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No lugar certo
Marcelo Trindade, presidente da Comissão de Valores Mobiliários (CVM).

 

ed37_p048-049_pag_1_img_001Esqueçam sua fama de briguento. Ou, ao menos, não a associem a um homem bravo. Marcelo Trindade, 41 anos, presidente da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), destaque na categoria institucional desta reportagem especial (que incluiu a autarquia, bolsas de valores e entidades de classe), em nada carece de bom humor. Pelo menos não na hora de contar as histórias de sua carreira, desde a época do colegial — quando era um bicho grilo, segundo sua própria definição — até se tornar a última palavra de um dos principais órgãos reguladores do setor econômico do País.

“Desde pequeno, queria ser jornalista”, revela. “Na escola, era um daqueles jovens que gostava de escrever no jornal do colégio. Não cheguei a ser um hippie, mas era meio bicho grilo.” A habilidade para criar textos na época de estudante o fez prestar o vestibular em comunicação na PUC-RJ em 1982. Naqueles tempos, o primeiro ano de Jornalismo tinha quase as mesmas disciplinas que as demais faculdades na área de humanas, o que permitia mudar de curso — e fazer Direito, por exemplo, — sem começar tudo de novo. Por sorte — “ou azar, para alguns”, brinca —, ao final do primeiro semestre, ele ia tão mal nas matérias teóricas de comunicação que aceitou a sugestão do pai, um advogado criminalista, de herdar a sua profissão. Mas, de cara, avisou que não seguiria a mesma especialização.

“Comecei no Direito com um sentimento de frustração. Me sentia derrotado por não conseguir fazer a faculdade que havia planejado”, lembra. “Mas a vida sempre me sorriu muito e, nessa época, não foi diferente.” Trindade se refere ao fato de ter conseguido uma bolsa de estudos do Programa Especial de Treinamento, conhecido como PET — uma espécie de iniciação científica patrocinada pelo governo federal e concedida somente aos cinco melhores alunos da graduação. Por suas notas, Trindade seria o sétimo da lista. Mas como houve duas desistências, arrematou a vaga e, assim, pôde se envolver ainda mais com o Direito. “Ficava na faculdade em tempo integral. Assistia às aulas de manhã, almoçava no bandejão e, à tarde, ia para o PET”, conta.

Aluno dedicado, ele logo chamou a atenção de um dos monitores do programa, que acabou indicando seu nome para um estágio no escritório de Sérgio Bermudes. Lá, descobriu finalmente que estava no rumo certo. Abriu depois um escritório próprio e, mais tarde, foi convidado para fazer parte de outra banca de pesos pesados na área do Direito corporativo, o Tozzini, Freire, Teixeira e Silva Advogados.

Sua primeira passagem pela CVM foi como diretor, durante o governo Fernando Henrique Cardoso, entre 2000 e 2002. Dizem até que foi sua atuação na autarquia nesta época que lhe rendeu a fama de bom regulador. Verdade ou não, o fato é que nem mesmo Trindade tem idéia de quem o indicou para a presidência da CVM. “Vou tentar descobrir isso um dia antes de encerrar meu mandato para poder reclamar com essa pessoa”, brinca.

A alegria de ter encarado o desafio de ser o número um da autarquia vai além das expressões de seu rosto. Ninguém duvida que ele ama o que faz. Afinal, para aceitar o convite da CVM, teve de abandonar o projeto de voltar a ter seu próprio escritório de advocacia, cujas filiais, no Rio e em São Paulo, mal haviam recebido a última mão de tinta. “Foi uma escolha difícil. Consultei minha mulher e ela falou o que diriam todas as companheiras numa hora dessas: seria um absurdo eu desistir do escritório, mas, se eu recusasse a oportunidade, ficaria infeliz.”

Trindade chegou à CVM em março de 2004, num mercado que já tinha adiantado boa parte da lição de casa. A Bovespa contava com os níveis diferenciados de listagem e o próprio órgão regulador estava aparelhado com instruções como a de número 400, assinada por Luiz Leonardo Cantidiano, entre outras consideradas inovadoras e relevantes para o mercado. Ajudou o fato de ter encontrado a casa arrumada? Sem dúvida. O desafio, então, passava a ser a fiscalização do cumprimento de tudo o que estava criado.

A função de xerife tem um preço que ele conhece bem: %u201CQuando se ocupa uma posição como a minha, não dá para economizar inimigos%u201D

A função de xerife tem um preço que ele conhece bem. “Quando se ocupa uma posição como a minha, não dá para economizar inimigos”, afirma. “Exercer esse papel é muito duro. Eu mesmo ficaria magoado com alguém que tivesse me condenado, mas faz parte do jogo.” Acrescenta que já chegou a perder várias vezes o sono pensando se, numa determinada decisão, agiu corretamente. Daí vem sua marca de valorizar tanto o colegiado e as demais pessoas que trabalham nos processos da autarquia. “As superintendências de registro e de empresas têm sido extremamente testadas. E correspondem a isso de maneira exemplar”, diz.

O resultado do trabalho de uma equipe que passa em média 12 horas por dia dedicando-se à instituição — sem contar o serviço que leva para fazer em casa à noite e nos fins de semana — pode ser conferido em algumas medidas. Uma delas é a conclusão da reforma da Instrução 409, que encerrou há pouco tempo o prazo de consulta pública e está perto de ser anunciada ao mercado. “Recebemos propostas muito consistentes. Certamente, a 409 virá com muitas mudanças, mas seu espírito se manteve no sentido de preparar a regulação dos fundos de investimento para um novo cenário econômico de queda dos juros”, adianta.

E não pense que é fácil fazê-lo apontar quais marcas a sua gestão irá deixar. “Não vou fazer um balanço do meu mandato porque dá a impressão de que o presidente não quer mais fazer nada. Ao contrário, temos muitas coisas na prateleira para entregar”, enfatiza. “É como a discoteca do Chacrinha: só acaba quando termina”, completa, mais uma vez sem dispensar o bom humor. Nos seus planos está ainda a entrega da instrução que cria novos níveis de companhia aberta. Trata-se de um modelo para diferenciar as exigências aplicadas às empresas conforme a complexidade dos títulos emitidos — por exemplo, uma empresa que emite debêntures teria obrigações diferentes de uma outra que solicite o registro sem fazer qualquer emissão nos primeiros momentos.

Valeu a pena, Trindade? “Valeu e está valendo”, sorri. E assim desce do táxi onde concedeu esta entrevista para entrar no aeroporto com destino ao Rio — o único “encaixe” que a reportagem conseguiu na apertada agenda do presidente da autarquia em sua visita a São Paulo. A sua corrida contra o tempo — que termina com o fim do mandato, em junho de 2007 — já começou.


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