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Perspectiva ampliada
Promessa de solução para as captações de longo prazo dos bancos, as letras financeiras poderão ganhar mais uma vantagem: entrar na lista das ofertas públicas sem registro da CVM

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Amplamente testada e aprovada no ano passado, a Instrução 476 da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que dispensa o registro de ofertas públicas com esforços restritos, tem grandes chances de se tornar o canal de distribuição do mais novo produto lançado na praça: as letras financeiras. A CVM estuda incluir o instrumento de captação de longo prazo dos bancos na norma, ao lado de notas promissórias, cédulas de crédito bancário, debêntures, cotas de fundos de investimento fechados e certificados de recebíveis imobiliários ou do agronegócio. “Essa instrução é a ‘casa’ mais cômoda para as letras financeiras”, afirma Luciana Dias, superintendente de desenvolvimento de mercado da autarquia, avisando que o assunto ainda será discutido com os participantes da indústria.

As taxas de captação e a liquidez do mercado secundário serão determinantes para o sucesso

Tal qual se exige na 476, as distribuições de letras financeiras se destinam exclusivamente a investidores qualificados (com mais de R$ 300 mil em aplicações financeiras). De acordo com a instrução, as ofertas públicas com esforços restritos são aquelas dirigidas a, no máximo, 50 investidores, e apenas 20 podem comprar de fato os papéis, desembolsando pelo menos R$ 1 milhão cada — o lado “restrito” é por conta dessa limitação. Além disso, a 476 dispensa os emissores de registro de companhia aberta na CVM, uma facilidade que poderá ser estendida a alguns tipos de emissores de letras financeiras. A autarquia está mantendo conversas com o Banco Central para entender a que regulação as variadas , Perspectiva ampliada, Capital Abertocategorias de emissores estão sujeitas. Pela Resolução 3.836 do Conselho Monetário Nacional (CMN), podem emitir letras financeiras os bancos comerciais, múltiplos e de investimento; as sociedades de crédito, financiamento e investimento; as caixas econômicas; as companhias hipotecárias e as sociedades de crédito imobiliário.

A matéria está sendo tratada com urgência: “O mercado está com pressa e não queremos atrasar ninguém”, diz Luciana. A própria regulamentação, pelo Banco Central, também foi rápida. A Resolução 3.836 é do fim de fevereiro, dois meses depois de as letras financeiras terem sido aprovadas pela Medida Provisória 472. “A regulamentação foi feita de forma recorde, pois a intenção era colocar o instrumento logo na rua”, observa o advogado Henrique Filizzola, sócio do escritório de advocacia Souza, Cescon, Barrieu e Flesch.

O desenho das letras foi feito para eliminar entraves à liquidez. Nesse sentido, elas são bem mais modernas que os CDBs

PREÇO EFICIENTE — Até a CVM se decidir como lidará com as distribuições públicas de letras financeiras, as primeiras que ocorrerem terão de ser privadas. Mas os emissores de grandes volumes, provavelmente, vão preferir esperar a chancela da CVM para as ofertas públicas, porque essas garantem mais eficiência na precificação. É o que prevê Paulo Vaz, diretor de tesouraria institucional do Itaú BBA: “O bookbuilding traz visibilidade para os títulos e tem impacto positivo no mercado secundário”. Na visão do executivo, as letras poderão contribuir para formar uma curva de juros que se torne referência no mercado de renda fixa.

Por enquanto, os bancos aguardam ansiosamente a estreia da Caixa Econômica Federal antes de se aventurarem na nova trilha. As pioneiras letras da Caixa devem chegar neste mês de abril. “Vamos testar a taxa de emissão e ver se o mercado secundário se desenvolve”, afirma Marcio Percival, vice-presidente de finanças da instituição. A previsão é de que a emissão fique entre R$ 50 milhões e R$ 100 milhões. Até o fechamento desta edição, não se sabia se os papéis teriam 48, 36 ou 24 meses (prazo mínimo estipulado pela regulamentação).

Investidores institucionais, brasileiros e estrangeiros, são alvo da oferta. E os recursos captados pelos bancos com as letras servirão para financiamentos a empresas. Percival crê que as taxas serão superiores às dos Certificados de Depósito Bancário (CDBs), já que o investidor exigirá um prêmio maior para compensar a impossibilidade de resgatar os papéis antecipadamente. Ele considera o produto interessante para o investidor e para o emissor — que precisa de funding de longo prazo — e observa que as taxas de captação e a liquidez do mercado secundário serão determinantes para o sucesso das letras.

Vaz adianta que o Itaú BBA possivelmente fará uma emissão neste ano. “Mas ainda não especificamos volumes e prazos”, ressalva. Sua expectativa é de que as primeiras letras do mercado tenham vencimento entre três e cinco anos. “Isso vai depender da demanda por crédito de longo prazo”, afirma. O Bradesco é outro que está de olho nas letras e avalia uma colocação futura, segundo a assessoria de imprensa da instituição. Muitos bancos de menor porte também consideram o instrumento atrativo. É o caso do português Caixa Geral – Brasil. “Temos interesse em participar desse mercado, pois muitos clientes necessitam de funding de longo prazo”, afirma Fabio Raposo, superintendente de tesouraria do banco.

PROBLEMA HISTÓRICO — Desde que a estabilidade econômica se tornou uma realidade, e os prazos de empréstimos e financiamentos se estenderam, já se falava sobre a necessidade de um instrumento de captação com prazos mais extensos para os bancos. A Lei 4.595/64, que estabeleceu as bases do nosso sistema financeiro, proibiu os bancos de emitirem debêntures. A única alternativa de captação longa que sobrou foram as emissões de bônus no exterior. Outra possibilidade, a oferta de debêntures pelas empresas de leasing do banco e a consecutiva transferência dos recursos para as tesourarias, perdeu eficácia após o Banco Central baixar a Circular 3.375, em janeiro de 2008, exigindo depósitos compulsórios nessas transferências.

O principal instrumento de captação dos bancos, o CDB, é de curto prazo. Nas épocas de bonança, ele também foi usado para captar recursos de longo prazo. Tudo funcionou relativamente bem até que o vírus da desconfiança, surgido com a crise do subprime, se alastrou por aqui. Muitos investidores pediram resgates antecipados dos CDBs, provocando descasamento de prazo entre os passivos (os depósitos) e ativos (empréstimos) das instituições financeiras. “A crise tornou evidente a necessidade de os bancos terem um instrumento de captação mais adequado aos seus passivos”, afirma Alfredo Moraes, diretor da Anbima, entidade que capitaneou as discussões para a criação das letras.

“Os CDBs são instrumentos seguros do ponto de vista jurídico. Mas é uma prática entre os bancos atender a todos os pedidos de resgate antecipado para evitar rumores sobre sua saúde financeira”, explica Bruno Balduccini, do Pinheiro Neto Advogados. Esse foi um forte motivo para as instituições financeiras saudarem com entusiasmo a criação das letras: o resgate antecipado delas é proibido, dando maior conforto ao banco, que sabe ao certo quando terá de devolver os recursos ao investidor.

FEITA PARA MUDAR DE MÃOS — Grande parte do sucesso do produto está condicionada à formação de um mercado secundário líquido, já que os papéis não podem ser resgatados antes do vencimento. As letras deverão ser registradas na Cetip, que está adaptando o seu sistema de registro. A BM&FBovespa preferiu não se pronunciar no momento sobre a possibilidade de incluir esses títulos no sistema de negociação de renda fixa, o Bovespa Fix.

O desenho das letras financeiras foi feito para eliminar entraves à liquidez. Nesse sentido, os papéis são considerados bem mais modernos que os CDBs. Num mesmo dia e no mesmo banco, CDBs são emitidos com taxas, montantes e prazos que variam conforme o relacionamento com o cliente, o montante da aplicação e a urgência da instituição em captar recursos. Essa falta de padronização inviabiliza a formação de um mercado secundário ativo. O mesmo empecilho não existe para as letras, principalmente em ofertas públicas, em que as taxas são definidas pelo apetite dos investidores. Para Fabiano Guasti Lima, pesquisador do Instituto Assaf, outra vantagem da letra em relação ao CDB é a possibilidade de pagamento de cupom (parte da remuneração) antes do vencimento e as condições mais favoráveis de negociação no mercado secundário.

O objetivo das letras, contudo, não é exterminar o principal instrumento de captação dos bancos, voltado para um público muito mais amplo e adequado à realidade de investimentos de curto prazo. Como a regulamentação restringe a compra da letra aos investidores qualificados, fundos de pensão e clientes de private banking e de family offices são os compradores em potencial dos papéis. As características das letras ajustam-se como uma luva, por exemplo, às necessidades das entidades de previdência complementar. “Esse é um papel interessante para diversificação, por ser de longo prazo”, afirma Luis Carlos Afonso, diretor financeiro e de investimento da Petros, fundo de pensão dos funcionários da Petrobras. Ele espera também que as taxas sejam superiores às do CDB, devido aos prazos mais longos e à impossibilidade de resgate antecipado.

O fato de o instrumento entrar no grupo contábil sobre o qual incide o depósito compulsório desagradou
o mercado

LETRAS X DEBÊNTURES? — Há quem tema uma concorrência das letras financeiras com as debêntures. Em tese, com mais funding de longo prazo, os bancos poderão aumentar e alongar os empréstimos concedidos às empresas, reduzindo assim o número de ofertas públicas de dívida corporativa por esses clientes. Mas esse é somente um dos fatores que interferem na dinâmica das emissões de debêntures. O rumo da taxa de juros e o apetite dos investidores também contam. Numa economia aquecida, pode haver espaço para todas as modalidades de captação. Essa posição é defendida pela Anbima, com base no estudo The Development of Bond Markets around the World, da universidade chilena Adolfo Ibáñez. Segundo os pesquisadores, o desenvolvimento dos bancos e do mercado de dívida corporativa de companhias não financeiras são complementares.

Filizzola, do Souza, Cescon, destaca dentre os pontos fortes da norma a possibilidade de as letras serem subordinadas (nesse caso, o investidor entra no fim da fila de credores para receber os recursos, em caso de falência ou liquidação da instituição financeira) e de servirem para compor o capital de Nível 2 dos bancos. Pelas regras do Acordo de Basileia, que estabelecem os limites de alavancagem das instituições financeiras em relação ao seu patrimônio, há duas espécies de capital: o Nível 1, composto de ações, e o Nível 2, um híbrido entre dívida e equity. Como as letras entram no Nível 2, permitirão que o banco conceda mais empréstimos, sem que os acionistas tenham de aportar mais recursos na instituição.

O aplauso do mercado às letras financeiras não significa que tudo seja perfeito. Algumas alterações devem ser pleiteadas num futuro não muito distante, caso esse mercado realmente se desenvolva. Um ponto que desagradou foi o fato de as letras entrarem no grupo contábil sobre o qual incide o depósito compulsório (atualmente de 15%, mais adicional de 8%). A Anbima deseja aprofundar a discussão sobre isso. “Como o objetivo das letras é alongar os prazos dos empréstimos, não faz sentido penalizar o instrumento”, diz Alfredo Moraes.


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