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Quem vai fiscalizar?
Mercado diverge sobre a importância de se ter o conselho fiscal nas companhias de controle pulverizado

 

No momento em que um número crescente de empresas brasileiras opta pela pulverização do capital, vale uma paradinha para reflexão sobre um tema que ganha especial importância neste cenário: a fiscalização. Não aquela fiscalização do acionista minoritário que morre de medo de o controlador passar-lhe a perna, já velha conhecida do mercado, mas uma outra menos voltada ao dono da companhia e mais aos seus diretores e conselheiros de administração. Afinal, se os donos, neste caso, são inúmeros acionistas espalhados pelo mundo, é preciso que se tenha uma estrutura para garantir que os executivos atuantes em loco estejam trabalhando de acordo para entregar os resultados esperados, certo?

Sim, até aí todos concordam. A dúvida é quem deve executar essa tarefa. Que tal o conselho fiscal?, perguntamos a vários especialistas em governança. Como o próprio nome diz, não seria ele o mais apropriado para esta missão? A respostas, contudo, não foram tão diretas, e nem estavam alinhadas. Por enquanto, parece não haver consenso no mercado sobre qual deve ser o papel do conselho fiscal nas empresas de controle pulverizado.

As divergências estão centradas em basicamente duas questões. A primeira, se neste tipo de companhia é mais eficiente manter o conselho fiscal ou substituí-lo definitivamente por um comitê de auditoria. E, depois, se o conselho fiscal deve ou não funcionar de modo permanente.

“Tanto nas empresas de capital pulverizado quanto nas que possuem um controlador, o acionista tem o direito de pedir a instalação do conselho fiscal quando sentir que o desempenho da companhia não está sendo bom ou que as práticas não são transparentes o suficiente”, diz Luiz Leonardo Cantidiano, sócio da Motta Fernandes Rocha Advogados, ex-presidente da CVM. Até 1976, explica Cantidiano, o conselho fiscal era obrigatório, mas os seus membros nunca se reuniam, tendo o compromisso apenas de emitir um parecer de três em três meses. Com a aprovação da Lei 6.404, naquele ano, essa situação mudou e o conselho só passou a ser instalado quando há demanda por parte dos acionistas. “E realmente a sua convocação só faz sentido quando há um motivo que a justifique, não há porque ser permanente”, diz o ex-presidente da CVM.

Na interpretação do presidente do IBGC, José Guimarães Monforte, a existência de um conselho fiscal nas empresas com controlador sempre foi valorizada pelos acionistas minoritários e os fundos de pensão, como forma de garantir a transparência das operações. “Mas a verdade é que boa parte das ações do conselho fiscal acaba repetindo as do conselho de administração e, apesar da orientação do IBGC para que os dois conselhos trabalhem de maneira conjunta, isso nem sempre acontece”, diz Monforte. Se existe um comitê de auditoria na empresa, não faz sentido, na opinião do executivo, manter também um conselho fiscal, uma vez que as suas demandas junto com aquelas do conselho de administração podem comprometer a eficiência da equipe de gestores no comando. Composto por membros do conselho de administração com experiência em finanças, o comitê de auditoria tem o papel de supervisionar o relacionamento da empresa com o auditor e os seus controles internos.

“O comitê de auditoria tem condições de trabalhar de forma muito mais eficaz por estar integrado ao conselho de administração, que têm entre as suas atribuições não só a definição dos rumos da companhia, mas também o monitoramento da gestão”, afirma Monforte. Para que essa tarefa se concretize, no entanto, o presidente do IBGC ressalta a necessidade de ter um conselho de administração independente. “Caso contrário, as boas práticas de governança ficam comprometidas”, diz.

Na Totvs, uma das novatas que já desembarcaram na bolsa de valores com o controle pulverizado, o conselho de administração é formado por cinco membros, sendo quatro independentes. No entanto, justamente o presidente do conselho de administração é o mesmo presidente executivo — no caso, o fundador, Laércio Cosentino. “Tendo em vista a representatividade de Cosentino no setor, a empresa considera que a sua presença no comando executivo é essencial para garantir a competitividade da companhia no mercado”, afirma o vice-presidente de Relações com Investidores da Totvs, José Rogério Luiz, que não vê incompatibilidade no fato de o fundador ocupar os dois principais cargos de comando. “Nenhum dos outros quatro conselheiros da Totvs é influenciável e pode discordar das opiniões do presidente”, comenta o executivo, a respeito dos conselheiros Marília Rocca (fundadora do Instituto Empreender Endeavor), Patrice Etlin (sócio da Advent International Corporation, exacionista da Totvs), Hélio Villarim dos Santos (ligado ao BNDES, um dos acionistas) e Pedro Luiz Passos (co-presidente do conselho da Natura).

Dois membros do conselho de administração da Totvs vão compor o conselho fiscal, que está em fase de implantação e deverá estar constituído até o final do ano, segundo Luiz. “No momento, estamos selecionando o terceiro e último conselheiro, que virá de fora e, preferencialmente, terá experiência na área contábil”, afirma o executivo. Mas não há conflito de interesses no fato de os conselhos fiscal e de administração serem formados pelos mesmos membros? Na opinião de Luiz, é importante não “travar” a atividade da empresa com procedimentos burocráticos. “O setor em que atuamos tem uma dinâmica intensa e não podemos perder tempo”, diz. “No conselho fiscal, teremos dois membros independentes do conselho de administração e mais alguém novo trabalhando de maneira conjunta com o comitê de auditoria, que já está formado”, afirma. Ao final de cada trimestre, os dois grupos irão submeter ao conselho de administração a verificação dos números da empresa.

CONSELHO VERSUS COMITÊ — Na Renner, o conselho fiscal foi escolhido na última assembléia geral, em março, mesmo sem ter representatividade suficiente de acionistas. “A empresa deu uma mostra de sua boa governança ao instalar o conselho fiscal a pedido de um grupo de acionistas que detinha apenas 2,26% do capital social — e não 10%, como diz a lei”, afirma o diretor administrativo e de Relações com Investidores da Renner, José Carlos Hruby. De acordo com a Instrução CVM 324/00, em companhias com capital social superior a R$ 150 milhões a instalação do conselho fiscal pode ser pedida por acionistas que tenham, no mínimo, 2% das ações com voto — mas a indicação dos seus membros só é permitida para aqueles que têm, pelo menos, 10%. No final das contas, o próprio conselho de administração da Renner indicou os membros para o conselho fiscal, uma vez que os acionistas não tinham nomes para eleger. “A chapa foi apenas ratificada pelos acionistas presentes”, afirma o executivo.

Hruby destaca, porém, que dos seis membros do conselho de administração, cinco são independentes. “Outra prova de que a companhia segue de maneira séria as normas de boa governança é o fato de o presidente do conselho de administração ser distinto do presidente executivo”, diz o diretor de RI, referindo-se, respectivamente, a Francisco Gros e José Galló. Agora, segundo Hruby, o presidente do conselho planeja consultar os acionistas sobre a possibilidade de substituir o conselho fiscal por um comitê de auditoria.

Na opinião de Haroldo Levy, presidente da Apimec São Paulo, o melhor mesmo seria manter as duas instituições bem separadas. Isso porque enquanto o comitê de auditoria tem a função de avaliar os riscos da empresa, o conselho fiscal precisa acompanhar as atividades dos gestores, principalmente sob o ponto de vista contábil. Para Levy, são poucas as empresas que utilizam de maneira plena o conselho fiscal, que, em sua visão, ganha papel fundamental em companhias de capital pulverizado, nas quais os gestores estarão imbuídos de poder extra, com capacidade bem maior de persuasão. “Do ponto de vista do investidor, é bem melhor que o conselho fiscal seja permanente e independente”, afirma Levy, que acredita que a percepção sobre a função do conselho fiscal vem evoluindo. “O problema é que muitas empresas ainda não têm o órgão, e naquelas onde ele está instalado, não o é de forma permanente”, diz.

“O comitê de auditoria tem condições de trabalhar de forma muito mais eficaz por estar integrado ao conselho de administração”

O presidente da Apimec-SP reconhece, no entanto, a dificuldade de encontrar os conselheiros certos. “Não é só se reunir para ver demonstrativos financeiros uma vez por ano, mas sim averiguar se diretrizes da empresa estão sendo cumpridas”, afirma Levy. Além disso, especificamente nas companhias de controle difuso, há todo o processo de votação para escolha dos membros e pedido de instalação do conselho fiscal, que também precisa ser aprimorado. “É difícil trazer os acionistas para participar das assembléias, mas precisamos pensar em alternativas, como a votação por correio ou pela internet, como nos EUA”, diz.

PROBLEMAS DE QUÓRUM — Em empresas de controle disperso, a questão da baixa participação em assembléias e das dificuldades dos acionistas para somar forças torna-se ainda mais relevante. E se repete quando o assunto é instituir o conselho fiscal. “Defendo junto à Bovespa que o conselho fiscal permanente seja instituído como regra de governança porque, pelo menos assim, não há toda uma dor de cabeça para pedir a sua instalação”, afirma Renato Chaves, diretor de participações da Previ. Um percentual menor que os atuais 10% para indicar o conselheiro também é uma das idéias propostas por ele. “Fica muito difícil mobilizar acionistas suficientes para eleger um membro nas empresas pulverizadas”, diz.

Quanto ao argumento, defendido pelo presidente do IBGC, de que o conselho de administração, sendo independente, também tem a função de fiscalizar os membros da diretoria, Chaves concorda. Mas argumenta que este órgão volta-se mais para aspectos técnicos, como o cumprimento da estratégia da empresa. “Já o conselho fiscal tem o papel de fiscalizar os procedimentos contábeis, uma vez que o administrador pode até cumprir as metas da companhia, mas de uma maneira não recomendada”, afirma. “A série de escândalos contábeis nos conglomerados norteamericanos já nos mostrou o quanto isso pode ser perigoso”, diz. Resta saber se as “corporations” brasileiras estão preparadas para escapar desses “perigos”.


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