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Elas nos conselhos
Europa discute a diversidade de gênero no board e pesquisa indica que, no Brasil, existe uma mulher para cada 11 conselheiros

 

ed36_p036-039_pag_3_img_001Mais da metade das 150 empresas de maior valor de mercado da Bovespa têm mulheres no conselho de administração, mas elas representam apenas 8,5% do total de membros do board. Com isso, o número de conselheiros homens (1.315) supera em mais de dez vezes a quantidade de mulheres com a mesma função (122), incluindo titulares e suplentes. As conselheiras independentes são minoria, uma vez que boa parte delas pertence às famílias controladoras.

Estas são algumas das constatações do levantamento feito pela Capital Aberto sobre a presença do sexo feminino nos conselhos de grandes companhias no Brasil. O assunto ganha espaço no cenário mundial, por conta da recente decisão da Espanha de estipular, por meio do novo Código Conthe de governança corporativa, uma cota de mulheres nos conselhos. O mesmo já acontece na Noruega, onde elas têm direito a 40% do board. Mas quais seriam, afinal, os benefícios de se pro mover a diversidade de gênero no órgão que dá as diretrizes da companhia?

O sexo é a diferença básica que distingue seres humanos: surge antes de se saber se alguém vai pertencer a determinada religião, se tem a combinação genética que caracteriza uma etnia ou se estará nas classes A, B, C ou D de consumo. Portanto, ao optar pela presença dos diferentes gêneros no conselho, países como a Espanha e a Noruega trilham um caminho natural, reservando lugar a um conceito de diversidade — o mais preliminar — entre tantos outros que incluem classe econômica, etnia, religião, idade, opção sexual, deficiência etc. Uma participação equilibrada de mulheres e homens nos processos de tomada de decisão pode fazer surgir diferentes idéias, valores e estilos de comportamento, uma vez que os papéis sociais atribuídos a elas, desde a infância, contribuem para uma experiência de vida diversa daquela observada entre os homens. Também é bom lembrar que, sendo as mulheres metade da humanidade, são elas também portadoras de metade dos talentos e capacidades disponíveis — isso sem falar da influência que exercem sobre as decisões de consumo de toda a família. Sendo assim, seria democrático, ou até mesmo inteligente, mantê-las distantes do poder?

“Com o Código Conthe, as empresas querem demonstrar atitude no momento de recrutar conselheiros, em sintonia com as melhores práticas de governança”, diz Alexandre Di Miceli da Silveira, pesquisador- chefe do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) e professor de finanças da Universidade de São Paulo (USP). Na opinião do acadêmico, ao ser composto por pessoas do mesmo sexo, com idade, formação e origem semelhantes, o conselho corre o risco de se tornar míope em relação a alguns aspectos, que podem se mostrar relevantes com o passar do tempo, comprometendo até mesmo a sustentabilidade da empresa. Não é difícil encontrar no mundo corporativo casos de erros memoráveis provocados pela falta de atenção a comportamentos e demandas da sociedade. Se em 1990, por exemplo, quando o Unicef promoveu o Encontro Mundial de Cúpula pela Criança, em Nova York (EUA), o board da Nike tivesse se mostrado sensível ao interesse público sobre a condição social de meninos e meninas ao redor do mundo, o escândalo que atingiu a companhia em 1997, com a descoberta de contratação de mão-deobra infantil por parte dos seus fornecedores asiáticos, talvez nem tivesse existido.

“O conselho gasta muito tempo com a avaliação do desempenho dos principais executivos e da gestão dos investimentos”, diz Miceli. O IBGC defende que o órgão seja menos fiscalizador e controlador, para assumir um papel cada vez mais estratégico, propondo novas abordagens que agreguem valor ao negócio no médio e longo prazo. Daí a importância da diversidade na composição, começando pela presença de mulheres, preocupação que tem estado na pauta da governança mundial.

Pesquisa recente promovida pela consultoria de headhunting Egon Zehnder International, a pedido da organização European Professional Women’s Network, identificou que, em 2005, as conselheiras representavam 8,5% dos membros do board das principais companhias européias. O percentual está ligeiramente acima do verificado em 2004, quando ocupavam 8% dos assentos — e em linha com o observado hoje no Brasil. Segundo o levantamento, o espaço ocupado pelo sexo feminino no topo das empresas se mostra estagnado, com exceção da Escandinávia, que já tem os mais altos índices do continente e mantém essa participação crescente.

Para o sócio-diretor da Egon Zehnder no Brasil, Edílson Câmara, a pesquisa indica que a presença de mulheres nos conselhos decorre de uma questão cultural. “A participação delas no board dos países escandinavos — Noruega, Suécia, Finlândia e Dinamarca — é de 22,5%, em média, contra 8,6% do grupo de países que engloba Reino Unido, Irlanda, Alemanha, França, Áustria e Holanda”, diz o executivo. São índices bastante distintos para países com o mesmo nível de desenvolvimento, mas a independência da mulher é mais reconhecida nos escandinavos. No Brasil, Câmara acredita que os conselhos têm muito a evoluir, não só em relação a gênero. “Antes disso, é preciso garantir a independência dos membros, uma vez que na composição do board ainda prevalece a indicação do grupo de controle”, diz. Em um ambiente desses, afirma, a diversidade fica ainda mais comprometida.

Robert Wong, sócio da Partnership & Learning, consultoria especializada em educação corporativa, concorda. “Quem responde pela formação dos conselhos são homens, e eles acabam convidando outros homens para ocupar assentos no board. É um movimento circular”, comenta Wong, ex-headhunter da Korn Ferry, que hoje integra o conselho mundial da consultoria.

Não se trata, porém, de uma preferência declarada: existe uma rede de relacionamentos no alto escalão do mundo corporativo que acaba determinando essas indicações. Conseguir entrar neste “circuito” é o grande desafio, explica a consultora Luciana Sarkozy, sócia da Career Center. “Antes de chegar ao conselho, a mulher precisa traçar uma trajetória muito bem sucedida na diretoria das organizações, o que envolve intensa dedicação ao trabalho e ao networking, algo que na maioria das vezes não pode ser conciliado com a vida pessoal”, afirma. A atuação como conselheira independente poderia ser a solução perfeita para a equação família versus tra balho — afinal, as reuniões costumam se restringir a uma por trimestre. Mas o preço que se paga para atingir este patamar é bem alto.

UMA ESCOLHA NO CAMINHO — É o caso de uma diretora do setor de cosméticos que, para galgar a vice-presidência, precisava se mudar de São Paulo para outro Estado, onde ficava a sede da empresa. O marido ficou na capital paulista com a única filha, de 10 anos. Nem todas as executivas teriam a mesma atitude. Na época, ela até sentiu certa recriminação, dentro e fora de casa, por sua escolha. Um homem que enfrentasse a mesma situação dificilmente sentiria o mesmo.

Momentos como esse ilustram o que a psicóloga organizacional Betania Tanure de Barros, professora da Fundação Dom Cabral (FDC), voltada à educação executiva, chama de “teto de vidro”. Estudo realizado pela especialista em 2001 revelou que 55% das mulheres sofrem preconceito velado nas organizações: depois de atingir certa posição na companhia, em geral em nível de gerência, dificilmente são alçadas a novos postos. “A empresa desconfia se elas são capazes de assumir mais responsabilidades”, diz a especialista, que atualizou o levantamento. Nos últimos quatro anos, a oferta de oportunidades aumentou um pouco, mas permanece a percepção de ter que ser mais competente que o homem para ocupar o mesmo lugar. O resultado não é bom para a saúde. “O acúmulo de funções em casa e no trabalho tem causado a elas um elevado nível de estresse”, diz Betania. Segundo a especialista, a preocupação com a qualidade de vida vem aumentando na mesma proporção que a demanda de trabalho, e muitas decidem desacelerar a carreira.

Foi o que aconteceu com Maria Silvia Bastos Marques, 49 anos, que em 2002 deixou a presidência da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) dizendo sentir inveja das mães que buscavam os filhos na escola. Cinco meses depois voltou ao batente, associando- se aos donos do banco CR2 para criar a consultoria MS&CR2, onde está até hoje. Encontrou espaço na agenda para assumir assento nos conselhos da Arcelor, Embratel, Pão de Açúcar e Souza Cruz, mas ainda considera um desafio conciliar trabalho e vida pessoal. “A participação de mulheres em boards e em cargos executivos tende a crescer, e isso reflete uma postura de maior comprometimento delas com a carreira, buscando sempre conciliar o trabalho com a vida pessoal, e não mais interrompê-lo”, diz com conhecimento de causa Maria Silvia, que já foi apontada como uma das maiores executivas do País.

Cláudia Costin, 49 anos, conselheira da Companhia Energética de São Paulo (Cesp) e da Dasa, também acredita que a ascensão das mulheres aos conselhos é uma questão de tempo. “Elas já são maioria entre os graduados e os estudantes de mestrado e doutorado”, diz a executiva, que é vice-presidente da Fundação Victor Civita, do Grupo Abril. Claudia acredita, no entanto, que muitos talentos ainda são desperdiçados por conta de barreiras culturais. “Mas o saber não é monopólio de nenhum grupo”, diz a especialista em políticas públicas, que tem no currículo, entre outras experiências, o cargo de titular do Ministério da Administração Federal (governo Fernando Henrique), a presidência da Promon Intelligens e a diretoria do Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro).

Para promover a diversidade, a consultora de moda Glória Kalil, 62 anos, acredita que mais companhias deveriam tomar a iniciativa da Renner, onde ela é conselheira há um ano e meio: levar para o board especialistas no negócio. “Isso é bastante moderno e mostra o quanto a empresa espera que exista pertinência entre suas diretrizes e a operação”, diz ela, que durante 15 anos dirigiu a Fiorucci, marca italiana de moda jovem. Mas lidar com a diversidade não é algo exatamente fácil, pelo menos do lado do “incluído”. Segundo Glória, os demais conselheiros da Renner se atêm à discussão dos números e menos ao negócio em si. “Preciso sempre me lembrar que não estou ali como executiva”, diz ela, ressaltando, no entanto, que nunca lhe faltou espaço para colocar seus pontos de vista. “Felizmente, agora terei um interlocutor para assuntos de varejo”, brinca, referindo-se a Miguel Krigsner, 56 anos, presidente do O Boticário, eleito para assumir um lugar no conselho.

NÃO ÀS COTAS — Curioso é que, diferentemente dos homens, nenhuma das entrevistadas encara o exemplo europeu de adoção de cotas como a melhor iniciativa para ampliar a participação de mulheres nos conselhos. No entanto, a principal idéia que sustenta políticas afirmativas em torno da diversidade é a de garantir igualdade de condições a partir de realidades distintas. A mulher tem os mesmos direitos de ascensão na carreira que o sexo oposto, podendo atingir o conselho de administração. Mas se a sociedade — e ela mesma — a vê como única provedora da educação dos filhos e do equilíbrio da relação familiar, as condições não são iguais: ela sempre vai se sentir cobrada por não desempenhar suficientemente bem um ou outro papel.

Todas essas concepções vêm enfrentando mudanças nas últimas décadas e este século acena com a busca da diversidade — que, oportunamente, está nas manchetes dos principais jornais brasileiros em razão da discussão sobre cotas raciais e sociais. Voltando às mulheres, vale destacar que esta reportagem está sendo lida por 87% de homens e 13% de mulheres (a divisão atual do público leitor da Capital Aberto).


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