Enquanto escrevia este artigo, recebi um telefonema da minha editora de livros didáticos. Entusiasmada com os rumores relacionados à introdução obrigatória da educação financeira nas escolas, ela queria comemorar a novidade e, claro, festejar as perspectivas de vendas futuras. Quando, em meio ao seu júbilo, disse-lhe que, no cenário atual, era contra a adoção e que me ocupava naquele momento em espalhar as razões da minha oposição, ela suspirou quase triste. Acho que perdi uma editora.
Não conheço em detalhes a lei que trata da obrigatoriedade. Quase ninguém conhece. Portanto, o que tenho sobre ela são dúvidas que caminham para inquietações e deságuam em franca desconfiança.
Não consigo vislumbrar como, por força de lei, os professores ensinarão um assunto que eles desconhecem. Quem irá preparar esses profissionais que são, muitas vezes, gestores inábeis do próprio orçamento? Conheço o poder que os professores têm sobre os alunos. Dinheiro é um assunto escondido sob mil véus inconscientes e ideológicos. Apavora imaginar o uso que um educador despreparado ou mal intencionado, acobertado pelo aval da obrigatoriedade, possa fazer desse tema.
Também acho espantoso que o governo se empenhe em criar novas disciplinas obrigatórias. Não é segredo que os docentes estão sufocados de conteúdos a transmitir. Nesse cenário de exigências sobrepostas, supor que os professores encontrarão tempo, disposição ou vontade para a educação financeira é pedir mais do que eles podem entregar.
É sabido que a qualidade do ensino nas escolas brasileiras é péssima. Países como Paraguai, Equador e Bolívia possuem níveis de educação melhores que os nossos. Na avaliação mais recente do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa), em 2007, o Brasil ficou em 52° lugar, dentre os 57 países participantes. Sabendo disso, pergunto: o governo não seria muito mais responsável se concentrasse esforços na superação das dificuldades atuais em vez de dispersar energia e recursos na criação de novos conteúdos obrigatórios?
É justo que, como política pública, o governo pretenda ensinar a fazer um orçamento ou planejar uma poupança a quem, dada a precariedade do sistema educacional, estará condenado ao subemprego e a depender de favores assistencialistas?
Se o governo está interessado, de fato, em preparar a população para lidar com dinheiro, que faça isso cuidando, por exemplo, para que os jovens não mais concluam o ensino médio sem saber ler e escrever.
Lidar com dinheiro de maneira adequada e responsável implica reconhecer as escolhas que estão postas na vida financeira. E é evidente que quem não sabe ler e escrever já entra perdendo nesse jogo. Isso para não mencionar a dificuldade de inserção dessas gerações de analfabetos funcionais no mercado de trabalho.
Em todo o mundo, a educação financeira é um assunto que cabe prioritariamente às famílias. Jogar o peso dessa responsabilidade para os colégios é ingenuidade ou populismo. Nessa trama, o papel das escolas será sempre coadjuvante. O máximo que podem fazer é lapidar a percepção crítica dos alunos em relação ao consumo exacerbado e, por extensão, à louvação vulgar e estúpida da acumulação do dinheiro. E escola nenhuma precisa de lei para fazer isso.
Minha oposição é, portanto, resposta ao temor de que a impulsividade da lei, que exagera os benefícios da educação financeira, resulte num tiro no pé. E que, ao cabo, por seu açodamento, acabe por desmoralizar para sempre um tema que é, por tantas razões, fundamental.
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