assolini, sócio da área de mercado de capitais do escritório Pedraza, Maximiano e Kawasaki Advogados Associados. “É preciso mais ações coordenadas para planejar o desenvolvimento do mercado no longo prazo.”

A expectativa é que o pacote imobiliário amplie o volume de financiamentos para a população e as empresas do setor. Nele está previsto que a Caixa Econômica Federal (CEF), maior fonte de financiamento do mercado imobiliário brasileiro, trará R$ 4,5 bilhões até o fim de 2007 para financiar as construtoras e incorporadoras e a comercialização de imóveis. E até o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) vai começar a repassar recursos a companhias que queiram concedê- los a seus empregados dispostos a construir a casa própria.

Em tese, um volume maior de financiamento tenderia a movimentar a indústria e, desta forma, estimular novos empréstimos bancários voltados aos mutuários. Esses fluxos de recebíveis, por sua vez, poderiam ser cedidos pelos bancos às securitizadoras e se transformar em CRIs ou FIDCs. Mas essa última etapa, segundo alguns agentes do mercado, ainda encontra barreiras que se mantêm após o pacote.

Uma delas é a que obriga os bancos a direcionar 65% dos recursos depositados em poupança para financiamento do mercado imobiliário. A princípio, sua função é estimular o crédito para a indústria imobiliária, o que, de fato, vem ocorrendo. Para se ter uma idéia, a destinação de recursos à construção de moradias somou R$ 5,9 bilhões entre janeiro e agosto deste ano, mais que o dobro realizado em igual período de 2005. O problema é que, no percentual de 65%, não podem ser incluídos créditos que tiverem sido cedidos às securitizadoras. Ou seja, para atingir a meta, os bancos muitas vezes preferem “encarteirar” os recebíveis a cedê-los para a composição de FIDCs ou CRIs. “Dificilmente os novos financiamentos serão transformados em títulos para ser negociados no mercado de capitais”, diz Assolini.

E essa não foi a única oportunidade perdida para se avançar neste segmento, segundo especialistas. No pacote foi criada uma Medida Provisória que permite que taxas de juros pré-fixadas sejam usadas nos contratos firmados pelo Sistema Financeiro de Habitação (SFH). Até então, os bancos podiam usar apenas os juros pós-fixados, representados pela Taxa Referencial (TR), acrescida de 12% ao ano. A partir de agora, as instituições podem usar os dois sistemas: o pós-fixado ou uma taxa de 12% ao ano mais TR pré-determinada pelo Banco Central no último dia útil de cada mês, e válida para o mês seguinte.

“O ideal seria que o mercado tivesse mais liberdade na contratação de índices de referência, para que os títulos se tornassem mais atrativos”, diz Chuck Spragins, sócio da Uqbar, empresa de educação em securitização. Os títulos que atualmente mais interessam aos grandes investidores são indexados em índices como IGP-M, INPC e IPCA. Ele argumenta ainda que a fixação de tarifas engessa o mercado e, portanto, impede maior concorrência entre as instituições. “E o governo pode utilizar a subjetividade no cálculo da fórmula da TR, com critérios considerados pouco transparentes”, completa Pedro Klumb, diretor da Monitoramento e Serviços Financeiros Imobiliários.

ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA — A ausência de medidas mais colaborativas para as operações de securitização junta-se a outras que não poderiam ser resolvidas pelo “pacotão”, mas também freiam o crescimento dessa indústria. Uma delas diz respeito a diretrizes do Acordo da Basiléia II reguladas no âmbito do Banco Central que regulamentam a necessidade de capital próprio para as instituições financeiras de acordo com o volume de recursos emprestados.

Para a Associação Brasileira de Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip), o Banco Central deveria flexibilizar a exigência de capital próprio para a aquisição de CRIs, de modo que os bancos pudessem comprar maior volume desses títulos. Outro pleito da associação é para que o BC descartasse a exigência de monitoramento, pelos bancos, da relação entre a dívida do mutuário e o valor do imóvel, para não deixá-la ir além de 50%. O problema, segundo a Abecip, é o custo do acompanhamento da dívida desses imóveis, que ficaria a cargo dos próprios bancos. “O processo seria custoso, principalmente no monitoramento dos CRIs”, diz José Gonçalves Pereira, superintendente técnico da associação.

Uma boa notícia é que o Banco Central está avaliando as sugestões da Abecip e de outros agentes do mercado imobiliário. As idéias foram até discutidas em audiência pública realizada em julho. Avalia-se que o monitoramento pode ser dispensado pelo BC nas situações em que os contratos de financiamentos estiverem atrelados ao sistema da alienação fiduciária, instrumento que permite a retomada do imóvel em caso de inadimplência de maneira mais rápida que num processo judicial. Procurados, o Banco Central e o Ministério da Fazenda não se manifestaram.

Outro vilão que permanece na indústria de securitização é a taxa de juros. A despeito da queda do último ano, os especialistas afirmam que o patamar atual ainda não confere plena competitividade a essa alternativa de investimento.

São alguns os motivos para a taxa ser tão nociva. Quanto maior o juro, maior a disposição dos bancos em direcionar os recursos para outras modalidades de empréstimo, como o crédito direto ao consumidor (CDC), cheque especial, cartão de crédito e financiamentos de veículos, mais atrativas que o crédito imobiliário. Ao mesmo tempo, se a taxa é muito alta, menor é a disposição dos clientes do banco para tomar empréstimos. Mas a principal razão mora mesmo no interesse do investidor. Enquanto a Selic representar uma relação risco e retorno mais atraente no curto prazo, os CRIs, FIDCs imobiliários e FIIs vão continuar suando a camisa para captar recursos.

O executivo Fábio Nogueira, diretor da Brazilian Mortgages, prefere ser menos contundente nas críticas. “A evolução é lenta, mas constante. O grande trunfo dessa indústria é que não houve retrocessos no País, só avanços”, diz ele. Nogueira foi um dos primeiros agentes da indústria imobiliária a apostar no mercado de CRIs, há quase dez anos, quando ajudou a criar a Brazilian Securities, companhia de securitização de recebíveis imobiliários.

CONSIGNADO EM BOA HORA — Resta falar das medidas do pacote governamental que foram bem recebidas. Uma delas foi a mudança no decreto 10.820, que regulamenta o crédito consignado. O nova regra permitirá que trabalhadores da iniciativa privada e, sobretudo, os servidores públicos, ofereçam o desconto direto no hollerith como garantia do pagamento dos empréstimos imobiliários. A medida deve favorecer principalmente funcionários públicos e militares, que têm maior estabilidade no emprego.

Para analistas, a resolução é positiva para o mercado de títulos imobiliários, uma vez que pode efetivamente estimular a geração de mais crédito a ser transformado em CRIs. Mas alguns cuidados serão necessários. “O governo terá de ter cautela para definir as regras, porque os prazos de financiamentos imobiliários são muito longos. É preciso deixar claro quais serão as medidas adotadas, considerando o risco de o trabalhador ser demitido antes de quitar as dívidas”, diz Roberto Kauffmann, presidente do SindusCon-RJ. Afinal de contas, são os fluxos de recebíveis que garantem o pagamento e, portanto, a rentabilidade dos papéis lastreados em financiamentos imobiliários.


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