O colegiado da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) recentemente emitiu importante pronunciamento norteador em relação ao impedimento de voto do acionista-administrador na aprovação de contas e na propositura de ação de responsabilidade em face dos administradores. A decisão — proferida na sessão de 24 de outubro de 2017 (com retificação em 28 de novembro do mesmo ano), em que os integrantes do colegiado analisaram o processo administrativo sancionador (PAS) nº RJ2014/10556 — representa também uma mudança de posicionamento da autarquia no que se refere ao voto de qualidade do presidente da sessão em processos administrativos sancionadores.
De acordo com o processo, os dois acusados — Luis Fernando Costa Estima e Fernando José Soares Estima — eram simultaneamente acionistas e membros do conselho de administração da Forjas Taurus S.A. Verificou-se que Luis Fernando Estima era também acionista detentor de 99% do capital da Estimapar Investimentos e Participações Ltda., que, por sua vez, detinha participação substancial no capital votante da Forjas Taurus.
Em assembleia geral realizada em 27 de junho de 2014, foi aprovada por maioria de votos a suspensão de algumas deliberações para que fossem examinadas por assessoria jurídica especializada, a saber: propositura de ação de responsabilidade contra determinados administradores (incluindo Luis Estima e Fernando Estima), desaprovação das contas dos administradores no exercício de 2012 e aprovação das contas dos administradores no exercício de 2013. A Estimapar, que detinha 46% das ações presentes na assembleia, teve participação decisiva.
Ao analisar o caso, a Superintendência de Relações com Empresas da CVM concluiu que Luis Estima e Fernando Estima teriam agido em violação ao artigo 115, §1º da Lei das S.As. ao votarem, diretamente e/ou por intermédio da Estimapar, na suspensão dessas deliberações.
O colegiado da CVM, sem o presidente Marcelo Barbosa, decidiu por unanimidade aplicar pena de advertência a Luis Estima por ter votado, através da Estimapar, pela suspensão da deliberação sobre as contas dos administradores da companhia. Por empate de votos, Fernando Estima foi absolvido.
Questões relevantes
A decisão do colegiado da CVM nesse caso suscita três importantes questões, cujo esclarecimento pode orientar os participantes do mercado em situações semelhantes no futuro.
O acionista-administrador de companhia aberta está impedido de votar na deliberação relativa à propositura de ação de responsabilidade contra si próprio, nos termos do artigo 159 da Lei das S.As.?
Embora não exista dúvida quanto ao impedimento do acionista-administrador para votar em deliberação acerca de suas próprias contas, o colegiado reconheceu haver controvérsia quanto à possibilidade de o acionista votar na deliberação de propositura de ação de responsabilidade contra si próprio. A defesa alegou a ausência do impedimento, pelo fato de a Lei das S.As. já conferir uma salvaguarda aos acionistas que representem pelo menos 5% do capital: a de promover a ação de responsabilidade por conta própria, caso a companhia rejeite iniciar o pleito. Logo, não haveria necessidade de se impedir a priori o voto do acionista-administrador nesses casos.
Em seu voto, no entanto, o diretor-relator Pablo Renteria rejeitou esse argumento, considerando que, na prática, não existe incentivo ao acionista para promover essa ação por conta própria, o que tornaria o mecanismo ineficaz. Conforme o artigo 159, §5º da Lei das S.As., a única vantagem conferida a acionistas que promoverem a ação de responsabilidade por iniciativa própria é o reembolso das despesas ao final do processo, mas apenas se a ação for bem-sucedida. Mas se a ação não tiver sucesso, os acionistas não apenas suportam as despesas como correm o risco de arcar com a sucumbência.
Renteria defendeu que existe um claro conflito de interesses do acionista-administrador, que o impede de votar em casos desse tipo; afinal, ele não teria qualquer interesse em votar favoravelmente à propositura de ação de responsabilidade contra si próprio.
O colegiado absolveu Luis Estima e Fernando Estima dessa acusação por empate de votos, motivado por questões fáticas e específicas ao caso, incluindo o fato de, na assembleia posterior que deliberou as matérias, ter havido efetiva abstenção dos acusados. Não obstante, todos os diretores presentes concordaram (ainda que por fundamentos diferentes) que o acionista-administrador de companhia aberta está sim impedido de votar na deliberação, bem como na suspensão de deliberação, relativa à propositura de ação de responsabilidade contra si próprio.
O exercício de direito de voto pelo acionista-administrador por meio de pessoa jurídica intermediária afastaria eventual impedimento de voto?
O colegiado decidiu por unanimidade que, havendo “completa influência” (conforme voto de Renteria) do administrador na pessoa jurídica que figura como acionista da companhia, o impedimento de voto do administrador (quando houver) será aplicável também à pessoa jurídica por ele controlada. Admitir o contrário esvaziaria a eficácia da norma.
No caso concreto, considerando que Luis Estima era administrador da Forjas Taurus e detentor de 99% do capital social da Estimapar, que detinha participação acionária relevante na companhia, a Estimapar também estava impedida de votar nas deliberações de aprovação das contas e de propositura de ação de responsabilidade contra ele. Por isso, o colegiado da CVM aplicou pena de advertência a Luis Estima com relação ao voto da Estimapar na aprovação das contas dos administradores. Essa decisão confirma entendimento anterior do colegiado (no PAS nº RJ2014/10060, julgado em 10 de novembro de 2015), em que Eike Batista foi condenado por ter votado, através de sociedades sob seu controle, na aprovação das contas da administração da Óleo e Gás Participações S.A.
Em caso de empate de votos em processo administrativo sancionador, como deve ser exercido o voto de qualidade no colegiado da CVM?
O colegiado, ao interpretar o seu regimento interno e a Deliberação 538/2008 da CVM, decidiu por unanimidade que, no caso de empate entre votos de absolvição e condenação, o voto de qualidade pode ser exercido unicamente em benefício do réu, em homenagem ao princípio in dubio pro reo. Na prática, nessa situação, o voto de qualidade significa a declaração de absolvição do acusado pelo presidente de sessão.
Trata-se de importante decisão do colegiado da CVM e que diverge do PAS nº 11/2012, julgado em 2 de novembro de 2014, no qual o presidente da CVM à época, Leonardo Pereira, exercera o seu voto de qualidade pela condenação.
*Por Henrique Lang ([email protected]) e João Marcelo G. Pacheco ([email protected]), sócios de Pinheiro Neto Advogados; Marcos Saldanha Proença ([email protected]) e Cauê Rezende Myanaki ([email protected]), respectivamente consultor e associado sênior do mesmo escritório.
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