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Poucas ações, muitos votos
Estruturas piramidais desequilibram a relação entre participação econômica e poder político em companhias do Novo Mercado

, Poucas ações, muitos votos, Capital AbertoDo Novo Mercado da Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa), criado há sete anos, podem fazer parte companhias que emitem somente papéis com direito a voto, as ações ordinárias (ON). A idéia por trás dessa regra era evitar que a diferença entre direitos político e econômico numa sociedade anônima potencializasse conflitos de interesses. Foi uma revolução para os padrões brasileiros. Antes dessa solução engenhosa da auto-regulação, por aqui era comum empresas lançarem ações preferenciais (PN), sem poder de voto, para ampliar o controle dos acionistas majoritários. Em companhias com até dois terços do capital formado por PNs, uma só pessoa conseguia mandar detendo a maioria das ONs, mas apenas 17% do capital social.

A reforma da Lei das S.As, de 2001, reduziu a 50% o teor de PNs permitido no capital social de uma companhia. E o Novo Mercado baniu de vez os papéis sem direito a voz. Mas o princípio de “uma ação, um voto”, segundo o qual todo acionista deve ter poder de decisão sobre os rumos de uma companhia equivalente a seu investimento no negócio, continua sendo desrespeitado no ambiente de listagem com as mais rigorosas normas de governança corporativa do País. Apesar de vetar as PNs, o Novo Mercado permite que outra forma de alavancagem de controle, muito mais sutil, se manifeste: as estruturas piramidais. Elas são montadas a partir da sobreposição de empresas, uma com poder de controle sobre a outra. Com uma engrenagem dessas, o controlador diminui sua exposição econômica na companhia do fim da cadeia, mas mantém a palavra final sobre ela. Esse mecanismo estava presente na Cosan, mesmo antes da sua polêmica reorganização societária.

ALAVANCAGEM PREEXISTENTE — O mercado reclamou quando o empresário Rubens Ometto, dono da sucroalcooleira, propôs em julho de 2007 a seus sócios minoritários migrarem para a holding Cosan Limited, onde teriam ações com poder de voto dez vezes menor que os papéis do controlador. O mal-estar foi tão grande que as ONs da Cosan amargaram um dos piores desempenhos do ano até 19 de dezembro — 53,8% negativos, ante a uma valorização do Ibovespa de 33,8%. Tudo bem que o grande problema apontado por analistas foi o fato de terem sido “pegos de surpresa” pela transformação radical da Cosan. Porém, a alavancagem de controle, em si, não deveria ter assustado os investidores. O controle de Rubens Ometto sobre a companhia listada no Novo Mercado já era alavancado antes do anúncio da criação da Cosan Limited.

A Cosan (antiga) e a Springs são dois exemplos de pirâmides de controle presentes no segmento especial da Bovespa

Vamos aos fatos. Ometto comandava a Cosan operacional por meio da Aguassanta Participações e da Usina Costa Pinto, que, juntas, detinham 51,25% do capital ordinário da empresa. Mas ele não era acionista direto dessas duas controladoras. Para chegar até o “faraó” desta estrutura piramidal, é preciso percorrer uma intricada cadeia societária, repleta de holdings de membros da família Ometto e outros sócios detentores de porções menos relevantes. Dividindo o capital com minoritários, mas sempre mantendo a dianteira na posse de ações ordinárias das controladoras, Ometto conseguia mandar na Cosan com uma participação de cerca de 32% na companhia.

Uma pirâmide ainda mais nítida que a da Cosan é a da Springs Global Participações, holding do setor têxtil também listada no Novo Mercado. Seu controle pertence a outra companhia de capital aberto, a Coteminas, dona de 51,36% das ONs. Sobre a Coteminas, aparecem fundos de pensão estatais como Funcef, Petros e Previ, além da controladora Wembley Sociedade Anônima. Quem capitaneia a Wembley, por meio de outros dois CNPJs em cascata, é Josué Christiano Gomes da Silva. No fim das contas, Silva, filho de José Alencar, vice-presidente da República, dirige a Springs com meros 24% da companhia.

“MELHOR” QUE AS PNS — Trata-se de uma situação inusitada. Antes da reforma da Lei das S.As, costumava-se dizer que uma empresa podia ser controlada por titulares de um sexto de seu capital quando tinha um terço de ações ordinárias e dois terços de preferenciais. Na nova Lei das S.As, que determina o máximo de 50% de preferenciais, temse o controle com pouco mais de 25% das ações. “Agora você tem a possibilidade de replicar isso no Novo Mercado”, observa Alexandre di Miceli da Silveira, professor de finanças da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA-USP). “Nesse caso da Springs, você consegue controlar até com um percentual menor”, comenta o especialista em governança corporativa e colunista da CAPITAL ABERTO.

Estruturas piramidais são um dos temas caros para a governança. Assim como outros instrumentos chamados de “mecanismos de aumento de controle” (control enhancing mechanisms, ou CEMs, em inglês), elas reduzem a proporção entre poder de decisão e propriedade. Também fazem parte desse grupo ferramentas como ações preferenciais, papéis com direito a voto plural e acordos de acionistas. Por serem muito difundidos pela Europa, há quem minimize os efeitos negativos do emprego de métodos de alavancagem. “Em todo lugar você pode fazer isso”, argumenta Marcelo Barbosa, sócio do Vieira, Rezende, Barbosa e Guerreiros Advogados. Embora longe de ser ilegal, a adoção de CEMs não é recomendada pela Comissão Européia e, geralmente, é malvista. “Ser comum não significa que seja bom”, pondera Silveira.

As pirâmides tampouco são exclusividade do Novo Mercado. Grandes conglomerados do porte de Gerdau e Itaú apresentam essa característica. A diferença com os casos de Springs e Cosan é o fato de elas fazerem parte do time adepto das melhores práticas da Bovespa, que deveria simbolizar a máxima “uma ação, um voto”. O grande prejuízo do desequilíbrio entre participação nos resultados e poder de ditar os rumos da empresa é que isso sirva de “incentivo perverso para quaisquer abusos de direito e desvios de conduta que permitam ao controlador se beneficiar em detrimento da companhia”, resume Henrique Lang, sócio do escritório de advocacia Pinheiro Neto.

SEGUNDAS INTENÇÕES — Em outras palavras, à medida que o controlador aumenta seu direito político numa companhia, sem investimento em contrapartida, perde interesse econômico na controlada. Na prática, ele acaba sentindo menos no seu próprio bolso os efeitos do fluxo de caixa da empresa. Assim, pode ser estimulado, por exemplo, a repassar os lucros da companhia listada para outra na qual detém uma fatia maior. Da mesma maneira, pode fechar contratos interessantes para as companhias que mais lhe importam, mas desvantajosos para aquela da qual pouco dependem seus rendimentos. “Há vários caminhos para a transferência de resultados, o que pode ser legal, mas é ruim sob o ponto de vista da governança”, afirma Silveira.

Sem fazer referência explícita à estrutura piramidal, o prospecto da oferta pública inicial da Cosan (IPO), de novembro de 2005, fazia um alerta na seção dedicada aos fatores de risco: “Podemos enfrentar situações de conflito de interesses nas operações com partes relacionadas”. O prospecto do IPO da Springs, de julho de 2007, mencionava o possível choque entre as intenções dos controladores e da companhia. “Nossos acionistas controladores podem entrar em conflito em relação a objetivos estratégicos e orientações de nossos negócios.” Na opinião do professor da FEA, seria recomendável que as companhias citassem claramente a estrutura piramidal entre os fatores de risco.

Para a Associação de Investidores no Mercado de Capitais (Amec), cuja bandeira é a defesa dos interesses de minoritários, abusos de poder sempre podem ocorrer, com ou sem estruturas piramidais. “O importante é que haja transparência e que os mecanismos não sirvam para mascarar os efetivos controladores”, avalia Edison Garcia, superintendente da entidade. A situação ideal, ressalva, é o controle direto. “A participação direta ajuda a fazer com que os acionistas controladores se sintam mais responsáveis pela companhia e previne uma série de problemas.”

Como não é simples analisar as motivações dos construtores das pirâmides, resta ao investidor confiar ou desconfiar da idoneidade dos comandantes do navio. “A ação está lá para ser comprada ou vendida. Cabe a mim sentir-me confortável ou não com a companhia”, diz Álvaro Bandeira, presidente da Associação dos Profissionais de Investimento do Mercado de Capitais (Apimec Nacional). Segundo ele, a tendência é de, cada vez mais, o mercado aprender a precificar atributos como as estruturas piramidais e rejeitar o que for indesejável. Não por acaso, pouquíssimas companhias do Novo Mercado recorrem a esses instrumentos.

Nas estruturas de alavancagem, o controlador sente menos no próprio bolso os efeitos do fluxo de caixa da companhia

ACIONISTAS SIMBÓLICOS — Não é improvável que os minoritários das holdings votem regularmente conforme a orientação do controlador, dependendo dos acordos costurados. Pode-se argumentar que, na Cosan, Ometto era efetivamente o dono e que os acionistas das empresas integrantes da pirâmide não passavam de meros “laranjas”. O empresário pode muito bem ter juntado em sociedades distintas parentes e amigos, que teriam aberto mão de seus direitos políticos e econômicos sobre os negócios. Mesmo assim, “isso não os impede de venderem suas partes para outras pessoas”, como lembra Silveira, da FEA. Segundo fontes do mercado, o relacionamento entre Ometto e seus familiares não é dos mais amigáveis. Existe um histórico de disputas, inclusive judiciais. Contatada pela reportagem, a empresa não comentou sua organização societária anterior à criação da Cosan Limited. Josué Christiano da Silva, da Springs, também não atendeu ao pedido de entrevista.

De qualquer modo, os investidores dessas companhias não se encontram em estado de desamparo. Há instrumentos de proteção disponíveis, como a Câmara de Arbitragem do Mercado, para a solução de disputas societárias, ressalta Mauro Cunha, vice-presidente do conselho de administração do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC). Não estão previstas mudanças no regulamento do Novo Mercado para tratar desse assunto específico. Contudo, João Batista Fraga, superintendente de relações com empresas da Bovespa, não descarta futuras revisões sobre pontos que se mostrarem críticos. “A revisão das regras é um processo de melhoria contínua”, enfatiza. A última alteração das normas do Novo Mercado ocorreu há dois anos.

Por enquanto, os investidores estão definindo as regras do jogo. Na Springs, salta aos olhos uma fatia de 4,75% das ONs detida por uma das gestoras de recursos mais ativistas do Brasil. A Investidor Profissional (IP) não se importa com a estrutura de controle montada por Josué da Silva? Pedro Rudge, sócio da asset, afirma ser mais preocupante do que a estrutura piramidal o fato de as duas empresas sobrepostas, Coteminas e Springs, serem de capital aberto — o que pode fazer com que uma “roube” liquidez da outra. Quanto à alavancagem do controlador, Rudge é mais tolerante: “Nosso histórico de relacionamento nos dá certa segurança e minimiza os riscos”. Ainda assim, se a IP se deparasse com uma nova companhia metida numa estrutura piramidal, a história seria diferente. “Seríamos mais seletivos e pediríamos um desconto maior”, garante o gestor. Como demonstrou a Cosan, toda novidade tem seu custo.


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