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Difícil de zarpar
As controversas tentativas do controlador da Prumo Logística para fechar o capital da companhia
Ilustração: Beto Nejme / Grau 180

Ilustração: Beto Nejme / Grau 180

O mercado de capitais brasileiro vem colecionando fechamentos de capital nos últimos anos, e essa fila não para de crescer. Com a senha na mão para abandonar o status de companhia aberta está a Prumo Logística. A empresa chegou à bolsa de valores em 2008, sob a denominação de LLX, parte do então estrelado grupo de companhias pré-operacionais de Eike Batista. Com a derrocada do Grupo X a partir de 2013, a LLX trocou de nome e de dono. No fim daquele ano, o fundo americano EIG Global Energy Partners assumiu o controle e deu continuidade à construção do principal empreendimento da empresa: o Porto do Açu, em São João da Barra, no Rio de Janeiro. Com a finalização do projeto, em 2015, a Prumo enfim conseguiu dar início a suas atividades. A notícia entusiasmou os investidores que financiaram a companhia na fase pré-operacional — afinal, com dinheiro entrando no caixa, eles poderiam finalmente pensar em receber dividendos. A história, contudo, não tem um enredo feliz. O que poderia ter sido o princípio de uma lua de mel com os investidores se transformou numa acalorada contenda societária.

Os problemas começaram em dezembro de 2015, quando o EIG anunciou pela primeira vez sua intenção de fazer uma oferta pública de aquisição de ações (OPA) para fechamento de capital da Prumo. Logo que foi anunciada, a OPA causou rebuliço no mercado. Antes mesmo de registrar a oferta ou contratar o avaliador, o controlador antecipou a informação de que pagaria, no máximo, R$ 1,15 por ação — dias depois, os papéis foram agrupados na proporção de dez para um, o que elevou o preço para R$ 11,50. A indicação do teto logo na largada soou mal. Investidores sentiram-se coagidos a não negociar, apesar de o valor embutir um prêmio de 40% sobre a média ponderada dos 90 pregões anteriores ao anúncio.

Apesar do mal estar, o plano seguiu adiante — até que, em março de 2016, uma reviravolta levou a companhia a abortá-lo. O motivo foi a falta de acordo entre a Prumo e os bancos que financiariam a OPA. A comprovação de que uma empresa tem recursos suficientes para arcar com uma OPA é essencial para que o pedido seja registrado na Comissão de Valores Mobiliários (CVM). A Prumo chegou a solicitar à autarquia uma extensão de prazo para obter essa comprovação, mas o colegiado acabou recusando o pedido.

Segunda tentativa

Depois de alguns meses de silêncio, a Prumo voltou aos holofotes em julho de 2016. O conselho de administração da companhia anunciou a aprovação de um aumento de capital (dentro do limite autorizado) de até R$ 740,6 milhões. Os recursos, informou, reforçariam o caixa “para fazer frente à necessidade de capital de médio e longo prazo para o desenvolvimento das atividades e a redução dos níveis de endividamento”. No dia 10 de outubro a transação foi homologada, gerando a entrada de R$ 675,4 milhões, aportados principalmente pelo controlador. Cada papel foi vendido por R$ 6,69 (média ponderada dos 60 dias anteriores).

Quatro dias depois da homologação, os minoritários foram surpreendidos com um novo anúncio de fechamento de capital. O EIG, que detinha 74,27% do capital antes da emissão das novas ações, passou a acumular 76,73%. O percentual fere as regras do Novo Mercado, que exige a manutenção de pelo menos 25% dos papéis em circulação. Para não descumprir a regra do segmento especial de governança e tampouco ter que vender uma fatia de suas ações, o EIG decidiu lançar uma oferta de OPA unificada: para sair do Novo Mercado e, ao mesmo tempo, cancelar seu registro de companhia aberta.

A sucessão de fatos deixou os investidores furiosos. “Isso é uma piada de mau gosto com o mercado de capitais brasileiro. Nunca vi uma operação como essa”, reclamou, à época do anúncio da OPA unificada, Roberto Lombardi, minoritário da companhia. Na sua avaliação, a oferta de novas ações foi desenhada justamente para provocar o desenquadramento da empresa ao Novo Mercado e justificar a OPA. Como é natural que nem todos os acionistas exerçam o direito de preferência, as ações emitidas e que ficam sem dono acabam canceladas. Nesse processo, a participação de cada sócio em relação ao capital total da companhia é recalculada — e como o EIG já operava perto do limite estabelecido (74,27%), não foi difícil ultrapassar a barreira dos 75% que justificaria a necessidade de uma OPA.

A insatisfação dos minoritários cresceu ainda mais quando eles desconfiaram que, para bancar a oferta de fechamento de capital, a Prumo poderia lançar mão exatamente do dinheiro recém-captado no aumento de capital. Considerando que o preço máximo anunciado pelo controlador para a OPA tinha sido de R$ 6,69 por ação (o mesmo valor envolvido no aumento de capital), eles calcularam que a Prumo gastaria algo como 90% dos R$ 675,4 milhões levantados para bancar a OPA. “A operação foi feita de má-fé, embora atenda às formalidades da regulação”, criticou Carlos Augusto Junqueira de Siqueira, outro investidor da Prumo.

De acordo com os minoritários, a subscrição encerrada dias antes do anúncio do fechamento de capital foi uma manobra do controlador para reduzir o preço de saída do pregão com o aval do artigo 19 da Instrução 361. Como regra geral, esse dispositivo prevê que uma oferta para fechamento de capital realizada até um ano após uma subscrição pública deve garantir ao acionista, no mínimo, o mesmo valor por ação envolvido no aumento de capital.

Foi com base nesse artigo que o EIG ofereceu R$ 6,69 por ação na OPA. Os minoritários reclamam, contudo, que o preço é bastante inferior ao que o controlador se propôs a pagar na época em que a Prumo fez a primeira tentativa de fechamento de capital (R$ 11,50). Consultada pela reportagem à época, a Prumo procurou desconectar as duas transações. Enfatizou que a oferta de fechamento foi proposta pelo acionista controlador, ao passo que o aumento de capital havia sido uma decisão do conselho de administração. Ainda assim, em novembro, a CVM informou ter instaurado um processo para investigar o aumento de capital.

Esculacho

A briga ganhou novos capítulos neste ano. Em janeiro, o Brasil Plural, contratado pela companhia para avaliar o preço das ações, concluiu que a faixa de valor justo das ações da Prumo fica entre R$ 9,98 e R$ 11,03. Pelo método do fluxo de caixa descontado, o banco chegou ao valor final de R$ 10,51. O preço é 57% superior aos R$ 6,69 que o controlador se mostrou disposto a pagar ao anunciar a operação. Insatisfeito, o EIG teceu duras críticas ao trabalho de avaliação.

“O laudo de avaliação não reflete a situação da companhia e adota determinadas premissas que carecem de fundamento”, disse o EIG em comunicado divulgado em 16 de janeiro. Sem expertise específica no setor de óleo e gás, afirma, o avaliador teria acrescido R$ 2 ao preço justo de cada ação. Outros R$ 2 seriam resultado do otimismo do avaliador em relação ao segmento de locação de área do Porto do Açu, calcula. O EIG argumenta que o risco do negócio é comprovado pelo baixo crescimento nos últimos dois anos, decorrente, em parte, da crise econômica.

Apesar de criticar o Brasil Plural, o EIG tentou um acordo com os sócios minoritários, em especial os maiores: Mubadala, fundo soberano de Abu Dhabi e dono de 6,9% das ONs da Prumo, e Itaú Unibanco, detentor de 4,75% do capital. Por meio de uma carta, comprometeu-se a fazer a oferta pública pelos R$ 10,51 indicados pelo Brasil Plural, a despeito de discordar do valor, se ambos aprovassem o cancelamento de registro da companhia na bolsa e permanecessem como acionistas (sem alienar suas ações no leilão).

Para finalizar, o EIG mandou um recado aos demais minoritários. Avisou que só prosseguirá com a oferta, pagando os R$ 10,51 por ação, se os acionistas não questionarem o preço. De acordo com a Lei das S.As., os detentores de pelo menos 10% do free float têm o direito de convocar uma assembleia especial para deliberar a contratação de um novo laudo.

Reação em cadeia

No dia 3 de fevereiro, a Associação de Investidores no Mercado de Capitais (Amec) enviou uma carta à CVM intitulada “OPAs agressivas”. A manifestação não cita a Prumo, mas faz uma clara referência ao modo como a companhia vem conduzindo sua saída da bolsa. “Ainda vemos ofertantes que buscam contornar estes princípios [de equidade] através de mecanismos que acabam por pressionar os acionistas minoritários a alienar suas ações em condições unilateralmente determinadas. Entendemos que tais práticas devem ser impedidas”, diz a entidade. Para a Amec, o EIG feriu duas vezes a legislação. A primeira ao inibir os minoritários de pedir um segundo laudo de avaliação; a segunda ao condicionar a operação à permanência dos dois maiores investidores de fora do bloco de controle, o que significa não estender a oferta a 100% dos acionistas detentores das ações em circulação.

Os investidores liderados por Lombardi lançaram outro argumento contra a proposta da EIG ao Mubadala e ao Itaú. Se ocorrer, eles observam, a situação lembrará o caso UOL. Em 2013, o empresário João Alves de Queiroz Filho foi condenado pela CVM a pagar uma multa de R$ 500 mil por ter votado, irregularmente, na assembleia que deliberou sobre a saída da companhia do pregão. Queiroz Filho foi considerado pessoa vinculada ao controlador, a FolhaPar, apesar de suas ações não estarem atreladas ao acordo de acionistas. Um dos sinais foi justamente o fato de o empresário ter dado o voto determinante para o fechamento de capital, mas não ter alienado suas ações.

A CVM também entrou na peleja. Em fevereiro, obrigou a Prumo a divulgar fato relevante assegurando a equidade da operação. O comunicado chegou ao mercado no dia 17, pouco antes da assembleia de 24 de fevereiro — agendada a pedido de minoritários liderados por Lombardi. Indiferentes às ameaças da Prumo, eles queriam votar a contratação de um segundo avaliador. Para a função, sugeriram a consultoria EY. Porém, na data da assembleia, a maioria dos minoritários presentes votou contra a proposta. Um deles foi o Mubadala, maior acionista de fora do bloco de controle.

Voto questionável

A votação do dia 24 é a senha para o grupo de minoritários liderados por Lombardi continuar na briga. A próxima peleja é questionar o voto do fundo de Abu Dhabi, decisivo na assembleia (o Itaú Unibanco, dono da segunda maior fatia, não compareceu). De acordo com a Lei das S.As. e a Instrução 361, apenas minoritários podem participar de deliberações em torno de um segundo laudo de avaliação. Ficam de fora, portanto, as ações do controlador e de pessoas a ele vinculadas. O Mubadala, na alegação do grupo encabeçado por Lombardi, teria mostrado sua proximidade com o EIG quando votou contra uma proposta que poderia beneficiar a todos os minoritários. Afinal, a contratação de um novo laudo seria a chance de conseguirem um preço melhor por ação na OPA de fechamento de capital.

Além de levantar dúvidas práticas, a tentativa de fechamento de capital da Prumo suscita algumas reflexões para o mercado de capitais: é certo uma empresa pré-operacional, capitalizada com recursos de investidores que acreditaram no seu projeto, fechar o capital no momento em que começa a gerar resultados? Seria bom para o mercado contar com regras que controlassem a entrada e a saída de empresas? São questões que, infelizmente, só ganham atenção quando casos ruidosos como o da Prumo vem à tona.


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