Na edição passada, começamos a debater o projeto de Lei 112/2010 do Senado. Ele estabelece um percentual mínimo de 40% de mulheres nos conselhos de administração de empresas públicas e sociedades de economia mista da União a partir de 2022. Na coluna deste mês, damos sequência às evidências encontradas sobre a questão da diversidade de gênero nos conselhos, com o objetivo de chegarmos a uma conclusão a respeito da validade do projeto de Lei 112/2010. Aos fatos apresentados no texto anterior, agregamos mais três:
1. Além da questão moral — relativa ao atendimento ao princípio constitucional de igualdade de gênero e às Metas do Milênio da Organização das Nações Unidas (ONU) —, centenas de trabalhos confirmam a existência de um racional econômico em favor do aumento da diversidade de gênero nos conselhos de administração. Já foram publicados em todo o mundo mais de 400 trabalhos científicos (realizados por meio da análise de dados empresariais e de entrevistas com lideranças) com foco na participação das mulheres em conselhos de administração. A grande maioria atesta que uma maior presença de mulheres nos principais centros decisórios acarreta diversos benefícios às companhias, dentre eles:
• presença de mais pontos de vista diferentes para análise das matérias, intensificando os debates e aprimorando as decisões corporativas;
• melhor funcionamento dos conselhos, incluindo menor nível de conflito interno entre os conselheiros;
• melhor aproveitamento do capital humano organizacional;
• maior monitoramento dos executivos;
• melhor visão social e de mercado; e
• adoção de melhores práticas de governança, incluindo uma maior valorização das questões de ordem ética nas decisões de negócio.
Como exemplo, dois pesquisadores norte-americanos constataram, ao analisar 74 instituições financeiras entre 1997 e 2005, que aquelas com maior proporção de mulheres nos conselhos realizaram menos empréstimos subprime e tiveram menor prejuízo posteriormente.
2. O exemplo da Noruega — principal experiência concreta sobre a presença mínima obrigatória de mulheres nos conselhos — não mostra evidência de problemas relevantes ocorridos com as empresas do país, pelo contrário. A Noruega foi o primeiro país a definir um percentual mínimo de 40% de mulheres nos conselhos de administração por meio de legislação específica, em 2006. A mudança ocorreu após dois anos de tentativas voluntárias fracassadas, com baixa receptividade das empresas. Diferentemente do que propõe o projeto de lei brasileiro, na Noruega, a regra é válida para todas as companhias listadas em bolsa, incluindo as de controle privado. Mesmo sendo um país já avançado na questão da igualdade de gênero, a iniciativa gerou uma reação contrária fortíssima dos empresários e executivos à época. Alguns, inclusive, chegaram a afirmar publicamente que teriam que contratar “acompanhantes” para seus conselhos — uma infeliz mensagem de que não existiriam executivas capacitadas para ocupar esses cargos.
Ao final, não se constatou qualquer ruptura ou problemas relevantes com as empresas do país. O percentual de mulheres nos conselhos subiu de 6,8% em 2002 para 40,3% em 2010. Muitos estudos mostram diversos aprimoramentos nos conselhos noruegueses após o aumento da participação das mulheres.
Outros países europeus seguiram a experiência da Noruega e, recentemente, aprovaram leis similares. Na França, todas as empresas a partir de certo porte (até mesmo as de capital fechado) deverão contar com, no mínimo, 40% de mulheres de 2017 em diante. Na Itália, 2015 é o ano marcado para que as companhias listadas e de controle estatal passem a ter, no mínimo, 33% de conselheiras. O mesmo percentual deverá começar a ser cumprido pelas empresas belgas a partir de 2019.
Na Dinamarca, Finlândia, África do Sul, entre outros países, a obrigação de as companhias estatais terem um mínimo de mulheres nos conselhos, como determina o projeto de lei brasileiro, já vigora há tempos.
3. As experiências internacionais com ações voluntárias têm mostrado efetividade bastante limitada. Vários países procuraram aumentar a presença de mulheres nos conselhos por meio de recomendações. No geral, obtiveram pouco sucesso. O próprio caso da Noruega serve como exemplo, haja vista que o país procurou inicialmente uma abordagem voluntária, com um baixíssimo nível de adesão por parte das empresas. Na Espanha, a Lei Orgânica de Igualdade de Gênero, aprovada em 2007, encoraja as companhias a terem pelo menos 40% de conselheiras a partir de 2015. Entretanto, como a recomendação legal não prevê sanções em caso de descumprimento, os avanços vêm sendo muito tímidos — a proporção de mulheres atingiu 11% no início de 2012.
A União Europeia, que vem debatendo o tema ativamente, solicitou às empresas no início de 2011 que se comprometessem formalmente a ter, pelo menos, 40% de mulheres em seus conselhos até 2020. Um ano depois, meras 24 companhias de todo o continente manifestaram interesse em aderir voluntariamente. A Suécia, tida como o modelo de sucesso da abordagem voluntária ao atingir um percentual de 25% de mulheres em 2012, é, na verdade, um caso híbrido. O ambiente empresarial do país tem sido constantemente ameaçado por medidas legislativas similares às adotadas por seu vizinho norueguês ao longo da última década. Ademais, uma proposta do atual governo pretende obrigar as companhias de controle estatal a ter um percentual mínimo de conselheiras, nos mesmos moldes do projeto de lei brasileiro.
Além disso, como parte do problema tem relação com a oferta de conselheiras (e não apenas com a demanda pelas empresas), ações voluntárias para promover maior aculturamento sobre o tema e fomentar o preparo e a rede de relacionamentos das mulheres são complementos bem-vindos, embora não suficientes para sua solução.
Considerando que a questão é muito mais cultural e institucional do que educacional — haja vista que em situações mais meritocráticas como concursos públicos a proporção de mulheres é similar à de homens —, o governo também pode fazer sua parte adotando outras medidas. Entre elas, destacam-se a adoção de políticas contra discriminação no mercado de trabalho e o maior investimento público em creches e pré-escolas, evitando que as mulheres tenham que escolher entre carreira ou família a partir de certo ponto de suas vidas. Essa necessidade de escolha foi observada numa pesquisa publicada na Harvard Business Review, que constatou que cerca de 50% das norte-americanas bem-sucedidas não possuíam marido e filhos (embora manifestassem desejo de tê-los), contra apenas 19% dos homens de elevado sucesso profissional na mesma situação.
Com base nas evidências apresentadas, fica claro que o sistema atual não é meritocrático, e que o Projeto de Lei 112/2010 é uma oportunidade para promover acesso mais igualitário e justiça social. Além de atender à Meta do Milênio da ONU, da qual o Brasil é signatário — de “promover igualdade de gênero e empoderamento das mulheres” — trata-se de uma forma de aproveitar melhor a totalidade do talento nacional, e não apenas 50% dele, bem como de dar um bom exemplo à iniciativa privada. Em vez de um risco, tem-se uma grande oportunidade para os conselhos das estatais aprimorarem seu funcionamento, algo tão necessário — tendo em vista sua atuação em geral passiva e politizada — e relevante para um maior desenvolvimento econômico.
Conceder às mulheres acesso à participação mais equânime nos centros de poder que tomam as principais decisões econômicas do País é um passo positivo. Já deveríamos tê-lo dado há tempos.
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