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A arte de explicar a crise
Álvaro Bandeira

, A arte de explicar a crise, Capital AbertoDia desses, o economista Álvaro Bandeira estava subindo pelo elevador de seu prédio, no bairro carioca da Gávea, quando foi abordado por uma vizinha. Como a maioria dos moradores, ela conhece a natureza de seu trabalho, de tanto vê-lo em entrevistas na televisão e nos jornais. A vizinha queria saber se ele estava bem, se não andava muito nervoso e trabalhando demais. “Trabalhando muito, sim. Nervoso, não”, respondeu, convincente, com o semblante tranqüilo de sempre.

Considerando a rotina como diretor e economista chefe da Ágora, corretora líder de home broker no País, bem como a volatilidade do mercado acionário nos últimos tempos, pode-se concluir que a tranqüilidade é mesmo um traço forte da personalidade de Bandeira. Ele chega ao trabalho às 7h15, depois de ter lido os jornais e sintonizado a TV Bloomberg em casa. Na hora seguinte, faz uma imersão nos sites e nos mercados internacionais, para escrever um artigo que entrará no portal da corretora às 8h30. Se o dia se prenunciar negro, com quedas brutais na Ásia e na Europa, por exemplo, ele nem tem com quem conversar. “A essa hora, ninguém chegou ainda”, resigna-se.

O dia todo será corrido e incluirá a gravação de três boletins para o Ágora TV, dois para a TV Aeroporto e um para o Globo Online. “A informação é absolutamente contínua; recebo e processo ao mesmo tempo”, diz o diretor. “Analisar e repassar a informação rapidamente é importante, para explicar o que está acontecendo ao investidor e tentar acalmá-lo.” Tarefa difícil a de Bandeira.

Para chegar lá, na explicação, o economista conta com o apoio da sua equipe e com a experiência de 38 anos no mercado de capitais. Embora tivesse planos, ao ingressar na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), de se tornar um economista “puro”, que trabalhasse para o governo ou na área acadêmica, Bandeira acabou fisgado pelo mercado de capitais em seu primeiro estágio, no antigo banco Brascan. Quando ameaçou seguir para outro estágio, no Ipea, recebeu um convite para ser analista de investimentos do banco. “Não parei mais. O mercado de capitais virou uma cachaça, um vício”, resume. “O que me seduz é a dinâmica, a possibilidade de ler nas entrelinhas, fazer descobertas e acertar a direção.”

Foi graças à precisão, e profusão, dos acertos que Bandeira começou a se destacar como gestor de investimentos, no início da carreira. No banco Lar Brasileiro, do Chase Manhattan, o fundo que administrava liderou o ranking dos mais rentáveis dois anos consecutivos. Quando ele se mudou para o Bamerindus, conseguiu em poucos meses alçar o seu fundo de investimentos da 14ª colocação para a 6ª. No ano seguinte, já era líder, na casa nova. A experiência como analista de empresas, entre 1971 e 1974, ajudava na avaliação dos ativos, embora na época a maioria das companhias não primasse pela transparência na divulgação de informações.

“Na minha primeira entrevista como analista, o vice-presidente da empresa foi logo avisando que não ia responder nada”, recorda-se Bandeira. Ele não desanimou, afinal o trabalho era melhor do que o anterior, em que passava o dia anotando as cotações “cantadas” pelo rádio a cada 15 minutos. Na bolsa, os telefones de manivela eram reservados para as corretoras, e os bancos acompanhavam as alterações feitas no quadro negro do pregão pelo rádio.

Foi nesse contexto precário que Álvaro Bandeira viu de perto a primeira crise do mercado acionário brasileiro, a partir de 1971. “Nem dá para comparar, porque o mercado é outro, tão grande foi a modernização.” Ele próprio participou ativamente dessa história, como conselheiro da Bolsa de Valores do Rio, após o Caso Nahas, e trabalhando no processo de fusão com a Bovespa. Hoje, é presidente da Associação dos Analistas e Profissionais de Investimento do Mercado de Capitais (Apimec Nacional). “Se, no passado, as empresas nem divulgavam as vendas, consideradas estratégicas, hoje o nível de informação é até difícil de digerir. O desafio é saber lidar com a quantidade de variáveis que precisam ser analisadas.”

Entusiasmado com os avanços dos últimos anos, o economista não se deixa abater pelas previsões sombrias para os mercados no curto prazo. “Sou um otimista convicto”, afirma. “Mas a crise é planetária e devemos falar dela abertamente para os investidores, até para espantar os fantasmas.” E quando um deles, especialmente um novato no mercado, fica mais exaltado? “Nessa hora lembro que o mundo não acabou. Se ele investiu, mesmo que a preços muito mais altos do que agora, em boas empresas, com governança, pagadoras de dividendos e de setores sólidos, um dia isso vai voltar.” Para a esposa, que ele flagrou outro dia indignada à frente do computador, diante da cotação de suas ações, Bandeira reservou um conselho a mais: não olhar a tela, para evitar sofrimentos. “Nem todo mundo consegue se manter calmo”, observa. Ele, definitivamente, consegue. No dia desta entrevista, a Bolsa de Nova York atingia o seu menor patamar em cinco anos, diante da expectativa de quebra de montadoras americanas e da ata da reunião do FED, prevendo contração de até 0,2% na economia do país. No estúdio da corretora, com os holofotes já ligados, Bandeira preparava-se para entrar no ar e explicar, mais uma vez, o que estava acontecendo.

Fontes de informação — Principalmente as oficiais. Tem uma equipe pesquisando em sites, como o IBGE, Ipea e CVM, o dia inteiro. Nos sites do FMI e do Banco Mundial, diz ele, costuma haver ótimos estudos. “O jornal, para nós, é velho. Leio na diagonal e recorto o que quero ver depois, quando tiver tempo.”

Uma admiração – Os economistas Celso Furtado e William Sharpe. “Tinha ojeriza do Furtado, porque fui obrigado a ler um livro dele no colégio, sem entender nada. Quando entrei na faculdade e o professor, que era o Pedro Malan, indicou sua leitura, fiquei deslumbrado. Já o Sharpe, prêmio Nobel e papa da avaliação de investimentos, tive a honra de conhecer, e até almocei com ele.”

Uma ambição – “Nasci para ter amigos. Minha ambição é manter os antigos e fazer novos.”

Otimismo X pessimismo – “Sou um otimista convicto. A diferença entre um e outro é que o pessimista sofre mais.”

Cuidado com a saúde – Não bebe, fuma pouco, caminha na praia e “pega uma bicicleta de vez em quando”. “A experiência de mercado ajuda a evitar o estresse.”

Hobbies – Ouvir música e ler romances. “Adoro Rubem Fonseca e Josué Montello.”

Livro de cabeceira – “O perfume de Jitterbug”, de Tom Robbins, sobre a busca da fórmula da longevidade. “Alguém levou o livro da minha casa e consegui outro, todo remendadinho, em um site de livros usados.”

Horas de sono – Cinco horas por noite. “No restante do tempo, fico ligado direto, trabalhando ou escrevendo artigos em casa. Mas, no fim de semana, desligo completamente.”

Crise serve para … – Aprender e purgar. “Seria preferível que esse aprendizado não tivesse sido tão na carne.”

Momento de realização – Escrever, não só artigos técnicos como crônicas. “Guardo elas para mim, mas às vezes penso em escrever um livro, contando as histórias desses 38 anos de mercado.”

O que lhe tira do sério – Mentira e pessoas dissimuladas. “Gosto de gente transparente e tenho horror de cara feia.”

Dez anos atrás – Era diretor da corretora Senso. Daqui a dez anos – “Espero ter mais dez anos de mercado de capitais, e ver a crise passar.”

Conselho para quem está começando – Gostar da dinâmica do mercado, estudar muito e saber olhar o mundo inteiro. “Tem de gostar do que faz, para conseguir trabalhar 13, 14 horas por dia.”

Que talento gostaria de ter – Ser músico.

Análise gráfica x fundamentalista – “Quanto mais ferramental, melhor a avaliação.”

Regulação ou auto-regulação – “A regulação vai endurecer, não sabemos exatamente o quanto. A auto-regulação terá de ser exercida por cada público. Na Apimec, estamos nos preparando para fiscalizar e dar treinamento continuado.”

Mea-culpa – “Desde o início de 2007 alertávamos os investidores sobre riscos, mas hoje acho que poderíamos ter feito mais.”

Sobre previsões – “Não acredito em previsões estratosféricas, feitas para marcar posição”.


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