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A CVM não pode virar órgão de passagem
Além de ampliar o orçamento da autarquia, o Estado precisa enfrentar outro problema de igual importância: os planos de carreira
Lei de ativos virtuais: regulamentação expõe limites da CVM
Pablo Renteria é sócio-fundador do Renteria Advogados e professor de direito civil da PUC-Rio. Foi diretor e superintendente da CVM | Ilustração: Julia Padula

Tendo em vista a atual retomada dos debates acerca da reforma administrativa do Estado, parece oportuno tratar do fortalecimento institucional da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Já foram amplamente noticiados os problemas de orçamento e pessoal que restringem a capacidade da CVM de desempenhar todas as missões que a lei lhe confiou na regulação do mercado de capitais brasileiro. Embora seja superavitária, graças à arrecadação da taxa de fiscalização, a autarquia não dispõe de meios financeiros e humanos adequados para atender às elevadas expectativas quanto à supervisão de um mercado cada vez mais sofisticado e complexo.

Nesse cenário desafiador, é uma boa notícia a autorização recebida do governo federal, em julho deste ano, para a realização de um novo concurso para o provimento de 60 vagas efetivas. É um número pequeno, mas, sem dúvida, representa um alívio alvissareiro. A autarquia não realiza concurso desde 2010 e vem sofrendo perdas contínuas em razão, notadamente, da aposentadoria das primeiras gerações de servidores.

Plano de carreira

No entanto, a realização do concurso, por si só, não é capaz de reverter o quadro deficitário da CVM, se não vier acompanhada de outras medidas. É necessário expandir o orçamento financeiro da autarquia, que não lhe permite fazer os necessários investimentos em tecnologia e capacitação de pessoal. Mas, há outro problema a enfrentar que, embora não se comente tanto, mostra-se de igual importância: o plano de carreira dos servidores da casa, que corre o risco de perder a sua atratividade, tornando-se inapto a atrair e reter bons profissionais.

Os concursos públicos formam hoje um grande mercado, no qual os candidatos escolhem os cargos que querem preencher em razão, muitas vezes, das condições financeiras oferecidas, ainda que em detrimento de suas preferências pessoais no que tange às funções que gostariam de desempenhar. Nessa dinâmica, quanto melhores forem as condições financeiras, maior a concorrência pelas vagas em aberto. E de outro lado, os órgãos disputam entre si para receber os servidores mais qualificados. Nesse processo competitivo, levam vantagem aqueles que oferecem os melhores planos de carreira.

Competição por talentos

Tradicionalmente, a CVM disputa o recrutamento de seus analistas e inspetores com outras carreiras típicas de Estado. Em particular, com aquelas de nível superior oriundas do Banco Central do Brasil e da Receita Federal, por também serem órgãos de alta qualificação técnica que atraem candidatos com um perfil mais voltado para assuntos financeiros.

Ocorre que uma lei de 2017, regulamentada em junho deste ano por decreto presidencial, aprovou a criação de um bônus de eficiência, de valor significativo, para os agentes da Receita Federal. Há um necessário debate a respeito desse tipo de remuneração, que pode gerar incentivos perversos para quem tem sua eficiência avaliada com base no volume de tributos arrecadados. O decreto exclui da base de cálculo do bônus as multas, mas mantém a arrecadação de tributos e a efetividade das ações de fiscalização, o que cria receio quanto a excessos na interpretação e na aplicação das normas tributárias por parte dos agentes da Receita.

Mas essa é uma discussão que se deixa para outra oportunidade. O que se quer destacar por ora são os efeitos dessa medida em relação aos demais órgãos.

Riscos reais

Até mesmo por uma questão de isonomia, é esperado que os servidores do Banco Central do Brasil e da CVM busquem ser contemplados com benefício semelhante, ainda que baseado em métricas diferentes para evitar incentivos adversos. No entanto, dada a diferença de porte e a força política entre as autarquias, há o risco de apenas o Banco Central ser bem-sucedido em sua reivindicação. Isso deixaria a CVM isolada, em posição de desvantagem, tendo, dentre os seus pares, o pior plano de carreira. A autarquia perderia, nesse cenário, uma parcela importante da sua competitividade na busca pelos candidatos mais qualificados.

Além disso, haveria o risco de fuga de servidores, que, por se sentirem financeiramente desvalorizados, buscariam prestar concurso para os demais órgãos públicos. E mais: os servidores que ingressarem no futuro poderiam enxergar a CVM como uma ocupação temporária enquanto continuam a se preparar para os concursos das carreiras mais bem remuneradas. A CVM se tornaria, assim, um órgão de passagem, com maior rotatividade e menor engajamento de seu quadro de pessoal.

Desse modo, benefício semelhante aos dos agentes da Receita Federal deveria ser igualmente concedido, ainda que em bases diversas, aos servidores tanto do Banco Central do Brasil como da CVM. Essa seria uma forma de assegurar iguais condições para todos os órgãos e não deixar nenhum deles em desvantagem competitiva. No caso da CVM, essa medida se mostraria, ademais, financeiramente adequada, por se tratar, como já destacado, de órgão superavitário, que arrecada para os cofres públicos muito além das suas despesas.

Desenvolvimento do mercado

Não se trata de uma pauta corporativa, vale destacar. O assunto não é apenas do interesse dos servidores da casa. Afeta, de forma ampla, o desenvolvimento do mercado de capitais, haja vista o anseio por um órgão regulador bem aparelhado e capaz de bem desempenhar suas funções de supervisão. Mais do que isso, em última análise, encontra-se em jogo a pretendida eficiência do Estado brasileiro, na medida em que a desigualdade entre os planos de carreiras cria distorções na alocação dos recursos humanos entre os diversos órgãos públicos. Candidatos podem afastar-se de cargos para os quais tenham mais qualificação e vocação simplesmente porque outras carreiras oferecem condições financeiras mais vantajosas.

Por essas razões, além da cobrança por novos concursos e por um orçamento melhor, há de se cuidar para que a CVM mantenha sua capacidade de atrair e reter bons servidores, o que sofre grande influência do plano de carreira. Esses três pontos — concurso, orçamento e plano de carreira — formam um tripé e devem ser sempre considerados em conjunto para o fortalecimento institucional da autarquia, do mercado de capitais nacional e do próprio Estado brasileiro.

*Pablo Renteria ([email protected]) é sócio fundador do escritório Renteria Advogados e professor de direito civil da PUC-Rio. Foi diretor e superintendente de processos sancionadores da CVM.

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