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Regras mínimas
É mais coerente pensar os princípios de governança como uma questão de atitude e não de governo

Tendo tomado corpo nos últimos dez anos e cada vez mais engrossando o número de adeptos e estudiosos, a governança corporativa já há muito deixou de ser um mero ingrediente de discursos de auto-ajuda empresarial para integrar estudos empíricos que comprovam os benefícios de sua adoção, demonstrando cientificamente a agregação de valor e aprimoramento do desempenho das companhias que aderem às suas regras.

Nascida no âmbito privado, fruto da criatividade e perspicácia de players do mercado que perceberam que os investidores não são “tolos” como considerava Furstenberg1 , e que estes estariam dispostos a ampliar seus investimentos no mercado em troca de maior segurança, seus idealizadores recomendaram a adoção voluntária de regras de transparência, prestação de contas e eqüidade no tratamento aos acionistas minoritários. Nesse ambiente de liberdade de escolha, a governança demonstrou excelentes resultados, com um significativo e crescente número de adesões, vivenciadas pelos mercados de capitais de todo o mundo.

Na esteira do sucesso da iniciativa privada, temos presenciado diversas iniciativas públicas, no Brasil e no exterior, em relação à incorporação da governança corporativa à ordem jurídica, quer para produzir apelo a novos investidores, quer para recuperar outros. Mas tal migração da faculdade para a obrigação tem gerado ao mercado a seguinte indagação: deve a governança corporativa ser objeto de regulação ou auto-regulação? Ou seja, as regras por ela introduzidas devem ser incorporadas ao sistema legal, elevando seus parâmetros básicos, ou mantidas no campo da opção, em benefício da liberdade de escolha.

A princípio, a conclusão parece fácil: se todos os estudos indicam como positiva a adoção da governança corporativa, por que não exigi-la? Mas a resposta pode não ser tão simples.

Sua introdução no ordenamento legal é digna de aplausos em muitas oportunidades, notadamente no Brasil em relação às recentes alterações à Lei de Sociedades Anônimas (Lei nº 6.404/76), promovidas pela Lei nº 10.303/03, bem como nos incentivos conferidos pela regulamentação de fundos de pensão e seguradoras, que estimulam o investimento em ações de companhias que aderem à governança corporativa.

Mas a iniciativa pública nesse sentido também já se demonstrou um tanto quanto indesejada, em recente oportunidade. Foi o caso da forte reação do governo norte-americano aos escândalos contábeis envolvendo algumas das maiores companhias do mundo em seus segmentos, que tinham ações listadas em bolsa naquele país.

Com receio de que as fraudes então descobertas afugentassem os investidores, o governo reagiu duramente, editando uma lei que introduziu altos parâmetros de governança corporativa na ordem jurídica norte-americana, imprimindo obrigatoriedade à sua adesão. Como resultado, criou-se uma corrida para adequação à lei, repassando o governo às companhias inocentes os altos custos dela decorrentes.

Ainda, a extraterritorialidade da lei, que passou a atingir companhias com ADRs lá negociados, acabou por causar uma sobreposição de normas em algumas jurisdições, gerando a comoção de entidades de outros países, preocupadas com seus efeitos, conforme verificado no próprio Brasil. E os debates permanecem até hoje, o que tem levado a Securities and Exchange Commission (SEC), autoridade responsável por zelar pelo cumprimento de tal lei, a constantemente rever os limites de sua abrangência.

Isso demonstra um dos maiores problemas da regulação: a falta de dinamismo na confecção das leis as impede de acompanhar as mutações do mercado satisfatoriamente. Afinal, em qualquer lugar do mundo, uma lei exigirá um esforço muito maior para ser alterada do que uma simples regra privada.

No Brasil, por exemplo, o Projeto de Lei do Executivo nº 3.741/00, que tem por objetivo modificar a Lei das Sociedades Anônimas, está parado na Câmara há cerca de cinco anos. Tal projeto visa alterar, entre outras disposições, o capítulo que regula as demonstrações financeiras das companhias, introduzindo regras em benefício da transparência.

Talvez como melhor argumento dos adeptos da regulação reste o supostamente reduzido enforcement inerente à auto-regulação. Mas, mesmo nesse aspecto, a resolução privada de controvérsias por meio da arbitragem tem se mostrado muito eficaz, levando especial vantagem sobre a jurisdição estatal no que diz respeito ao preparo dos julgadores e tempo para conclusão. E ainda há quem entenda que o maior castigo para uma companhia não é tanto a multa, mas a exposição pública à infração que, diga-se de passagem, tem sido muito bem cuidada pela imprensa.

Seria ótimo descobrir que a origem da crise corporativa mundial reside na falta de regulação, pois estaríamos a apenas um passo da resolução do problema

Seria ótimo descobrir que a origem da crise corporativa mundial reside na falta de regulação, pois estaríamos a apenas um passo da resolução do problema. Mas, na essência, parece mais correto atribuí- la a uma crise de ética. Por maior que seja a ordem imposta pela lei, está mais do que demonstrado que ela não é capaz de impedir alguém que esteja convencido a agir com má fé. É o que se verifica no caso Parmalat, por exemplo, onde foi constatada a cooperação de membros vinculados aos próprios órgãos reguladores.

Portanto, coerente se a figura o coro que prega que a governança corporativa é uma questão de atitude e não de governo. E certa razão assiste a tal pensamento na medida em que, num ambiente de opção, aquele que adere a uma regra mais rígida do que a lei lhe impõe está voluntariamente renunciando ao “direito de não fazer”, dando uma demonstração explícita de boa-fé. Enquanto isso, no ambiente da regulação, a boa intenção não necessariamente compõe o comportamento do indivíduo sujeito à norma, uma vez que não lhe foi facultado escolher o caminho a seguir.

Os movimentos de regulação que se seguem às crises no mercado, de fato, ajudam a acalmar os investidores em tais momentos, mas não há dúvida de que estes não esperam pelo suposto “conforto” da regulação para investir. O mercado tem conduzido sozinho as companhias a aderirem às regras de governança corporativa pelo simples fato de que os investidores já demonstraram preferência pelas regras, e não há maior estímulo para as companhias do que o dinheiro deles. Portanto, parece forçoso concluir que a regulação deve ser a mínima necessária para garantir a ordem, permitindo que a auto-regulação se encarregue do resto.


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