A divulgação individual detalhada dos montantes recebidos pelos administradores das companhias abertas brasileiras não constitui mera curiosidade ou algo supérfluo. Garantir aos acionistas o direito de saber quanto dos recursos de suas companhias vai anualmente para os administradores a que eles confiaram seus investimentos é uma prática recomendada pelos principais códigos de governança do mundo. Dos países do G-8 (com os mercados de capitais mais sofisticados), apenas o código da Rússia (não reconhecido como exemplar) não recomenda claramente a divulgação detalhada e individual da remuneração dos principais executivos e conselheiros.
Há um entendimento por parte de diversos reguladores de que tal prática pode ter efeitos macroeconômicos positivos, ao contribuir para um maior clima de confiança entre investidores locais e estrangeiros, com consequente desenvolvimento do mercado de capitais e crescimento econômico. Como resultado, mais de dois terços dos países da União Europeia exigem em lei a divulgação individual da remuneração. Dentre eles, França, Alemanha e Itália, caracterizados por estruturas societárias mais concentradas como as nossas. A tendência é que todos os membros adotem essa prática, devido a uma recomendação formal da Comissão Europeia em 2004. Assim, esvai-se o argumento de que a minuta da CVM replica um “modismo” anglo-saxão em um ambiente diferente.
Devemos considerar ainda que a evidenciação detalhada dos sistemas de incentivos propiciaria pesquisas sobre o tema, com potenciais implicações para o mercado. Um exemplo recente, e já considerado clássico, ocorreu no chamado escândalo de options backdating nos Estados Unidos. Em 2004, o pesquisador Erik Lie analisou as datas de concessão dos planos de opções de ações dos executivos norte-americanos entre 1992 e 2002 e encontrou uma estranha regularidade: os planos eram sempre concedidos nas datas de menor cotação das ações do ano. Ao calcular a probabilidade de isso acontecer aleatoriamente, chegou a um número astronômico. Como resultado, lançou a possibilidade de as empresas terem alterado irregularmente o período dos planos. O artigo virou alvo de investigação pela SEC de 120 empresas, com multas, prisões e demissões de CEOs.
Com mais transparência, diversas perguntas podem ser respondidas pelo mundo acadêmico: há relação entre a qualidade do conselho de administração e o nível de remuneração dos principais executivos? Que tipo de instrumento de incentivo proporciona maior geração de valor? Qual é o gasto das companhias com seus administradores em relação ao seu lucro contábil? Quanto os acionistas pagam por mordomias para seus executivos?
Dentre os custos levantados pelos críticos, há também a questão da segurança. Neste item, deve-se avaliar a contribuição que tal divulgação traria para o risco de um alto executivo ser sequestrado. Provavelmente ela é pequena, haja vista que técnicos de futebol e artistas têm seus salários de centenas de milhares de reais divulgados, sem relatos de maior incidência de sequestros.
Aprovada ou não, a minuta da CVM já mostrou uma grande utilidade: separar quem deseja ver mudanças fundamentais de governança corporativa no País de quem apregoa a governança “para inglês ver”.
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