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Proposta polêmica
Projeto de lei em tramitação na Câmara reduz custos de publicação de balanço nos jornais ao permitir versão condensada e uso da internet

 

Uma revolução silenciosa na vida das empresas brasileiras está em curso no Congresso Nacional. Depois de quase seis anos de profunda hibernação, o projeto que moderniza as regras contábeis das sociedades anônimas e tenta dar a elas um padrão internacional finalmente deixou as gavetas da Câmara dos Deputados e começou a engatinhar. Em janeiro, o deputado federal e presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Armando Monteiro Neto (PTB-PE), apresentou sua versão substitutiva do Projeto de Lei 3.741, do qual é relator, atendendo a muitos dos pleitos que estavam em pauta no mercado de capitais nos últimos anos.

Mas o relator não conseguiu agradar a todos. Manteve o ponto mais polêmico do projeto e propôs que as empresas não sejam mais obrigadas a publicar seus balanços financeiros em diários oficiais, como determina a legislação em vigor, com um argumento simples e direto: corte de gastos. “A medida vai aliviar os custos de publicação das empresas. Esse sistema (o de publicações) não pode impor ao conjunto de usuários interessados (empresários) um custo que supere os seus benefícios”, diz Monteiro Neto. A proposta rachou a Comissão de Finanças e Tributação (CFT), na qual o projeto foi exaustivamente discutido.

Sobre os demais pontos da chamada Lei das S.As, no entanto, os parlamentares parecem caminhar de mãos dadas. Se o projeto deixar o Congresso como estava até o fechamento desta edição, o mercado irá testemunhar profundas mudanças como, por exemplo, a obrigatoriedade de as empresas de capital fechado também publicarem suas demonstrações financeiras. O novo texto põe em pé de igualdade as sociedades anônimas e as limitadas: qualquer empresa com ativo superior a R$ 240 milhões ou receita bruta anual acima de R$ 300 milhões ficará obrigada a expor publicamente sua saúde financeira. A estimativa da comissão é de que mais de 500 empresas estejam hoje nesta situação. “Isso vai estimular a concorrência, colocando em igualdade de condições os competidores do mercado”, aposta o presidente da CNI”.

A previsão é que uma versão definitiva do substitutivo saia após o carnaval. Antes de virar lei, contudo, ela ainda terá algumas semanas de tramitação. Passará pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara — que não analisará o mérito, mas apenas os aspectos constitucionais — antes de seguir para o Senado Federal, onde iniciará uma nova rodada de discussões. Segundo seis deputados que participam da comissão ouvidos pela Capital Aberto, este processo deve durar cerca de dois meses.

FIM DO MONOPÓLIO? — Até lá, a previsão é que os debates se concentrem na polêmica sobre a publicação dos balanços contábeis. A legislação em vigor determina que as sociedades anônimas divulguem suas demonstrações financeiras em um órgão oficial (diários oficiais da União, de um Estado ou do Distrito Federal), conforme o local em que esteja situada a sede da companhia, e em um jornal de grande circulação, seguindo também o critério regional. O substitutivo apresentado pelo relator exclui da redação final os diários oficiais, o que gerou um acalorado debate dentro e fora do Congresso. “O substitutivo representa a supressão de um serviço público essencial, que cabe ao Estado fazer. A não publicação de balanços em um órgão oficial cria uma insegurança jurídica. Não haverá mais base para que os acionistas e terceiros interessados possam, por exemplo, fazer reclamações contra administradores”, argumenta o consultor jurídico da Associação Brasileira das Imprensas Oficiais, Modesto Carvalhosa, que acompanha passo a passo o projeto na Câmara.

A entidade que representa os diários oficiais de todo o País tem como principal arma um parecer técnico emitido no último dia 3 de fevereiro pela Casa Civil e assinado pelo assessor especial Pedro Marcelo Dittrich. No documento, ele afirma que a publicação em órgão oficial tem um papel diferente da divulgação em jornais de grande circulação. Segundo Dittrich, o Diário Oficial tem “fé pública”, “possui presunção legal de veracidade” e, por isso, “constitui-se em elemento de prova idôneo e autêntico”. “Com a publicação em órgão oficial ninguém poderá alegar desconhecimento dos atos e negócios realizados pelas sociedades. A dificuldade de acesso às informações trará desconfiança ao mercado, o que certamente acarretará um desincentivo ao mercado de ações e aos investimentos nas demais sociedades”, diz um trecho do laudo técnico.

O parecer do deputado Armando Monteiro também abre uma brecha para que as empresas não sejam obrigadas a publicar os balanços completos nos jornais de grande circulação do Estado em que estejam situadas. Diz o texto que a Comissão de Valores Mobiliários poderá dispensar esse tipo de publicação, desde que as demonstrações financeiras sejam divulgadas “por outro meio”. Apesar de não especificar qual, na discussão em torno do projeto foi mencionada sempre a internet. A publicação condensada do balanço em jornal de grande circulação, contudo, seria obrigatória. O texto também permite que a CVM isente as companhias da obrigação de publicar o balanço em jornal da cidade em que suas ações são negociadas — uma regra hoje prevista em sua Instrução 207.

A medida afetaria boa parte da receita de grandes jornais, especialmente os dedicados à área econômica. Consultada, a Associação Nacional dos Jornais (ANJ) informou que não se pronunciará sobre o assunto até que a tramitação do projeto no Congresso chegue ao fim. A previsão, contudo, é que um acordo em torno desta questão seja concluído em breve. Segundo uma fonte que pediu para não ser identificada, o acordo manteria a publicação em um dos Diários Oficiais (deixando claro que valeria o DO da União ou do Estado), mas de forma condensada. Seriam também mantidos o parágrafo da lei que requer a publicação em jornal da cidade em que a companhia tem sede e a regra da CVM para publicação em periódico da cidade em que as ações são negociadas — ambos na forma condensada.

O deputado Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR) reconhece que a dupla publicação representa hoje um alto custo para as empresas. Mas diz que, se depender dele, os diários oficiais vão continuar sendo obrigatórios. “Se o acionista minoritário não tiver a publicação do balanço no lugar de sempre poderá ficar procurando em um jornal e não achar. Ele sabe que o DO existe, que está lá na biblioteca e que o Estado é perene. O interessado vai lá e olha. A grande massa não tem interesse no DO, mas os que estão no mundo da formalidade têm”, afirma ele. Eduardo Cunha (PMDB-RJ) diz que o objetivo principal do projeto não é reduzir o chamado “custo Brasil”, e sim dar mais transparência à atuação das empresas. Por isso, também defende que os balanços continuem a ser publicados em Diário Oficial.

Entre os agentes do mercado de capitais e contadores, contudo, a idéia do relator foi muito bem recebida. “Os Diários Oficiais têm um verdadeiro monopólio. Eles cobram o que querem”, afirma Alfried Plöger, presidente da Associação Brasileira das Companhias Abertas (Abrasca) e fervoroso defensor do fim da publicação obrigatória no DO há muitos anos. Para Plöger, a solução dada pelo projeto é muito boa, mas ainda não é a ideal. Melhor seria, acredita, se as companhias precisassem publicar apenas uma nota no jornal avisando da disponibilidade dos seus balanços na internet. Mas o projeto da nova lei exige ao menos uma versão condensada do demonstrativo no jornal.

PAPÉIS SEPARADOS — Outra mudança significativa contida no projeto de lei é a distinção clara entre o lucro contábil e o lucro para a apuração do Imposto de Renda, uma antiga reivindicação das empresas brasileiras. O artigo 177, que antes abria espaço para uma separação entre a contabilidade que serve os acionistas e o fisco, agora foi reescrito e deixa essa separação bem mais clara. “Nas atuais circunstâncias, o projeto ficou excelente”, afirma Eliseu Martins, professor da Fipecafi-USP e um dos maiores especialistas em contabilidade do País.

Da forma como estava redigido antes, o artigo abria espaço para que decretos judiciais impedissem a blindagem da contabilidade societária e a utilizassem para efeitos fiscais. Sem essa separação garantida, companhias e contadores preferiram sempre as normas contábeis que servissem também a um planejamento fiscal mais eficiente, e não apenas aos interesses dos investidores. Daqui em diante, se o projeto for aprovado, espera-se que o problema seja resolvido.

Também agradou o artigo que prevê a inclusão da Demonstração do Fluxo de Caixa (DFC) entre os demonstrativos obrigatórios. “Foram 16 anos esperando por essa decisão”, afirma Haroldo Levy, presidente da Associação Nacional dos Profissionais de Investimentos (Apimec), referindo-se ao demonstrativo que já vinha sendo adotado voluntariamente por diversas empresas e há muito é pleiteado por analistas e investidores.

Entre os pontos mais relevantes do substitutivo, contudo, o DFC e a clara separação entre lucro fiscal e contábil foram os únicos que tiveram consenso. De resto, ainda sobram visões dissonantes.

Martins avalia que a abertura deixada na lei para adesão aos padrões internacionais é muito importante, mas ainda não foi a melhor opção. Em sua opinião, o ideal seria seguir o caminho anunciado pela China no final de fevereiro e aderir imediatamente ao padrão conhecido como International Financial Reporting Standards (IFRS). “Poderíamos tratar os pontos não-convergentes como exceções”, afirma. Plöger, ao contrário, acredita que essa opção seria muito perigosa. “A evolução para o padrão internacional acontecerá naturalmente e conforme as empresas tenham segurança”, afirma.

Outro ponto controverso, que gera polêmica desde o início do projeto e ainda não obteve consenso, é o papel do órgão que será o responsável pela emissão de procedimentos contábeis. Sem mais paciência para esperar a reforma na legislação, seis entidades — Abrasca, Ibracon, Apimec, Bovespa, Fipecafi e CFC — chegaram a criar o Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC) e realizaram sua primeira assembléia no dia 21 de fevereiro. Com um caráter eminentemente técnico, o comitê terá uma espécie de “poder moral” para recomendar procedimentos que depois serão ou não acatados pelos órgãos reguladores.

Texto prevê publicação resumida do balanço no Diário Oficial da União ou do Estado e versão integral na internet

Na opinião de Irineu de Mula, membro do CFC, o funcionamento do órgão será essencial para garantir o padrão de qualidade da contabilidade brasileira. Mas, avalia, a versão atual do projeto ainda concentra a decisão final nas mãos de órgãos ligados ao Estado. “Órgãos de governo muitas vezes não têm a independência intelectual suficiente”, avalia. Na sua opinião, a definição das regras contábeis também deveria ser de competência do CFC.

Segundo Marcelo Trindade, presidente da CVM, este modelo não é nada diferente do que se encontra no resto do mundo. “É o mesmo princípio em vigor nos Estados Unidos, por exemplo. A SEC (Securities and Exchange Commission) é que aceita, ou não, os padrões emitidos pelo Fasb”, afirma, referindo-se ao comitê que emite as regras contábeis nos Estados Unidos. A diferença é que, com o tempo, o Fasb conquistou reconhecimento suficiente para nunca ser contestado pela SEC. Mas, em princípio, o poder continua nas mãos do regulador, afirma Trindade.


CORTE PARA A TRANSPARÊNCIA — O segmento de auditoria também não ficou totalmente satisfeito. As firmas reclamam do piso definido para a divulgação obrigatória dos balanços. “Ficou alto demais”, afirma Edson Arisa, presidente do Instituto Brasileiro dos Auditores Independentes (Ibracon). O limite chegou a ser menor na primeira versão do projeto, mas foi ampliado para amenizar os protestos contra a divulgação obrigatória de balanços por empresas limitadas e S.As de capital fechado.

A proposta sempre foi vista por agentes do mercado como um benefício às atuais companhias abertas, que, em muitas situações, têm de abrir os números para investidores sem que seus concorrentes no segmento sejam obrigados a fazer o mesmo. Mas, mesmo neste ponto, existe polêmica. Plöger, da Abrasca, é um crítico da proposta por acreditar que, ao contrário de ajudar, ela resultará em custos adicionais desnecessários para as empresas. “Várias companhias abertas têm subsidiárias para as quais terão que divulgar balanço. Além do mais, as empresas fechadas não precisam disso porque têm muito menos sócios”, afirma. Com ou sem consenso, Armando Monteiro não tem dúvidas de que a nova lei será um divisor de águas na vida das empresas brasileiras. Espera-se que as negociações em andamento realmente o confirmem como tal, e não como um mero remendo.


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