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O preço da escalada
Caso Telemar e parecer CVM mostram que a migração para o Novo Mercado pode ser bem tumultuada quando se tem ações preferenciais

 

ed37_p010-014_pag_3_img_001Desde que a governança corporativa caiu no gosto do empresariado brasileiro — e novas companhias começaram a desembarcar na bolsa de valores com ações listadas em um dos dois mais elevados segmentos em matéria de boas práticas (Nível 2 e Novo Mercado), surgiu a dúvida sobre como fariam as empresas já listadas que quisessem transferir suas ações para estes mercados especiais. De que forma trocar as preferenciais (PN) por papéis que ofereçam direito de voto? Seria essa troca feita na base do “um para um”, ou os controladores cobrariam um preço para dividir sua condição privilegiada de poder com os demais acionistas?

Pois bem, o momento de conhecer essas respostas chegou. Já são três — Perdigão, Embraer e Telemar — as companhias que apresentaram propostas de troca de ações PN por ON e entrada no Novo Mercado. Na Perdigão, tudo foi relativamente simples: cada ação preferencial deu direito a uma ordinária e os minoritários puderam optar por trocar seus papéis sem ter de pagar nada por isso. Já Embraer e Telemar complicaram um pouco mais. Para efetuar a troca atribuindo valores distintos para as ações de controladores e minoritários, criaram uma empresa holding com o capital formado apenas por ações com voto e estabeleceram relações de troca específicas para cada acionista migrar. No caso da Embraer, a permuta foi 9% mais vantajosa para os controladores, em razão do chamado “prêmio de controle”.

Na Telemar, a proposta foi bem mais ousada, tanto em relação ao prêmio de controle quanto à forma. E as dificuldades, igualmente maiores. A reorganização societária seguiu moldes bastante semelhantes aos da Embraer, mas sua realização foi condicionada a uma oferta secundária de papéis dos controladores que, por sua vez, também só aconteceria se as ações listadas atingissem um preço pré-determinado. No caso de TNL PN, a cotação precisaria chegar a R$ 42, uma valorização de 14%.

O primeiro problema aconteceu justamente com a oferta. A Telemar se deparou com a fuga dos investidores voltados a mercados emergentes e o resultado não foi muito animador: as ações PN de TNL citadas há pouco, que estavam a R$ 37 quando anunciada a operação, caíram para o patamar de R$ 29. E a valorização necessária para que a oferta fosse realizada, à esta altura já na casa de 45%, virou pura ficção. No dia 16 de agosto a Telemar anunciou ao mercado que a oferta estaria cancelada (como todos já podiam prever), mas que a proposta de reestruturação societária e a migração para o Novo Mercado seriam mantidas mesmo assim.

Dois dias depois, a Telemar enfrentou o segundo revés. A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) divulgou um parecer de orientação ao mercado que, embora dirigido a todas as reorganizações societárias do tipo da Telemar, começava claramente servindo para a própria. No comunicado, a autarquia apresentava uma interpretação que invertia o sistema de votação em assembléia e, com ele, as chances de a companhia ser bem sucedida na sua proposta de reestruturação.

PRÊMIO DEMAIS — Mas antes de detalharmos os termos do parecer da CVM, vale explorar um pouco a questão do prêmio de controle, o outro elemento ousado da operação de Telemar. Os números ajudam a explicar os fatos. Baseando-se na premissa de que as ações dos controladores precisariam ter um prêmio à altura — devido ao poder que lhes é conferido —, os administradores da Telemar chegaram a uma conta em que os controladores obtêm uma relação de troca mais de três vezes superior à dos preferencialistas. Deixam, assim, uma participação de 14,7% do capital total na empresa atual para alcançar 31% na nova, enquanto os preferencialistas (mais uma vez os acionistas de TNL PN, como exemplo) passam de 54,6% para 36,3%. Os minoritários que possuem ações ON, por sua vez, levam uma generosa fatia do prêmio do controlador. Apoiando-se no princípio de que seria válida uma analogia com a situação de venda de controle, em que as ações dos minoritários que possuem ON valem 80% das do controlador, a Telemar decidiu aplicar o mesmo percentual no cálculo da relação de troca dos ordinaristas não-controladores.

A vantagem dos dois grupos de acionistas, contudo, foi interpretada pela CVM como um benefício particular (nos termos do artigo 115 da Lei das S.As) e disparou mais uma bomba sobre a operação da Telemar. Segundo o parecer da autarquia, em situações como essa, por se configurar o tal benefício, todos os que dele tirarem proveito estarão impedidos de votar na assembléia que decidir sobre a reestruturação. Logo, se no caso da Telemar tanto os controladores como os demais ordinaristas foram considerados beneficiados, os preferencialistas passariam a ser os únicos a votar na assembléia.

O anúncio surpreendeu o mercado e complicou um pouco mais a vida da operadora. No desenho originalmente proposto para a operação — e também utilizado pela Embraer —, todos os acionistas votavam (ON e PN) e os não-controladores tinham o poder de rejeitar a operação por maioria. Ou seja, se 50% mais 1 do total de ações fora do bloco de controle vetassem a proposta, os controladores se comprometiam a votar no mesmo sentido e anular a operação. A rejeição, porém, tinha poucas chances de ocorrer na prática, especialmente no caso da operadora de telecomunicações.

Como era provável que os minoritários detentores de ON votassem a favor da operação, uma vez que levavam boa vantagem na migração para a nova empresa, a estimativa era que seria necessária a presença de 65% do total de preferencialistas para que a operação fosse vetada — um nível de presença elevado dado o absenteísmo comum nas assembléias de companhias brasileiras. Com a mudança trazida pelo parecer da CVM, portanto, os acionistas controladores e minoritários ordinaristas não apenas perderam o seu voto, como passaram a depender do voto afirmativo da maioria dos preferencialistas presentes na assembléia (os únicos não-beneficiados no entendimento da autarquia e, portanto, livres para aprovar a operação).

CONFRONTO — Do lado da Telemar, a confusão parou por aí. Questionado sobre o interesse da companhia em seguir adiante depois das barreiras colocadas pelo parecer da CVM, o diretor de finanças e RI, José Luis Salazar, afirmou que acatará as orientações da autarquia (ver entrevista na página 14). Resta, pois, apenas aguardar para conferir se a operadora será bem-sucedida nesta próxima etapa. Já do ponto de vista societário, a discussão ficou um tanto mais tumultuada.

Em linhas gerais, o parecer da CVM arrancou elogios tanto de advogados como de investidores. E rendeu reportagens elogiosas, inclusive em publicações estrangeiras, com o tom de que a autarquia havia zelado pelos interesses dos acionistas preferencialistas. Mas algumas vozes de peso se manifestaram contra.

Luiz Leonardo Cantidiano, ex-presidente da CVM e um dos advogados mais respeitados do País em matéria de legislação societária, disparou críticas que foram da primeira à última linha do parecer. “Lamento muito que a CVM tenha escolhido esse caminho”, afirmou Cantidiano, que era favorável à estrutura de votação origi nalmente proposta desde o caso da Embraer, sobre o qual chegou a emitir um parecer positivo. Assim como a Telemar, a fabricante de aeronaves concedia aos preferencialistas a prerrogativa de rejeitar a operação — e, pode-se concluir, foi beneficiada pelo fato de, em março, ainda não existir o parecer da autarquia.

O ex-presidente inicia as críticas pela forma escolhida para a manifestação da CVM, o parecer de orientação. “As incorporações precisam ser tratadas caso a caso. Não é possível generalizar”, afirma. E lança mais farpas quando questionado sobre o fato de a vantagem do controlador ter sido considerada um benefício particular. Para Cantidiano, salvo em situações muito evidentes, este benefício só pode determinar a anulação do voto do acionista quando diagnosticado, depois de concluídos os efeitos da deliberação, que ele foi prejudicial aos interesses da companhia. Cantidiano também criticou o fato de a CVM ter transferido, sem que a lei lhe concedesse poder para isso, o direito de voto às ações preferenciais. E ainda recriminou o parecer por não ter sido mencionado o artigo 264 que, em sua visão, seria suficiente para permitir ao preferencialista defender-se de um preço injusto em caso de incorporação (veja quadro).

Sobre a opção por um parecer geral de orientação, o diretor da autarquia Pedro Marcílio de Sousa afirma que a CVM não pretende ser inflexível: “No dia em que tivermos um caso que não se encaixe no parecer vamos analisá-lo individualmente”, diz. Já a explicação para o fato de a autarquia ter interpretado como benefício particular a vantagem dos controladores da Telemar — e de outros que vierem a apresentar a mesma proposta de reorganização — está na diferença de critérios utilizados para determinar o valor das diversas classes de ações.

No caso da operadora de telecomunicações, apurou-se um valor para a companhia por meio de laudo de avaliação produzido por uma instituição independente. Para chegar em quanto valeria cada ação, considerou-se, para as ações PN, o valor das cotações em bolsa (somado a um prêmio de 25%). E, para as ONs dos minoritários e do controlador, a diferença entre o valor de mercado já apurado para as PN e o valor total da companhia indicado pelo laudo de avaliação. Desta forma, coube aos detentores de ON os benefícios do valor apurado no laudo e, aos preferencialistas, apenas o valor de bolsa somado a um prêmio escolhido pelos próprios administradores da Telemar — uma diferença suficiente para caracterizar a condição dos primeiros como “benefício particular”, na visão da CVM. “Consideramos que toda situação em que o mesmo bem ou parcela do capital da companhia estiver avaliado de forma diferente, sendo pelo menos um dos critérios não objetivo, estará caracterizado o benefício particular”, afirma Sousa.

“Ex-presidente da CVM afirma que a autarquia não está autorizada pela lei a transferir o direito de voto aos preferencialistas”

TAMANHO DA CONTA — Certa ou errada na técnica jurídica, a CVM deixou clara sua intenção: impedir que iniciativas supostamente elogiáveis de troca de ações PN por ON e migração para o Novo Mercado virem uma oportunidade para o acionista controlador expropriar os minoritários. Agora, com o parecer, pelo menos uma situação ficou clara: os minoritários podem até ser expropriados por contas suspeitas do controlador, mas terão a condição de vetá-las se for o caso. Mas como funciona a lógica do mercado? Até quanto os acionistas minoritários aceitam pagar para ganhar direito de voto e, a exemplo dos três últimos casos que tivemos, passar a fazer parte de uma companhia de capital pulverizado?

Bem, infelizmente não temos como entregar essa conta assim, de bandeja, para os acionistas controladores que neste exato momento estão planejando fazer uma operação no mesmo estilo. De bate-pronto, é possível apenas garantir que não são poucas as variáveis que fazem diferença para o investidor em situações como essa.

Pedro Rudge, analista da Investidor Profissional, cita algumas delas. É preciso avaliar o quanto alavancada é a estrutura de capital da companhia — ou, em outras palavras, quanto o controlador possui no capital total. Se sua fatia for a mínima permitida pela Lei das S.As (cerca de 17%, exatamente o caso da Telemar), eis aí um bom motivo para o investidor querer trocar logo seus papéis por ações ordinárias. Quanto menor a participação do controlador, maiores as possibilidades de desalinhamento de interesses.

É importante olhar também as chances de uma troca de controle vir a acontecer futuramente. Nesta hipótese, possuir ações que confiram o direito à venda com o controlador (tag along) é uma vantagem estratégica. Há ainda um paradoxo que se aplica a esta decisão. Quanto menos governança tiver a companhia no estágio atual, maior será o interesse do minoritário de pagar pelas vantagens de ter ações ordinárias e listadas no Novo Mercado.

No caso da Telemar, um ponto avaliado pelo mercado parece ser exatamente este. Jacqueline Lison, analista da Fator Corretora, é uma das que se posiciona favoravelmente à troca das ações, a despeito da diluição que terão os preferencialistas. “Se a operação não ocorrer, quem tem PN vai ficar num negócio sem perspectiva de se valorizar no curto prazo e com os mesmos problemas de governança”, diz a analista.

Quanto à necessidade de botar a mão no bolso para mudar de patamar, os investidores parecem de acordo. “A princípio, faz todo o sentido termos de pagar um preço pelas ações com voto. Quando compramos uma PN, sabemos muito bem o que estamos levando para casa”, diz Rudge. Quem estreou uma operação de “venda” de ações com mais governança para os minoritários foi a Saraiva Livreiros. A companhia aplicou um desconto de 10% nas ações daqueles que quisessem trocar seus papéis por outros com direito ao tag along. Era o primeiro sinal de uma espécie de “mercado de boas práticas” que, somente agora, começa a esquentar.

Nas mãos dos minoritários

Em entrevista à Capital Aberto, José Luis Salazar, diretor de finanças e Relações com Investidores da Telemar, afirma que seguirá as orientações da CVM e que confia na racionalidade dos preferencialistas para aprovar a reorganização societária.C.A: Uma das críticas feitas à operação é que a Telemar condicionou a adoção de melhores práticas de governança a uma reestruturação societária que beneficia os controladores e dilui as ações PN. Como o senhor responde a isso?
J.L.S: A Telemar já é uma empresa com governança corporativa, listada na Nyse e seguidora da Lei Sarbanes-Oxley. O que estamos oferecendo aos investidores é uma empresa ainda melhor, com mais flexibilidade para captação de recursos e uma política de dividendos atrativa. Quanto aos controladores, o que eles estão propondo é uma troca de mais poder por mais participação. Foi pago um prêmio no passado, e é natural que eles determinem um preço para se desfazer do controle agora.

Vocês chegaram a pensar em oferecer praticamente os mesmos ganhos de governança listando a empresa no Nível 2?
Não. Acreditamos que será muito importante a empresa contar com uma estrutura acionária única, mais simples, e, desta forma, se tornar mais competitiva para novas captações.

A interpretação de que os controladores e demais ordinaristas usufruem de um benefício particular faz sentido para vocês?
O que vamos fazer é apenas seguir o parecer de orientação da CVM.

Por que vocês fizeram questão de pagar um prêmio de 80% para os minoritários que possuem ONs se não há consenso sobre essa necessidade?
Vimos que esse procedimento já tinha sido utilizado antes e que faz todo o sentido, uma vez que haverá mudança na dinâmica do controle acionário.

Por que a nova empresa terá uma política tão agressiva de dividendos?
Não é uma política agressiva. Nossa projeção é um dividend yield constante de 13% nos próximos três anos. A Telesp (Telefônica) paga mais do que isso.

Então esse diferencial também não será tão grande assim?
Vamos pagar o que estará dentro das nossas possibilidades. Hoje não temos como pagar mais dividendos porque precisamos acumular reservas para o caso de aquisições. Com a estrutura acionária simplificada e a possibilidade de realizar novas captações por meio da emissão de ações ordinárias, poderemos liberar essas reservas para o pagamento de dividendos.

Vocês acreditam que a operação tem chances de ser aprovada somente com o voto dos preferencialistas?
Acreditamos que a racionalidade econômica prevalecerá e que a percepção dos investidores sobre a necessidade de simplificar a estrutura acionária e flexibilizá-la para novas captações contribuirá para a aprovação.

Como ficarão os acionistas que tiverem papéis ON e PN? Eles poderão votar?
Ainda estamos fechando alguns pontos com a CVM e não temos resposta para isso.

Quando vocês prevêem convocar a assembléia?
Estamos finalizando o processo de registro para listagem das ações da nova empresa na SEC. Esperamos convocar a assembléia no final de outubro.


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