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Caixa preta para o acionista
Companhias ainda devem transparência sobre suas práticas de doações a políticos em campanhas eleitorais

ed34_p010-014_pag_3_img_001Em pleno ano eleitoral, é legítimo que os investidores tenham interesse em conhecer a política de doação para campanha das empresas em que aplicam seus recursos. Nada mais natural que eles queiram saber se haverá doação, quais serão os valores envolvidos e os critérios utilizados. Para ajudá-los a obter essa informação, a Capital Aberto partiu de uma amostra das companhias que possuem as melhores práticas de governança corporativa (Nível 2 e Novo Mercado da Bovespa) — justamente porque essas teriam, ao menos teoricamente, mais disposição para prestar contas — e pediu entrevistas sobre o assunto.

As tentativas, contudo, não foram plenamente bem-sucedidas. Com base nas informações do site do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), apuramos que 13 das 37 companhias pertencentes ao Nível 2 e ao Novo Mercado realizaram doações durante as eleições majoritárias de 2002 (veja tabela na página 24). Destas, porém, apenas quatro — Company, Grendene, Porto Seguro e Renar — destacaram portavozes para atender a reportagem na busca de informações sobre a prática das doações. Outras seis — Tractebel, Gafisa, Localiza, Nossa Caixa, Cosan e Cyrela (que em maio cumpria a “Lei do Silêncio” devido à sua oferta pública de ações) — enviaram alguma resposta à questão por meio de suas assessorias de imprensa. As demais se recusaram a falar ou alegaram ausência de um porta-voz qualificado para tratar do tema.

Entre as empresas que se manifestaram, quatro disseram que a iniciativa havia sido tomada antes da entrada no Novo Mercado — o que aconteceu em fevereiro para a Gafisa, em novembro do ano passado, para, a Tractebel Energia, em novembro de 2005 para a Cosan e em outubro de 2004 para a Grendene. Nestes casos, as companhias sugeriram que as razões e os critérios levados em conta à época não mereceriam ser comentados.

“Em 2002, éramos uma empresa privada cujo posicionamento refletia uma decisão do grupo controlador, dentro de toda a transparência e legitimidade previstas no processo do TSE”, disse Marcus Peixoto, diretor financeiro e de Relações com Investidores da Grendene. “Em relação à eleição de 2006, ainda não temos nenhuma definição, uma vez que qualquer decisão deverá ser encaminhada para deliberação do conselho”, afirmou. O presidente da Tractebel, Manoel Zaroni Torres, informou por meio de assessoria de imprensa que o assunto seria levado ao conselho de administração no início de junho. A Cosan disse em nota que não tinha perspectivas de doações para este ano, mas que iria adotar uma política clara caso isso viesse a se consolidar.

O grupo de empresas analisado nessa reportagem doou R$ 9 milhões a candidatos em 2002. Nele estão incluídas — além das 13 companhias do Nível 2 e do Novo Mercado — uma do Nível 1, a Suzano Papel e Celulose, que realizou a doação mais expressiva dessa lista: R$ 3,14 milhões, para 55 candidatos diferentes. Consultada a respeito, a companhia não atendeu à entrevista devido à ausência de um porta-voz.

No grupo de empresas consultadas aparece um valor estranho, de módicos R$ 2,78, doado pela Nossa Caixa a um candidato a deputado federal em São Paulo. Consultada, a assessoria de imprensa do banco afirmou em nota que “a Nossa Caixa não doa, nunca doou e não doará nenhum centavo para campanhas eleitorais.” Como seu controle acionário é estatal, a Nossa Caixa é proibida por lei de fazer qualquer doação, ainda que seja de um valor irrisório como este indicado no site do TSE.

PROMESSA É NÃO DOAR — A julgar pelas respostas de quem atendeu a revista, os recentes escândalos envolvendo empresas com doações não contabilizadas (mais conhecidas como “caixa 2”) estão afastando as companhias abertas do cenário político. O presidente da Porto Seguro, Jayme Garfinkel, declarou que a companhia não pretende fazer novas doações este ano. Segundo o executivo, o objetivo da empresa com as contribuições de 2002 era fortalecer o processo eleitoral e a democracia. “Acreditamos que se mais pessoas e empresas agissem dessa forma, teríamos menos denúncias como as que vemos hoje na política”, diz Garfinkel. Quanto aos critérios para a escolha dos candidatos, o presidente da Porto informou que a seleção aconteceu de acordo com os princípios éticos da empresa.

A nota enviada pela Localiza deu explicação semelhante. “As doações foram decididas pela direção da empresa a partir do plano de governo e das propostas de ações apresentadas pelos candidatos”. A empresa reforçou que não irá fazer doações este ano, em função de ter um número de acionistas muito grande e, na maioria, formado por estrangeiros.

A Company, que aderiu ao Novo Mercado em março, também não deseja apoiar candidatos políticos em 2006. “Éramos apenas cinco acionistas nas eleições de 2002, hoje somos quatro mil”, disse o diretor de Relações com Investidores, Luiz Rogélio Tolosa. “É como se, em cada obra que eu concluísse, mandasse rezar uma missa: a atitude certamente não agradaria a todos”, comentou. Há quatro anos, segundo ele, a doação foi feita por “convicção política”. “Havia um deputado que faria parte da bancada do setor imobiliário e consideramos importante apoiá-lo”, afirmou Tolosa, que hoje prefere deixar o assunto para as entidades que cuidam dos interesses do setor como um todo, a exemplo da Secovi.

A familiaridade do candidato com o setor de atuação da companhia também foi levada em conta pela Renar Maçãs. “É preciso que ele tenha vínculo com a cidade e a pomicultura, atividade relevante para a nossa economia regional”, disse Ricardo Sampaio Corrêa Filho, diretor administrativo e financeiro da Renar. A exportadora de maçãs decidiu este ano colocar o tema das doações na pauta do seu conselho de administração. “A direção executiva tem suas opiniões mas, por se tratar de uma questão não só financeira, mas também estratégica e de imagem, decidiu levá-la ao órgão máximo de decisão”, contou Corrêa Filho. Segundo ele, pelo fato de a companhia estar sediada em uma pequena cidade de Santa Catarina, Fraiburgo, de 40 mil habitantes, e ter sido fundada pela mesma família que hoje comanda a Renar, é natural que tenha um envolvimento maior com as questões locais. “Participar do processo democrático que influencia a comunidade faz parte do nosso exercício de cidadania”, diz o executivo.

QUANTO MAIS LONGE, MELHOR — A questão, portanto, é como conciliar as doações que têm objetivos considerados relevantes para a companhia e a sociedade com as boas práticas de governança corporativa. Para responder a essa pergunta, chamamos Bengt Hallqvist, conselheiro profissional e fundador do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC). “A empresa não é um ator político; sua função social é ganhar dinheiro para os acionistas”, afirma. “O máximo que uma empresa puder ficar distante da política, melhor.” Segundo Hallqvist, o recomendado é doar um valor mínimo e igual para todos os partidos. “Nos Estados Unidos isso é muito mais simples, porque temos apenas dois partidos — republicanos e democratas — e lá as empresas doam muito.” O conselheiro observou ainda que, no Brasil, por vezes a empresa acaba contribuindo para se livrar da pressão do político. “É como se tivesse que dar esmola”.

Para o IBGC, a doação de campanha é compatível com as regras de boa governança desde que o assunto seja tratado de forma regimentar, com a aprovação do conselho de administração. “De preferência, com um dispositivo no estatuto que indique um teto e os critérios para a doação”, comentou Heloísa Bedicks, secretária-geral do IBGC, admitindo, porém, não conhecer nenhuma empresa que aplique esses princípios atualmente.

Do ponto de vista da regulamentação, é considerada irregular qualquer doação contabilizada de maneira propositadamente equivocada. “Caso doações a campanhas políticas sejam como tal declaradas e contabilizadas, caberá à administração explicar os critérios que justificam o pagamento do ponto de vista do interesse da companhia, pois a lei brasileira (artigo 154 da Lei 6.404/76) veda a prática de atos de liberalidade às custas da empresa”, explicou a Comissão de Valores Mobiliários, em nota. Conforme a lei eleitoral, as contribuições devem se limitar a 2% do faturamento bruto do ano anterior ao da eleição. Caso esse limite seja ultrapassado, a companhia fica proibida durante cinco anos de participar de licitações públicas e de fechar contratos com o governo.

Na opinião do presidente interino da Associação Nacional dos Investidores do Mercado de Capitais (Animec), Gregorio Mancebo Rodriguez, o lobby é uma prática legítima desde que feito de maneira transparente. “Senão vira tráfico de influência, como costumamos ver no Brasil”, afirmou. Ele defende o financiamento público de campanhas políticas e considera uma “aberração” o fato de haver 17 partidos políticos no País, o que inviabiliza uma doação igualitária por parte das empresas. Para a associação, o mais adequado seria que as empresas indicassem explicitamente a doação no balanço anual, dando uma prova da sua transparência.

Para o IBGC, a doação de campanha é compatível com as regras de boa governança, desde que seja aprovada pelo conselho de administração
Se a companhia não presta contas das suas doações políticas, que tipo de credibilidade terá perante seus acionistas?

Mas será que os investidores estão mesmo preocupados com o “disclosure” das companhias neste quesito? Quando surgiu o escândalo envolvendo a Usiminas na doação de recursos não-contabilizados a políticos mineiros, por meio de agências de propaganda do empresário Marcos Valério, as ações da siderúrgica praticamente não foram afetadas. “O efeito negativo da notícia foi minimizado pelo desempenho da empresa no ano passado, que foi muito bom”, afirmou Rodriguez, da Animec. De fato, a Usiminas obteve em 2005 o maior lucro líquido da sua história, de R$ 3,9 bilhões. Questionada sobre o caso, a siderúrgica informou, por meio da sua assessoria de imprensa, que não comentaria o assunto.

Para o presidente do Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social, Ricardo Young, o real impacto sobre os negócios da Usiminas e de outras empresas relacionadas a escândalos políticos só será sentido no médio ou no longo prazo. “Se a companhia não presta contas das suas doações políticas, que tipo de credibilidade terá perante seus acionistas e investidores?”, questionou.

No dia 22 de junho, o Ethos lança o Pacto Empresarial pela Integridade e Contra a Corrupção, que trata, entre outras situações, das doações de campanha. Segundo Young, várias idéias foram debatidas antes da redação final, desde o impedimento total da doação até o financiamento público de campanha. “Mas chegamos à conclusão de que a lei brasileira já é bastante razoável e de que, como são as grandes organizações que respondem pela maioria das doações, a elas deve ser atribuída parte do trabalho de moralização das campanhas.”

Young mostrou-se cético quanto às alegadas tentativas de coerção de políticos contra o setor privado. “Nenhuma empresa é ingênua”, disse. “Se está sendo coagida, muito provavelmente é porque pratica alguma irregularidade fiscal, trabalhista ou tributária que é de conhecimento daquele político. Caso contrário, teria condições de procurar as instâncias responsáveis e fazer a denúncia”, afirmou. Mais uma vez, a ética se coloca entre os maiores anseios da sociedade e de investidores. Junto com ela, a transparência e a prestação de contas claramente previstas nas boas práticas de governança também seriam muito bem vindas.


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