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Atrás do mapa da mina
Durante mais de seis horas, Warren Buffett responde às perguntas de acionistas da Berkshire que, todos os anos, vão consultá-lo em busca de pistas que os conduzam a grandes fortunas

, Atrás do mapa da mina, Capital AbertoNa Grécia antiga, uma vez por ano, o Oráculo de Delfos se abria para transmitir ao povo mensagens do Deus Apolo que praticamente ditavam a maneira de agir nos 11 meses seguintes. Com o passar do tempo, os reis e os grandes guerreiros passaram a realizar consultas individuais sempre que se viam diante de uma grande decisão. Para tanto, peregrinavam até o monte onde se localizava o oráculo, também conhecido como “umbigo do mundo”. É no mínimo curioso que, séculos mais tarde, outro local denominado “umbigo do mapa” (Omaha, que fica exatamente no centro do Estados Unidos) seja justamente a terra natal do homem que, por sua capacidade única de identificar excelentes oportunidades de investimento, é chamado de “Oráculo de Omaha”. Os peregrinos dos tempos modernos, no entanto, buscam um pouco mais do que orientação. Eles querem desvendar como pensa a sua “divindade” para, quem sabe, serem capazes de um dia tomarem decisões financeiras tão acertadas quanto as dele.

, Atrás do mapa da mina, Capital AbertoÉ o que demonstram muitas das perguntas colocadas pelos participantes este ano. Além de conselhos sobre como ganhar e multiplicar dinheiro, os acionistas procuram conhecer a visão de Buffett a respeito dos principais eventos que influenciam a economia e os mercados financeiros — transformando a sessão de perguntas e respostas da assembléia anual da Berkshire Hathaway numa grande mesa-redonda sobre temas como atuação dos hedge funds, aquisições realizadas por fundos de private equity, políticas de remuneração dos altos executivos de companhias abertas, movimento de consolidação das bolsas de valores pelo mundo, aquecimento global e ascensão dos combustíveis verdes, como o etanol. Há também aqueles que querem entender que critérios ele adota para avaliar a integridade dos administradores de uma companhia, em que tipo de pessoas costuma confiar e qual seria a atuação ideal de um conselho de administração.
Ao contrário de outras assembléias, quase não há perguntas específicas sobre o desempenho dessa ou daquela subsidiária, ou mesmo da estratégia de cres- cimento para o próximo ano. Salvo algumas questões relacionadas ao comportamento geral de indústrias com participação expressiva nos resultados finais da holding de investimentos, como seguros e construção, os participantes não demonstram preocupação quanto à condução dos negócios. Dois gestores de investimentos entrevistados após o fim da sessão atribuíram essa particularidade à qualidade das informações expressas no relatório anual. “Tudo o que precisamos saber a esse respeito já foi para lá de bem explicado”, diz Brian McCarthy, , Atrás do mapa da mina, Capital Abertode Nova York, que participa da reunião pela sétima vez. Brian Lui, de Hong Kong, observa que “a linguagem simples e direta utilizada no relatório permite entender a direção que será trilhada por cada indústria representada no portfólio e também como os fundamentos da filosofia de investimentos de Warren e Charlie são aplicados no dia-a-dia”.
FRANQUEZA, SEMPRE Os dois homens fortes da Berkshire certamente teriam gostado de ouvir a resposta do jovem gestor chinês. Falar aberta e francamente, privilegiando a simplicidade do discurso falado ou escrito a respeito das decisões tomadas e também do que eles chamam de “expectativas superadas” e “decepções”, é um dos 13 princípios elaborados em 1983, integrantes do manual do acionista — documento que se propõe a “auxiliar os novos e atuais acionistas a compreender o processo de decisão que guia os investimentos realizados”. É justamente esse , Atrás do mapa da mina, Capital Abertosistema de valores constantemente refletido na companhia — e infelizmente ainda raro no mundo corporativo como um todo — a razão pela qual as assembléias da Berkshire se transformaram nesse fenômeno único.
A sessão de perguntas e respostas que se estende por mais de seis horas a cada assembléia anual visa complementar a tarefa de alimentar essa compreensão. Na entrevista individual concedida à reportagem da Capital Aberto horas antes do início do evento, Warren Buffett ressaltou a importância desse momento em que interage diretamente com os acionistas para garantir a sintonia que procura ter com eles. “Muitas companhias agem como se não precisassem de seus acionistas. Eu não. A Berkshire não existe sem eles.” Buffett quer que seus investidores tenham o mesmo princípio adotado por ele e Munger há anos: “fazer negócio apenas com quem se conhece”. Por isso, ele faz tanta questão de trazê-los para perto, saber como pensam e lhes mostrar como ele e o sócio vêem o mundo. “Somente ao entenderem melhor o que está em nossas cabeças, eles podem decidir se querem ou não fazer negócios conosco.”
A proposta de simplicidade e franqueza também é levada ao evento. Não há mestre de cerimônias ou anúncio formal do início da sessão de perguntas e respostas. É o próprio anfitrião quem relembra as regras: ele chama a próxima questão pelo número do microfone (são 12 ao todo), em ordem crescente, e assim sucessivamente até o horário marcado para o intervalo. É permitida apenas uma pergunta por pessoa, que deve dizer o nome, cidade e estado de origem. Questões sobre o que a Berkshire está comprando ou avaliando não são respondidas.
TEORIA, PRÁTICA E CONFIABILIDADE Buffett e Munger ocupam seus lugares numa pequena mesa, colocada no centro do palco. O primeiro graceja sem parar, enquanto o segundo mal se mexe (veja mais sobre Charles Munger em quadro na página ao lado). No seu melhor estilo gozador, Buffett pede àqueles que desejarem deixar o ginásio durante a sessão que o façam quando Charlie estiver falando e somente se for para fazer compras. Um grupo de acionistas começa a gritar o bordão pelo qual o vice-chairman é mais conhecido — “não tenho nada a acrescentar” — e o ginásio todo bate palmas. Buffett pede desculpas em nome do sócio, a quem se refere sempre como Charlie. “Não liguem para todo esse barulho que ele faz. Acabei de dar um remedinho e garanto que em breve ele passará a se comportar.” Um grupo ainda maior volta a gritar o bordão, e risos ecoam pelo ginásio.

O clima lembra o de um programa de auditório. Como se apresentasse para as câmeras os jurados de um concurso de talentos, o chairman da Berkshire chama um por um os conselheiros de administração, sentados numa área reservada próxima ao palco. Quando Bill Gates é chamado, a comoção é geral. Alguns participantes mais jovens chegam a aplaudi-lo de pé. Num curto momento de total seriedade, os resultados do primeiro trimestre são apresentados, acompanhados da projeção de uma planilha de apenas quatro linhas, que detalha o faturamento e a rentabilidade de cada área de negócio. Então, num gesto que parece se repetir todos os anos, Buffett abre ruidosamente

Charles Munger, um minimalista
A mente afiada do calado Charlie, 83 anos, foi o que levou Warren Buffett, sete anos mais moço, a querer tê-lo sempre por perto. O jovem Munger foi um dos únicos alunos da Harvard Law School a conseguir uma vaga sem ter passado por um curso de graduação antes. Um antigo colega de classe contou à revista Fortune que, certa vez, desafiado por um professor durante uma aula para a qual não havia preparado a leitura, ele retorquiu: “dê-me os fatos e eu lhe darei a lei”. É por essa capacidade de dar respostas certeiras, que calam qualquer interlocutor, e por uma atitude quase sempre desconfiada, que Buffett, ao ser apresentado a este outro cidadão omahense (que adotou a Califórnia como lar definitivo) em 1959, logo soube que precisava convencê-lo a trocar a carreira de advogado para se dedicar à avaliação de investimentos.
Foi preciso esperar quase vinte anos para que ele abandonasse o Direito e se dedicasse integralmente à sociedade que iniciaram pouco depois de terem se conhecido. O vice-chairman da Berkshire Hathaway é também o presidente do conselho de uma de suas subsidiárias, a Westco. Assim como Buffett faz todos os anos, Munger redige uma extensa carta aos acionistas da Westco, que são amplamente lidas e estudadas. Mas eles não podiam ser mais diferentes. Buffett é expansivo e bonachão. Munger é minimalista. Enquanto o primeiro fala por minutos a fio, o segundo se limita a dizer não mais do que duas ou três curtas frases por vez. Durante a sessão de perguntas e respostas da assembléia da Berkshire, Buffett toma litros de refrigerante, diretamente da lata, e ataca sem parar um prato de doces. Munger beberica água numa taça e, não fosse pela assertividade de seus comentários, todos poderiam jurar que ele cochila enquanto o sócio tagarela.
Admirador confesso do inventor Benjamin Franklin e um estudioso das teorias de Pascal, ele é um ativo filantropo. Há décadas doa montantes consideráveis para universidades e instituições da área de saúde. Suas frases diretas e cortantes são conhecidas como “mungerisms”, e boa parte delas foi reunida num livro, organizado por Peter Kaufman – Poor Charlie’s Almanack (Ed. Donning Company, 2005).
Alguns dos “mungerismos” mais famosos:
“O que você deve fazer se não gostar do livro? Dar de presente a alguém mais inteligente!
“Não acho que o aquecimento global seja uma grande calamidade. É preciso ser um estudante de jornalismo maconheiro para acreditar nisso.
“Se os diretores de fundos de investimento são independentes, eu sou o bailarino principal do Bolshoi.

uma lata de Cherry Coke, a sua bebida preferida. Um riso generalizado, seguido de palmas, invade mais uma vez o ginásio. Quando as perguntas começam, o tom fica mais sóbrio, sendo quebrado ocasionalmente por frases de efeito.

Além de acionistas dos mais diversos estados norte-americanos, participantes provenientes de África do Sul, Alemanha, Austrália, Hong Kong, Índia, Inglaterra, Japão e Kuwait fazem perguntas. As respostas são extensas, nunca duram menos de cinco minutos. Buffett fala primeiro e passa a palavra para Munger, sempre mais conciso. Mesmo quando os temas não dizem respeito a investimentos, os dois se esforçam para satisfazer a curiosidade do interlocutor. Ainda assim, mais de 60% das questões podem ser resumidas numa só. Como ser um investidor melhor e evitar os erros comuns?
Além de repetir algumas das máximas que orientam a sua filosofia de investimentos — amplamente detalhada em dezenas de livros —, a dupla distribui conselhos que poderiam ser dados por um velho professor ou mesmo um avô. Os melhores exemplos nesse sentido vêm de participantes muito jovens. Um rapaz de São Francisco de 17 anos, participando pela décima vez, queria saber se um MBA o ajudaria a ser um bom investidor. Buffett, evitando fazer uma apreciação direta a respeito do curso de mestrado em administração, o aconselhou a ler absolutamente todo livro sobre investimentos a que tivesse acesso. “Aos 10 anos, eu já havia lido todos os títulos disponíveis na biblioteca pública de Omaha. Aos 19, li aquele que moldou a minha forma de pensar até hoje — The Intelligent Investor, de Benjamin Graham.”
Ele ressalta a importância de estudar linhas de pensamento que competem entre si, até que se encontre aquela que melhor se adequa às expectativas e à personalidade de cada um. “Então, pule na água e invista de verdade. A diferença entre a teoria e a prática é exatamente a de ler uma história de amor e fazer… hmmm… outra coisa.” Além disso, ele recomenda escrever uma dissertação detalhando as razões pelas quais compraria uma companhia pelo valor atual de sua capitalização de mercado toda vez que considerar adquirir uma determinada ação. “Por que US$ 18 bilhões é um preço barato para adquirir a General Motors hoje? Se você não tiver uma boa resposta, não será boa idéia comprar cem, ou nem mesmo 30 ações da companhia.”

A outra boa pergunta vem de Marie, que tem 10 anos e vive no Kentucky. Ela participa da assembléia pela primeira vez e está interessada em como ganhar dinheiro agora para poder investir quando for mais velha. Visivelmente feliz com a oportunidade de falar no assunto, Buffett se lembra de um estudo que afirmava que o fator de maior contribuição para o sucesso nos negócios era a idade em que se começa — hipótese comprovada pelo histórico do próprio investidor, que comprou sua primeira ação aos 11 anos; aos 12, dividia com um amigo as receitas de três máquinas de fliperama;

Por onde for, quero ser seu par
Quase no fim da enorme fila que se formou à frente da cabine onde eram vendidos os selos da série especial com os rostos de Buffett e Munger, um casal se destacava. De cada dez pessoas que passavam por eles, oito paravam para cumprimentá-los com entusiasmo. Mas eles também chamavam a atenção pela extravagância de suas roupas. Ela, com sapatos de verniz listrados de rosa, amarelo e azul claros. Ele, com uma cartola. Ambos trajavam blazers pretos cobertos de buttons de subsidiárias da Berkshire ou com os dizeres “eu amo a Berkshire Hathaway”.
Iris e Mort November, de Cleveland, no estado de Ohio, têm 76 e 81 anos, respectivamente. Estão casados há exatos 55 e são acionistas desde 1980, quando as assembléias eram realizadas com pouco mais de 200 pessoas, num auditório localizado no prédio onde a Berkshire aluga o seu escritório. “Viemos todos os anos desde então e só deixaremos de fazê-lo quando morrermos”, diz Mort. Ele conta também que, em todo esse tempo, venderam apenas uma ação do tipo A, para ajudar a custear o curso de medicina de uma das filhas.
Embora não revelem quantas ações detêm no total, eles afirmam que, desde o lançamento das B-shares, procuram ampliar a carteira sempre que podem. “Temos ações de outras nove companhias e, quando uma delas atinge um preço alvo, vendemos para comprar novas ações do tipo B”, conta o advogado aposentado. Hoje, ele e a mulher dirigem uma fundação familiar que, por meio de doações a universidades e escolas públicas, promove programas de excelência acadêmica na região onde vivem.
Iris justifica que a preferência pelas ações da Berkshire se deve à simplicidade do plano de negócios, à filosofia de sempre compartilhar tudo com os acionistas e de tratar os recursos com respeito. “Aqui nunca tivemos as extravagâncias que vemos em outras corporações. É por isso que nós amamos Warren, e o seguiríamos a qualquer lugar”, derrete-se ela, apontando um broche em formato de coração.

aos 14, adquiriu suas primeiras terras; e, aos 20, já tinha experimentado pelo menos duas dezenas de maneiras de ganhar dinheiro. “Metade do capital que comecei a investir veio dos jornais que entregava no meu bairro. Essa é uma boa opção para alguém um pouco mais velho que você, com 12 ou 13 anos.” E completou: “Há sempre alguma tarefa que as pessoas não têm vontade de fazer, mas pagariam alguém para se incumbir dela. Descubra quais são essas tarefas, se ofereça para fazê-las e poupe o dinheiro que receber. Haja o que houver, fique longe das dívidas”.

As expectativas da garotinha inspiraram Munger a dar não apenas sua resposta mais longa — que foi calorosamente aplaudida —, mas também um conselho para pessoas de qualquer idade. “Eu costumava ‘vender’ tempo para mim mesmo. Separava a melhor hora do dia para desenvolver a minha mente e não trocava isso por dinheiro algum”, conta, referindo-se aos mais de 40 anos em que atuou como advogado de um grande escritório. Naquela época, ele costumava reservar 60 minutos do expediente para ficar longe dos clientes e de assuntos relacionados a negócios para se dedicar à leitura de temas que ampliassem sua cultura geral. “Gaste menos do que você ganha, leia The Richest Man in Babylon, de George S. Clason (Ed. Signet, originalmente publicado em 1926) e se faça uma pessoa confiável. Se você se mantiver confiável por toda a vida, é muito improvável que falhe em qualquer coisa que se proponha a fazer. Seja fiel a si mesma.”

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