A obrigatoriedade da adoção da norma 39 do Comitê de Pronunciamento Contábil (CPC 39) pelas companhias abertas, nos termos da Deliberação CVM 604/2009, gerou incertezas acerca da continuidade e da utilidade das ações preferenciais resgatáveis. Esses papéis impõem à companhia emissora o pagamento de determinado valor ao titular, seja através de dividendos fixos ou por meio de resgate.
Segundo o CPC 39, a classificação contábil de um valor mobiliário como instrumento financeiro ou patrimonial deve observar sua substância, e não a forma. Da maneira como tal CPC vem sendo aplicado por órgãos do governo, agentes de mercado e auditores, uma ação preferencial que confira direito de resgate em data e montante específicos seria classificada como obrigação do emissor, em conta de passivo, e não mais no patrimônio líquido. O mesmo raciocínio se aplica, por exemplo, ao dividendo fixo. Nesse caso, conforme o CPC 39, o provento seria contabilizado como despesa de juros, já que a ação acarretaria uma obrigação de pagamento.
Ao analisarmos demonstrações financeiras relativas ao exercício de 2010, notamos que algumas sociedades alteraram as características das ações preferenciais, convertendo-as em ações ordinárias ou excluindo a sua condição de resgatável, como fez a GME4 do Brasil. Outras adotaram o CPC 39 na integralidade, contabilizando as ações preferenciais em seu passivo — foram os casos de EDP e LF Tel.
Consideramos, porém, que o modo como o CPC 39 está sendo aplicado não é adequado. Em alguns casos, essa interpretação pode ser incompatível com a Lei das S.As. De acordo com a lei, o dividendo, mesmo que fixo, somente é exigível se houver lucros e a companhia declarar o seu pagamento. É possível, por exemplo, a retenção de lucros se a situação financeira da empresa não recomendar a distribuição de dividendos. Ora, diante dessas condicionantes, que são incompatíveis com um instrumento financeiro de dívida, não há como considerar o dividendo uma despesa de juros, pois estes são devidos havendo ou não condições para o seu pagamento.
O tratamento das ações preferenciais com dividendo fixo como dívida não faz sentido à luz da Lei das S.As., uma vez que o valor aportado por seus titulares é considerado, no estatuto social, como capital. Juridicamente, houve aporte de recursos — portanto, não seria possível haver redução do capital, pois o procedimento não estaria enquadrado nas hipóteses legais. Diante disso, em que consistiriam as ações preferenciais? Títulos de dívida, títulos patrimoniais ou um título híbrido?
Outra provável inconsistência refere-se à reserva legal prevista na Lei das S.As., que exige que parcela do lucro líquido do exercício seja alocada à reserva. Se tratarmos os dividendos fixos atribuídos pelas preferenciais como dívida, devemos ou não incluir o valor dos juros no cálculo da reserva legal? Afinal, nos termos do CPC 39, há juros, e não lucros.
Da ótica fiscal, haverá também inconsistência. A distribuição de dividendos não é tributada; por outro lado, os juros são. Assim, classificar uma operação de capital como dívida pode gerar passivo tributário à emissora, bem como ao acionista.
Para a indústria de fundos de private equity, essa situação é ainda mais complicada. Em virtude dos impactos mencionados acima, as companhias podem deixar de emitir ações resgatáveis ou de instituir dividendos fixos, reduzindo, assim, as alternativas de retorno do investimento e de retirada do negócio para o investidor.
Diante de tantas questões e da incompatibilidade com a Lei das S.As., é fundamental que a aplicação do CPC 39 seja revista, sob pena de as ações preferenciais resgatáveis ou com dividendos fixos caírem em desuso.
Para continuar lendo, cadastre-se!
E ganhe acesso gratuito
a 3 conteúdos mensalmente.
Ou assine a partir de R$ 34,40/mês!
Você terá acesso permanente
e ilimitado ao portal, além de descontos
especiais em cursos e webinars.
User Login!
Você atingiu o limite de {{limit_online}} matérias gratuitas por mês.
Faça agora uma assinatura e tenha acesso ao melhor conteúdo sobre mercado de capitais
Ja é assinante? Clique aqui