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No comando do dinheiro alheio
Profissional de gestão de recursos enfrenta o desafio de multiplicar a poupança de sua clientela em meio a taxas de juros mais baixas

 

Eram 22h de uma terça-feira quando Luciane Ribeiro, 43 anos, diretora executiva da ABN Amro Asset Management, concedeu esta entrevista. Depois de passar mais de 12h na administradora de recursos que comanda há três meses, ela só teve tempo de chegar em casa e jantar rapidamente com o marido, sentindo uma pontinha de culpa por não ter encontrado o filho, Paulo Guilherme, de cinco anos, acordado. Luciane não se ilude: a sua rotina, que nunca foi tranqüila, não será muito diferente nos próximos meses. E existem duas boas razões para isso: primeiro, o desafio de se familiarizar com a dinâmica da nova empresa, onde ela responde pela administração de R$ 35 bilhões em investimentos; segundo, pelo nível de desempenho que está sendo cobrado atualmente de toda a categoria de gestores.

Diante da queda nas taxas de juros internas, que nunca foram tão baixas desde 1994, segundo o Banco Central, os responsáveis pela administração do capital de terceiros têm a árdua missão de encontrar caminhos criativos e, ao mesmo tempo, atrativos para todo o tipo de risco a que os clientes queiram se expor. Sinal de competição redobrada no horizonte, o que pode significar menos tempo livre e mais finais de semana casados com o escritório.

“Não existe milagre: sem dedicação, não se chega a lugar algum”, diz Luciane, que antes do ABN trilhou uma carreira de 20 anos no Banco Safra, onde chegou a administrar, pessoalmente, as fortunas dos irmãos José e Moisés Safra, donos do banco, considerados os homens mais ricos do País. Na visão da executiva, há um movimento na indústria de “asset management” que vem exigindo do gestor uma postura mais ativa de conquista de resultados em outros mercados além daqueles atrelados aos juros domésticos. “É o momento de oferecer produtos mais sofisticados. A expertise do gestor está sendo testada”, afirma Luciane.

Ettore Marchett, sócio e gestor de fundos de multimercados da Hedging-Griffo, concorda. “É cada vez mais desafiador para o gestor trabalhar em um ambiente de juros em queda”, diz o executivo, que também é membro da Comissão de Renda Fixa da Associação Nacional dos Bancos de Investimento (Anbid). “Vem sendo demandado um estilo de gestão muito mais dinâmico, que acompanhe a mudança de cultura por parte do investidor, agora mais acostumado à busca de resultados de longo prazo”, afirma Marchett.

A avaliação do gestor, por sua vez, segue em sintonia com a performance dos produtos que ele coloca no mercado, lembra o headhunter Ademar Couto, diretor da área financeira da Ray & Berndtson. “Se o caminho que ele escolhe é o de maior rentabilidade, seu nome certamente ficará associado ao de uma boa gestão, o que irá conseqüentemente alavancar a sua carreira; caso contrário, ele não terá muitas outras chances de mostrar que tem potencial”, afirma Couto, que, antes de se tornar um caçador de talentos, acumulou 21 anos de experiência na área de finanças, em instituições como Chase e Lloyds. Segundo o profissional, o mercado não costuma conceder a terceira chance — ou seja, uma ou duas escolhas equivocadas podem “queimar” a carreira do executivo na gestão de fundos. “É como se ele tivesse sempre uma espada sobre a sua cabeça: não há espaço para errar e, se ele não se mostrar muito bom, em dois anos estará fora do mercado”, afirma Couto.

PRÉ-REQUISITOS — Diante de uma pressão como essa, o que se exige deste profissional, antes de mais nada, é sangue frio. Saber manter o controle da situação mesmo quando tudo parece estar perdido pode ser um grande trunfo. Foi o que aconteceu com Sidney Chameh, diretor da Decisão Gestão Financeira (DGF), quando em 2004 o mercado viveu uma fase de intensa turbulência na expectativa da mudança da política de juros dos Estados Unidos. “São momentos como estes que separam os homens dos meninos”, diz Chameh, que abriu a sua gestora independente de recursos em 2001. “E nós sobrevivemos”, afirma.

Para garantir a própria existência, diz Renato Killinger, headhunter da divisão de banking atacado da Michael Page, é fundamental para o gestor estar antenado com os acontecimentos, a todo o tempo. “É preciso ficar atento aos cenários econômico e político, local e internacional, porque se espera deste profissional cada vez mais o papel de ‘adviser’ (conselheiro) dos investidores”, afirma. Inclusive, lembra o headhunter, os clientes hoje em dia estão muito bem informados sobre o mercado financeiro, o que faz aumentar as cobranças envolvendo as decisões da administradora.

Outro predicado do gestor é conhecer bem os novos produtos disponíveis para dar o melhor destino ao volume de investimentos, que vem se mostrando crescente. Segundo a Anbid, em maio eram quase R$ 800 bilhões em recursos de terceiros administrados. “O profissional não pode ser ansioso a ponto de captar os recursos e não saber ao certo onde alocá-los”, diz Couto, da Ray & Berndtson. “A falta de uma opção adequada pode fazer com que ele perca a captação ou a rentabilidade”, reforça Killinger, para quem um perfil imediatista não ajuda em nada. “Adotar uma visão de longo prazo é importante para que a escolha da operação não gere riscos desnecessários ao cliente ou meste, mo à instituição em que o gestor trabalha”, diz o headhunter da Michael Page.

Em uma indústria onde credibilidade é condição sine qua non para conquistar espaço, qualquer fator que pese sobre a reputação do gestor costuma ser levado em conta. “Está ficando mais comum no Brasil o costume dos norte-americanos de associar o fundo diretamente à figura do gestor”, diz Luciane. “Lá fora, o nome do administrador chega a ter mais peso do que a própria bandeira”, afirma a executiva do ABN. É por isso, segundo Couto, que um caminho natural para muitos gestores de fundos é abrir a própria asset (ver quadro abaixo). “Mas isso só acontece quando o profissional é capaz de formar uma clientela que confia nele”, afirma o diretor da Ray.

Segundo headhunters, a remuneração do profissional fica na faixa dos R$ 17 mil aos R$ 33 mil mensais, incluindo salário fixo e variável (este último depende do desempenho do fundo). O aspirante a gestor pode começar como trainee em grandes bancos ou em corretoras de valores. Não há predileção por uma formação superior em especial, embora os administradores, engenheiros e economistas sejam sempre mais indicados. O importante é ser um “generalista”, acumular experiências em diferentes áreas, como mesa de operações, e entender como funcionam câmbio, juros, mercados de capitais, de derivativos e futuro. “Sendo ágil e inteligente, este profissional pode alcançar o comando da equipe dentro de cinco anos”, afirma Couto. A faixa etária é realmente jovem — gira entre 30 e 40 anos, dizem os headhunters, que atestam o aumento da procura por profissionais da área nos últimos meses. “Desde o final do ano passado, temos sentido uma movimentação por parte de assets e corretoras ligadas a grandes bancos”, afirma Killinger, da Michael Page.

A própria contratação de Luciane, em abril, para comandar a gestora de recursos do ABN é uma prova da agitação do setor. Para ela, que começou como estagiária do BankBoston, quando ainda era estudante de Economia, um bom gestor deve também prestar atenção à sua intuição. “Eu acredito na minha e procuro segui-la”, diz Luciane, que se valeu dos seus “insights” para construir a carreira de duas décadas no Safra, galgando postos da mesa de operações até a diretoria estatutária, em um meio que se mostra tradicionalmente machista. “Mesmo no comando, você está sempre sendo testada e cobrada pela própria equipe”, diz ela. “Para ser líder, é preciso conquistar a confiança das pessoas, mas essa tarefa exige tempo, paciência e até certa dose de psicologia. O ser humano é muito complexo.”

Vôo solo é opção, mas custa caro

Mesmo contando com uma porção de investidores que acreditavam no seu trabalho, a decisão de alçar vôo solo com a própria gestora de recursos não foi fácil para Sidney Chameh, diretor da DGF. Em 1998 — quando já trazia Sudameris, Multiplick e Crefisul no currículo —, ele gerenciava uma equipe de 14 pessoas na área de análise de investimentos da FAR, a gestora de recursos do Fator. Simultaneamente, foi convocado para formar um fundo de venture capital, o primeiro a ser administrado pelo banco e também o número um da sua carreira. Gostou tanto da experiência de investir em empresas emergentes, a maioria de tecnologia, que não quis fazer outra coisa. “O caminho para o mercado de participações ficou claro na minha cabeça: se eu tinha habilidade para analisar projetos, por que não me dedicar a projetos iniciantes, de empresas que eu pudesse ajudar a crescer?”, lembra.A partir daí, só foi colocar a mão na massa. “Era preciso montar a empresa e, ao mesmo tempo, captar recursos, o que exigiu fôlego”, diz ele. Para este empresário de 43 anos, que desde os 20 atua no mercado financeiro, o desafio agora é consolidar a empresa, ao lado dos três sócios. “Estamos preparando para este semestre o lançamento do nosso segundo fundo, que está em fase de finalização”, diz Chameh. Atualmente, a DGF responde pela administração de R$ 80 milhões.

O caminho de Chameh é parecido com aquele trilhado pelos inúmeros gestores de recursos que decidiram montar o próprio negócio nos últimos anos — uma alternativa que muito provavelmente atrairá quem decidir seguir carreira neste ramo. O custo, contudo, não é baixo. A rotina de 12 horas diárias de segunda a sexta por vezes se estende pelo fim de semana, quando não raro se corre o risco de ser acordado por um cliente em pleno sábado de manhã. Há também a questão da remuneração, que não é impreterivelmente garantida como na época em que se era empregado. “Os bônus são menores”, conta Chameh. Com um crachá pendurado ou por conta própria, o candidato a uma vaga de asset manager está certamente diante de um espaço promissor a ser conquistado. Só precisará torcer para que as taxas de juros no Brasil continuem baixando.


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