Pesquisar
Close this search box.
Quem viu certo
IPOs recentes revelam diferenças entre as expectativas de investidores nacionais e estrangeiros sobre o preço das ações de companhias brasileiras e lançam a dúvida:não seria a hora de mudar os parâmetros?

 

ed29_p026-030_pag_3_img_001O sucesso da última safra de ofertas públicas iniciais de ações (IPOs) trouxe ganhos expressivos para quem manteve os papéis em carteira. Mas deixou também questões em aberto para os agentes do mercado de capitais, como, por exemplo, as razões para a brutal diferença de avaliação das companhias novatas feita por investidores estrangeiros e brasileiros. Pelo menos por enquanto – a julgar pela boa performance da maioria dessas ações, com altas acumuladas bem superiores às do índice Bovespa –, os estrangeiros parecem estar com a razão. Não seria a hora, então, de os brasileiros reavaliarem a sua postura e os seus parâmetros?

Com poucas variações, a história se repetiu nos IPOs dos últimos dois anos: enquanto os analistas brasileiros levavam em consideração a conjuntura político-econômica e utilizavam em seus cálculos os mesmos múltiplos das empresas listadas na Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa), os estrangeiros faziam análises setoriais e comparações com companhias globais similares, preferindo os fundamentos da economia brasileira ao vaivém do noticiário local. Resultado: o que para muitos investidores brasileiros parecia caro, para os estrangeiros tinha ares de pechincha.

Diante da boa performance das ações das novatas, uma pergunta paira no ar: os estrangeiros estavam certos? Teriam eles considerado fatores importantes, como a governança corporativa, que ainda não foram devidamente incorporados pelas análises locais? Ainda é cedo para uma resposta definitiva, já que estamos falando de resultados no longo prazo. Mas o questionamento martela hoje a cabeça dos gestores de recursos que deixaram de surfar na onda dos IPOs. E pode levar a uma mudança de postura dos investidores locais.

“O interesse dos estrangeiros acabou balizando o preço dos IPOs”, observa Rodolfo Riechert, diretor de mercado de capitais do Banco Pactual. “Agora, os brasileiros estão se rendendo às evidências.” O faed29_p026-030_pag_3_img_002to é que muitos investidores nacionais esnobaram as primeiras ofertas, por considerar os preços fora da realidade. Mais tarde, chegaram a admiti-las como aplicação de curto prazo – já que havia uma oportunidade de revender as ações para os estrangeiros, que continuam vorazes compradores depois dos lançamentos. Somente agora, com o sucesso dos últimos IPOs, passaram a incluir as novas companhias na estratégia de longo prazo.

“No começo, não estávamos interessados”, conta Leivi Abuleac, sócio da GAS Investimentos. O motivo é fácil de entender: ainda hoje, quando aparece uma oferta inicial, a percepção de preço é sempre desfavorável. “Se o olhar for instantâneo, os papéis estão caros, porque há outras oportunidades na Bolsa”, explica Abuleac. No entanto, basta um retrospecto da performance das ações das novas companhias na Bovespa para a aplicação se justificar. “Agora, estamos brigando pelo nosso pedaço. Só que os bancos preferem os estrangeiros”, lamenta ele.


PARTE DO JOGO – A “choradeira” sobre demandas não atendidas na alocação das ações, especialmente depois que o papel dispara, faz parte do jogo – afirmam os coordenadores das operações. Os estrangeiros, de fato, estão ficando com a maior fatia das emissões. No caso das empresas Localiza e Submarino, esse percentual chegou a 87% e 75%, respectivamente. “Ficamos totalmente à mercê dos coordenadores”, reclama Alexandre Póvoa, diretor da Modal Asset Management. “Deveria haver uma regra geral, porque o menor acaba sendo prejudicado.” Póvoa defende que 40% das ações dos IPOs sejam direcionadas ao varejo. “Esse poder sem limites do coordenador e da empresa não ajuda a desenvolver o mercado de capitais”, acrescenta.

A única regra de alocação dos IPOs existe por conta da opção pelos níveis de governança mais elevados da Bovespa, que exigem um percentual de 10% da emissão dirigido a investidores não institucionais. No resto do processo, a lógica é que o emissor pode escolher quem serão seus acionistas, explica Pedro Lanna Ribeiro, sócio do escritório Barbosa, Müssnich & Aragão. A possibilidade de adotar um tratamento diferened29_p026-030_pag_4_img_001ciado, em vez de garantir o acesso a todos os investidores interessados, já era permitida pela Instrução 13 da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), de 1980. A Instrução 400, sua substituta, reforçou ainda mais esse poder, admitindo que sejam levados em conta, na distribuição, os interesses comerciais e estratégicos do emissor. “A única exigência é informar à CVM quem comprou as ações”, diz Lanna.

Os dados sobre a demanda – que tem sido apontada como várias vezes acima da oferta nos últimos IPOs – são informais, já que não precisam ser comprovados oficialmente. Além disso, como muitos candidatos à compra fazem reservas acima das suas reais intenções, contando com a demanda excessiva, dificilmente esses números estariam livres de distorções, reconhecem os coordenadores das operações.

De qualquer forma, uma demanda muito elevada, assim como uma alta excepcional no primeiro dia de negociação do papel, pode sinalizar que houve um problema de precificação das ações da companhia durante o processo de bookbuilding, como é conhecido o mecanismo de formação de preço nas semanas anteriores à emissão. Este processo, bastante complexo, inclui semanas de visitas a potenciais investidores e tem seu clímax nos dias que antecedem a oferta.

Com o amadurecimento do mercado e o sucesso das últimas ofertas, o bookbuilding vem sendo aperfeiçoado pelos coordenadores das operações, conta Bruno Pena, diretor da corretora do Banco UBS. “É possível criar um lote suplementar, dois ou três dias antes da emissão, e até aumentar o preço que estava balizando o mercado, apenas 24 horas antes do lançamento”, diz ele. O objetivo, nesses casos, é evitar que os emissores “deixem dinheiro na mesa”, ou seja, vendam as ações baratas demais. Os dois artifícios foram utilizados nas ofertas iniciais do portal de internet UOL e da empresa sucroalcooleira Cosan, por exemplo.

Pena lembra que, em um IPO, a empresa necessariamente tem que deixar alguma rentabilidade na mesa. É o chamado desconto do IPO. “Numa oferta inicial, o investidor está assumindo um risco e tem que ter um benefício por isso”, defende o diretor de um grande banco. “Se o papel subir 10% ou 12% no primeiro dia, o desconto terá sido razoável”, calcula ele. A volatilidade nos primeiros dias de pregão também é vista com cautela, até que o mercado defina qual seria o “preço justo” dos papéis.


PRECONCEITO? – O pesadelo dos coordenadores dos IPOs são os chamados “flippers”, que desde o pedido de reserva de ações já têm como intenção a venda no primeiro dia de pregão, ou no “primeiro lucro” que aparecer. Os investidores nacionais, por sua vez, reclamam que muitas vezes são confundidos com “flippers” e acabam não tendo suas demandas atendidas. Os bancos negam que exista um preconceito com o investidor nacional ou uma preferência pelo estrangeiro, mas reconhecem a preocupação em avaliar a fundo o perfil do candidato a acionista.

“Temos que analisar a qualidade da demanda, ver a capacidade do investidor de suportar o preço da ação no mercado secundário”, diz Riechert, do Pactual, banco responsável por nove lançamentos nos últimos dois anos. “Isso não é um jogo; tem que ser uma parceria”, assinala. Ele afirma que, como banco nacional, o Pactual tem especial interesse em alocar as ações para os investidores locais, que são os seus clientes. “Mas é verdade que, em alguns casos, os estrangeiros têm uma visão de mais longo prazo”, completa.

“Agora estamos brigando pelo nosso espaço. Só que os bancos preferem os investidores estrangeiros”, diz Abuleac, sócio da GAS
Com o amadurecimento do mercado e o sucesso dos últimos IPOs, o bookbuilding vem sendo aperfeiçoado pelos coordenadores das emissões

“Os investidores estrangeiros têm muito mais bala na agulha”, admite Alan Gandelman, diretor da Ágora Senior. “É natural que consigam uma alocação maior.” Para os brasileiros que começam a mudar de postura, e se interessar pelo longo prazo, a retomada do relacionamento com os coordenadores dos IPOs tornou-se um desafio. Isso porque, na hora de o banco identificar o perfil do investidor, e tentar isolar os “flippers”, é o histórico em outras ofertas que conta. “Estamos sendo cada vez mais atendidos”, festeja Abuleac, da GAS Investimentos. “No início, só conseguíamos 10% do solicitado; agora já recebemos metade das nossas expectativas.”

Para Gandelman, o caminho para os investidores nacionais participarem mais dos IPOs passa pela construção de um relacionamento com os bancos coordenadores das ofertas. Como Póvoa, ele também defende que a parcela destinada aos não-institucionais seja maior, acima dos 10% exigidos pela Bovespa nos níveis de governança corporativa. “As pessoas físicas já representam 30% do mercado. Nas ofertas, elas deveriam ficar com pelo menos 20%, para garantir a pulverização das ações”, diz o diretor da Ágora.

Em tese, os coordenadores e as empresas emissoras também deveriam ter interesse nessa pulverização, assim como na diversificação entre estrangeiros e brasileiros. Mas, na prática, não parece haver um esforço nesse sentido. “O investidor pessoa física não dá trabalho e é bem vindo”, assegura Pena, do UBS. “O problema é que, no varejo, não é possível bloquear os profissionais de mercado, porque a divisão entre pessoas físicas é matemática. No livro de institucionais, podemos cortar quem não interessa.” Ele próprio, porém, conta o caso de um grande fundo que mudou de perfil do primeiro para os últimos IPOs. “Era um fundo reconhecido como ‘flipper’. Tivemos muitas conversas e ele mudou de postura radicalmente.”

Bancos e gestores de recursos não acreditam que a tendência de os estrangeiros dominarem as ofertas iniciais seja revertida tão cedo. Na média, a aposta é que 60% das ações continuem sendo destinadas aos investidores internacionais. Afinal, apesar do aumento do interesse dos brasileiros, o apetite dos estrangeiros parece sem fim. A construção das parcerias locais, no entanto, tem tudo para vingar e tornar-se um relacionamento de longo prazo. Bom para os lucros dos investidores locais, bom para as novas companhias listadas e ótimo para impulsionar o mercado nacional de capitais.


Para continuar lendo, cadastre-se!
E ganhe acesso gratuito
a 3 conteúdos mensalmente.


Ou assine a partir de R$ 34,40/mês!
Você terá acesso permanente
e ilimitado ao portal, além de descontos
especiais em cursos e webinars.


Você está lendo {{count_online}} de {{limit_online}} matérias gratuitas por mês

Você atingiu o limite de {{limit_online}} matérias gratuitas por mês.

Faça agora uma assinatura e tenha acesso ao melhor conteúdo sobre mercado de capitais


Ja é assinante? Clique aqui

mais
conteúdos

APROVEITE!

Adquira a Assinatura Superior por apenas R$ 0,90 no primeiro mês e tenha acesso ilimitado aos conteúdos no portal e no App.

Use o cupom 90centavos no carrinho.

A partir do 2º mês a parcela será de R$ 48,00.
Você pode cancelar a sua assinatura a qualquer momento.