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Desconfiança no ar
Assimetria de informação entre administradores e minoritários afasta acionistas dos sistemas de voto por procuração eletrônica

, Desconfiança no ar, Capital Aberto

No mês passado, uma carta assinada por um grupo de 15 investidores institucionais que administram juntos mais de US$ 2 trilhões formalizou seu apoio à norma que regulamentou o uso do voto por procuração eletrônica no Brasil. Dentre eles estão importantes fundos de pensão brasileiros e internacionais, como a Previ, dos funcionários do Banco do Brasil; o Calpers, dos trabalhadores públicos da Califórnia; e o Ontario Teachers’, de professores canadenses. Manifestações desse tipo, no entanto, ainda não resultaram em crescimento do número de usuários dos sistemas de voto eletrônico, incentivados pela Instrução 481 da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), emitida em dezembro de 2009. A dificuldade é convencer os investidores de que as plataformas são seguras e confiáveis.

O receio é compreensível. No Brasil, a contratação do prestador de serviço da plataforma eletrônica cabe exclusivamente à companhia e, portanto, aos seus administradores. Aos minoritários é dada a possibilidade de um pedido público de procuração — eletrônico, caso a empresa tenha uma plataforma contratada, ou convencional. E é justamente nas situações em que há discordância entre minoritários e a administração, geralmente influenciada pelos controladores, que o desconforto (e a desconfiança) ficam mais evidentes.

A Brasil Telecom foi a primeira — e única, até o momento — a enfrentar essa situação com a plataforma. Em junho, convocou os minoritários para aprovar a relação de troca de suas ações por papéis da Oi. Descontente com a proposta, a Polo Capital, minoritária da companhia, lançou um pedido público de procuração eletrônica concorrente ao da administração. Os minoritários levaram a melhor, mas não por meio das procurações recebidas pela internet. A maioria optou por participar pessoalmente da assembleia ou enviar seus procuradores. Nessas horas, pensaram, melhor não arriscar.

Para alguns investidores, é inconcebível que a administração possa saber, em primeira mão, a posição oficial da maioria. As plataformas permitem que os administradores acompanhem a chegada das procurações e recebam um relatório dos votos no fim do processo. De posse dessa informação, os minoritários temem que os administradores usem as 48 horas que, em geral, separaram a votação eletrônica das assembleias para se articular em benefício próprio. O período não está previsto na regulamentação, mas foi adotado por várias companhias. Engloba o tempo que a CBLC, custodiante das ações, teria para informar a posição acionária ao banco escriturador e este, à companhia. No entanto, esse intervalo é considerado extenso. “O prazo me incomoda. Dois dias é um absurdo”, comenta Eduardo Souza, da Jardim Botânico Partners.

Para minimizar a dúvida, a guarda das procurações poderia ser feita por uma entidade independente

VIA ALTERNATIVA — Para contornar o problema, Pedro Rudge, sócio da Leblon Equities, sugere que a guarda das procurações seja feita por uma entidade independente até o momento da assembleia. “Agentes externos poderiam supervisionar e fazer a contabilização dos votos”, propõe. Esse é o modelo praticado nos Estados Unidos no caso das assembleias em que alguns acionistas confrontam as propostas defendidas pela administração. Quando os investidores se reúnem para vencer uma votação nas chamadas “proxy fights”, as orientações de voto são enviadas para uma instituição independente, que tabula os votos sob confidencialidade e os revela somente pouco antes da assembleia. “Essa espécie de inspetor poderia tranquilizar os investidores no Brasil”, opina John Wilcox, presidente do conselho de administração da consultoria de governança corporativa Sodali.

Governança é um tema pelo qual Wilcox passeia com desenvoltura. Ele foi responsável por essa área no TIAA-Cref, fundo de pensão norte-americano engajado em várias campanhas em defesa de direitos de acionistas. Quanto à possibilidade de administradores de companhias abertas cancelarem uma assembleia só por saberem, antecipadamente, o resultado de uma votação eletrônica, o especialista enfatiza ser necessário que a regulamentação não permita esse tipo de manobra. “A maioria das leis corporativas veda ações como essas”, argumenta.

Se a regulamentação brasileira deixa brechas para atitudes de má-fé, as companhias podem evitar esse conflito por conta própria. Na plataforma eletrônica da consultoria Firb, a Assembleia na Web, o serviço padrão é contratar procuradores independentes e dar à companhia, no fim do prazo de envio das procurações, um relatório da votação. Mas, se quiser, a empresa pode abrir mão do acompanhamento dos votos. “O que recomendamos é deixar claro para os acionistas que a companhia preferiu não checar os votos e conhecê-los apenas no momento da assembleia”, diz Arleu Anhalt. Até o momento, a Firb tem como clientes a Eternit e a Natura. Por enquanto, nenhuma delas registrou pedidos de procuração de acionistas minoritários.

As empresas também podem reduzir o espaço de tempo entre o término da votação eletrônica e a assembleia. “Quem determina o período de votação é a companhia. Quanto mais próximo da assembleia ele se encerrar, maior é a adesão”, observa Denys Roman, CEO da Assembleias Online. Experiências recentes, contudo, ainda mostram números modestos. Na assembleia-geral extraordinária (AGE) da Brasil Telecom, o prazo para envio das procurações terminou à meia-noite da véspera da assembleia e registrou 50 participantes. Na última AGE da Petrobras, que deliberou sobre o projeto de capitalização para exploração do petróleo da camada pré-sal, o mesmo prazo de votação foi adotado, e 35 acionistas votaram pelo sistema eletrônico.

MELHORIAS A CAMINHO — Cientes da desconfiança que ronda as plataformas de votação, os fornecedores do produto prometem trazer novidades para a temporada de assembleias ordinárias do ano que vem. A Assembleias Online pretende lançar uma ferramenta de acompanhamento das procurações exclusiva para minoritários que lancem pedidos públicos. A Assembleia na Web, por sua vez, aposta na simplificação do processo de cadastro. No lugar da certificação digital, a Firb adotará o sistema “firmas e poderes”, uma espécie de assinatura digital comum em contratos bancários.
“Não é um certificado, mas comprova a autenticidade do acionista sem que haja necessidade de instalação de plug-ins”, explica Byung Soo Hong, sócio do escritório Madrona, Hong, Mazzuco Sociedade de Advogados.

Para a Associação de Investidores no Mercado de Capitais (Amec), a falta de confiança é apenas um dos fatores que explicam o baixo quórum dos investidores, apesar de reconhecer que ela existe. “Há outros pontos, como gestores que têm como prática participar presencialmente das assembleias”, explica Edison Garcia, superintendente da entidade. A Investidor Profissional (IP) ainda não começou a usar a plataforma digital porque depende da adesão dos administradores de seus fundos. Como gestora, a IP toma as decisões de investimento, mas depende de uma procuração do administrador para participar da assembleia. Como nem todos eles entraram na era digital, não faria sentido a gestora adotar um mecanismo de votação que não fosse uniforme para todos os seus fundos. “A companhia tem de aceitar a procuração eletrônica, e o representante legal do fundo precisa nos dar uma procuração digital”, afirma Luiz Motta, analista de empresas da IP.

A discussão acerca das ferramentas eletrônicas de voto não é uma exclusividade brasileira, apesar de os debates internacionais estarem em estágio mais avançado por conta do desenvolvimento da indústria e dos prestadores de serviço. Nos Estados Unidos, a reflexão mais recente gira em torno dos conflitos de interesse presentes nas empresas que fazem recomendação de voto para assembleias. A Securities and Exchange Commission (SEC) aguarda, inclusive, comentários do mercado que contribuam na reforma de sua regra. A preocupação se concentra, principalmente, no fato de proxy advisors trabalharem e serem remunerados, ao mesmo tempo, fazendo recomendações de voto a investidores institucionais e oferecendo serviços de consultoria em governança corporativa às companhias.


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