Aceno bom
Ao traçar plano de desinvestimento e eleger um conselho técnico, Petrobras renova as esperanças do mercado

aceno-bom-destaqueA Petrobras, finalmente, saiu do limbo especulativo. Em pouco menos de um mês, chegaram ao mercado o balanço auditado de 2014, as demonstrações financeiras do primeiro trimestre de 2015 e o formulário 20-F entregue à Securities and Exchange Commission (SEC). Forrados de dados negativos, os documentos são um resumo das grandes questões que a petroleira precisará enfrentar para dar a volta por cima. Eles mostram uma companhia problemática. Depois de cinco meses sem informação sobre os resultados, foi anunciado o primeiro prejuízo desde 1991. Um rombo de R$ 21,58 bilhões em 2014 — o maior entre as companhias brasileiras de capital aberto desde 1986, segundo a Economatica. Tamanho estrago deve-se à redução de R$ 44,3 bilhões no valor dos ativos (impairment), às perdas de R$ 6,1 bilhões por conta dos pagamentos indevidos investigados pela Operação Lava Jato e à baixa de R$ 2,7 bilhões pela desistência de construir duas refinarias no Nordeste. A geração de caixa, em proporções bem menores, também recuou. Em 2014, o Ebitda foi de R$ 59,1 bilhões, contra quase R$ 63 bilhões no ano anterior.

O epicentro dos problemas é o pré-sal. Para financiar a exploração do petróleo descoberto na costa sudeste do Brasil, a Petrobras estimou investir, entre 2013 a 2017, US$ 236 bilhões, o que fez do projeto um dos maiores empreendimentos do mundo e também uma mina de ouro para corruptores. Para piorar, o negócio beneficiava os interesses políticos da União em detrimento da saúde financeira da empresa. Pelas regras do setor petrolífero, os exploradores de óleo e gás no País devem contratar fornecedores locais. A ordem deixou a Petrobras dependente de uma cadeia de suprimentos incipiente, pouco especializada, cara e, em diversas ocasiões, incapaz de atender aos cronogramas. “O caso da Petrobras é emblemático. Retrata como uma decisão estratégica acabou por contaminar a empresa, destruindo sua capacidade de gerar resultados”, observa Maurício Carvalho, sócio da assessoria de negócios Condere.

Os interesses da companhia foram sistematicamente colocados em segundo plano. Um exemplo é a escolha do Nordeste para sediar grandes refinarias, a despeito de a região estar longe das maiores áreas de exploração, no Sudeste — Premium I e II, projetos que foram oficialmente abandonados em janeiro, ficariam no Maranhão e no Ceará, respectivamente. Até a reserva de mercado assegurada pelo governo no pré-sal virou um gargalo. A Petrobras deve participar de pelo menos 30% de todos os projetos nas reservas sob a rocha salina; por isso, quando lhe falta capacidade financeira, ficam inviabilizadas novas rodadas de licitação.

A petroleira também ficou espremida pelos preços nas pontas produtora e vendedora. Quando o pré-sal foi descoberto, o barril de petróleo era negociado acima da casa de US$ 100 por barril. Agora, vale a metade. No outro extremo, a companhia foi submetida a uma política de preços de combustíveis que a impediu de repassar aumentos de custos. O objetivo do governo era controlar a inflação. A iniciativa acabou por minar a geração de caixa e impulsionar o endividamento. Ao longo de 2014, a dívida líquida da Petrobras cresceu 27%, para R$ 282 bilhões, quase metade de seu patrimônio líquido. Supera, inclusive, o limite de 35% estabelecido pela própria empresa.

Diante desse cenário, a tarefa de equacionar as contas entrou para o topo das prioridades do novo conselho de administração. Tanto que, em sua primeira reunião, em maio, foi aprovada uma emissão de até R$ 3 bilhões em debêntures. A petroleira não definiu a data da operação; apenas informou que avaliará “as condições de mercado e sua necessidade de captação ao longo de 2015”. Outra providência imediata é a venda de ativos. “A Petrobras precisa se tornar uma empresa menor para ser melhor”, opina Carvalho. Em março, a companhia anunciou a revisão de seu plano de desinvestimento, estimado em US$ 13,7 bilhões para o período de 2015 e 2016. Conforme se noticiou na imprensa, o pacote incluiria usinas térmicas, campos de petróleo e distribuidoras de gás natural. Além disso, a empresa estaria à procura de um sócio minoritário para a Petrobras Distribuidora, dona dos postos de gasolina que levam sua marca.

No curto prazo, a divulgação do novo plano de investimentos, em junho, também pode trazer alívio. Espera-se o detalhamento de quais projetos serão abandonados ou adiados. Além disso, no médio prazo, há mais gordura para queimar. A chegada de Aldemir Bendine, substituto de Maria das Graças Foster, em fevereiro, alimentou as especulações em torno de um provável desmembramento das áreas de negócio. O executivo comandou o Banco do Brasil e foi o responsável pela cisão da BB Seguridade, em 2013. Outra possibilidade avistada pelo mercado é a venda da participação na petroquímica Braskem, em que a Petrobras detém 36% do capital.

Além de correr atrás de recursos, a empresa precisará colocar o dedo em algumas de suas feridas. Caberá ao conselho de administração pleitear a mudança das regras que a sangraram nos últimos anos: a participação obrigatória na exploração do pré-sal, a lei do conteúdo nacional e a interferência do governo no preço dos combustíveis. Os três fatores, somados à redução da cotação internacional do petróleo, acabaram por engolir a eficiência operacional da petroleira. Apesar da crise, a Petrobras bate recorde atrás de recorde de produção. Em abril, atingiu a marca de 800 mil barris ex-traídos por dia em 39 poços do pré-sal das bacias de Santos e Campos. Para que a produção nacional alcançasse esse patamar foram necessários 40 anos e a contribuição de mais de 6 mil poços.

Apesar dos esforços da Petrobras para se recuperar, Daniel Souza e Gilberto Braga, professores do Ibmec-RJ, estimam que o preço das ações voltará ao ápice, cerca de R$ 50, em até dez anos. É bom lembrar que, quando o pré-sal foi anunciado ao mercado, em novembro de 2007, a ação preferencial da Petrobras era negociada na faixa dos
R$ 28. Em relação à cotação atual, de R$ 13 (em 19 de maio), a queda é superior a 50%. “Ainda que haja uma expectativa de recuperação progressiva, a obtenção de lucro com o papel, considerando-se projeções operacionais, pagamento de dividendos e inflação, pode demorar”, prevê Braga. Souza explica que o prazo é longo, entretanto compatível com o setor — projetos novos no segmento exigem investimentos significativos no começo e levam até dez anos para gerar fluxo de caixa positivo.

aceno-bom2Sob a bandeira nacional
Além de revisar a parte operacional do negócio, a Petrobras tem buscado aprimorar suas práticas de governança. No formulário 20-F entregue à SEC em maio, reconheceu as falhas nos controles internos que conduziram à formação, entre 2004 e 2012, de um cartel para desvio de recursos da companhia e pagamentos irregulares a fornecedores. Também admitiu que seus funcionários podem não ter seguido princípios éticos adequados. Antes mesmo de reconher os erros, criou uma diretoria dedicada à governança, comanda por João Elek. A principal função do novo grupo é colocar em prática as normas de conduta que estão previstas no papel, mas se mostraram inócuas na prática. Segundo fontes, a área de Elek anda movimentada. Apesar de ele ter começado com uma equipe enxuta, atualmente centenas de funcionários já trabalham em torno do diretor. Entre outras medidas, pretende estruturar uma ouvidoria geral a ser escolhida por empresa especializada.

A maior prova de que a Petrobras está comprometida com a questão, porém, veio em 29 de abril, data da oficialização de um novo board, livre da presença de ministros. Nem mesmo o processo sancionador que a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) abriu no começo de maio, para apurar se a administração anterior induziu os investidores a erro ao adotar medidas que inviabilizavam o plano de investimentos da petroleira, assustou os recém-chegados. “É uma retribuição ao que o País me proporcionou”, diz Segen Farid Estefen, em referência a seu ingresso no conselho. Estreante no cargo de administrador de companhia, ele integra o grupo de sete conselheiros indicados pela União. “Se precisam de mim, farei o máximo para responder à altura. Não posso me esquivar, pois é um momento muito importante para o Brasil e para a engenharia”, ressalta. Professor da UFRJ e ativo em pesquisas sobre estruturas de navios e plataformas oceânicas, tecnologias de águas profundas e energia dos oceanos, o engenheiro será a voz técnica do board.

Outro novato do time é Roberto Castello Branco. Professor da Fundação Getulio Vargas (FGV) e ex-diretor financeiro da Vale, foi convidado para o cargo no mês de abril. Juntamente com Stefen e com Nelson Carvalho, professor da FEA-USP e um dos maiores nomes da contabilidade no Brasil, foi considerado uma das boas surpresas entre as indicações feitas pelo governo federal. Os demais designados pela União são: Murilo Ferreira, novo chairman da Petrobras que acumulará o cargo com a presidência da Vale; Luciano Coutinho, presidente do BNDES; o advogado Luiz Navarro; Aldemir Bendine, atual presidente da petroleira; e Dayvid Bacelar, eleito pelos funcionários. “É uma oportunidade histórica de reverter o cenário”, considera Castello Branco.

O voto dos acionistas minoritários elegeu Walter Mendes, pelos ordinaristas, e Guilherme Affonso Ferreira, pelos preferencialistas. Experiente na função de administrador, Ferreira enfrentará pela primeira vez o conselho de uma empresa controlada pelo governo. Ele reconhece os riscos inerentes ao cargo e acredita que possam ser reduzidos diante da vigília pública da companhia. “É um misto de curiosidade e oportunidade”, afirma, explicando o aceite ao convite. “Este é o momento propício para mudanças.” Mendes, atual presidente do Comitê de Aquisições e Fusões (CAF), também se mostra confiante e reforça o tom cívico da missão. “Antigamente, diriam que isso é se enrolar na
bandeira [nacional].”

Embora a nova composição do board não garanta uma petroleira primorosa do ponto de vista da governança, o mercado viu a mudança com bons olhos. Ao longo dos últimos anos, o embate de opiniões entre os indicados pela União e os representantes dos minoritários ficou evidente. Manifestações individuais de votos dissidentes somaram-se à divulgação de gravações de reuniões antigas do conselho e evidenciaram o esforço da União de fazer sua vontade prevalecer. Trechos de um encontro realizado no fim de outubro de 2014 mostraram o board dividido em relação ao afastamento de Sérgio Machado, acusado de receber R$ 500 mil em propina. Se permanecesse no cargo, o diretor da Transpetro seria signatário da demonstração financeira do terceiro trimestre. Na época, a PwC relutava em assinar o balanço, sob impacto dos escândalos de corrupção, e exigiu providências da companhia, entre as quais o afastamento do executivo. O presidente da Associação de Investidores no Mercado de Capitais (Amec) Mauro Cunha, eleito pelos minoritários, defendeu o desligamento temporário de Machado, mas Graça Foster e Guido Mantega, não. A reunião foi interrompida e só retomada depois que Machado, por conta própria, licenciou-se da função.

O acesso dos minoritários ao conselho de administração é historicamente complicado. “Enviamos várias cartas a Guido Mantega, então presidente do conselho, cobrando transparência. Nunca fomos respondidos”, conta Daniela da Costa-Bulthuis, gestora da holandesa Robeco, com € 220 bilhões sob gestão. Há anos ela integra o grupo de investidores que se articula para ocupar os assentos do board destinados aos indicados pelos minoritários. “Agora vejo sinais de uma companhia mais aberta a ouvir as demandas do mercado”, avalia.

A primeira reunião do novo conselho já trouxe boas notícias para os minoritários. Walter Mendes foi eleito pelo board para ocupar um dos quatro assentos do comitê de auditoria numa articulação sem complicações. Está aí mais um contraste com o passado recente. Em 2014, a empresa alegou a necessidade de fazer um rodízio entre os conselheiros do comitê de auditoria, até então composto de três membros. Foram retirados do órgão Francisco Roberto de Albuquerque, general do Exército que era conselheiro desde 2010, e Mauro Cunha. Em seus lugares, entraram Miriam Belchior e Luciano Coutinho.

A súbita alteração soou como retaliação aos insistentes pedidos de informações de Cunha e rendeu um processo administrativo em andamento na CVM. Está sob investigação a neutralidade do órgão, obrigatoriamente composto por membros independentes. A ligação dos substitutos com o governo federal é estreita: Miriam é ex-ministra do Planejamento e atual presidente da Caixa Econômica Federal; Coutinho, presidente do BNDES, acumula ainda as funções de conselheiro da Petrobras Distribuidora e da Vale. Embora a recuperação da Petrobras possa demorar anos, é um alívio para os investidores saber que a companhia está disposta a mudar. Seja por vontade do acionista controlador. Ou por falta de escolha.

Ilustração: Grau 180.com.


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