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Série “Mitos do ESG” causa indignação
Conselheiro de empresas causa alvoroço ao defender que a única responsabilidade social da empresa é maximizar lucros
Série “Mitos do ESG” causa alvoroço entre defensores do capitalismo consciente
Imagem: freepik

Se alguém perguntar para um participante do mercado de capitais qual o significa da sigla ESG, a resposta é imediata: o acrônimo refere-se à adoção de práticas ambientais, sociais e de governança. O assunto, que há dois anos era pouco falado na imprensa e nos conselhos de administração das companhias, ganhou força à medida que a crise climática e a pandemia deixaram rastros de destruição nas economias mundiais. Foi nesse contexto que o ESG se consolidou como um aspecto crucial para a viabilização do capitalismo consciente e para a sustentabilidade das empresas no longo prazo. Há, no entanto, quem não compre essas ideias.  

Um deles é Hélio Beltrão, membro dos conselhos da InMetris, Le Lis Blanc e do Instituto Millenium. O engenheiro estudou na Escola de Chicago, que tem como um dos principais representantes o professor Milton Friedman, vencedor do prêmio Nobel de Economia em 1976. Friedman tornou-se o pai do chamado capitalismo de shareholders ao defender, em artigo do New York Times, que a única responsabilidade social da empresa é maximizar os lucros dos acionistas. Dado esse histórico, não chega ser totalmente inusitado o posicionamento de Beltrão em uma série de três artigos publicados na Folha de S.Paulo, intitulada “Mitos do ESG”. Nela, o autor se propõe a desmistificar duas ideias: a de que as empresas deveriam priorizar o bem-estar da sociedade e dos stakeholders em vez da própria saúde financeira, e de que os investimentos em fundos (ou ETFs) ESG contribuem com o meio ambiente e causas sociais. 

Publicados entre o fim de setembro e a primeira quinzena de outubro, os artigos de Beltrão causaram perplexidade entre diversos participantes do mercado. Um deles foi Fábio Alperowitch, sócio-diretor da Fama Investimentos e conselheiro emérito do Instituto Capitalismo Consciente Brasil (ICCB). Um dos gestores de recursos mais vocais sobre a importância das práticas ESG, ele escreveu, em parceria com Hugo Bethlem, chairman do ICCB, um artigo no qual contesta os argumentos de Beltrão. O texto, divulgado no site de notícias InvestNews, deixa clara a indignação dos dois já no título: “Desmitos do ESG: por que não devemos ouvir os ‘profetas do atraso’”. 



Rótulo inócuo? 

No primeiro texto da série, Beltrão critica a “visão moderninha” de que as organizações devem adotar iniciativas de responsabilidade socioambiental para prosperar no longo prazo e beneficiar todos os seus stakeholders. Segundo ele, empresas que “continuamente atendem as necessidades do cliente e seguem a lei e os padrões éticos” já estariam exercendo função e valor social ao fornecer produtos e serviços em melhores condições de preço e qualidade. E isso seria o suficiente para serem premiadas com maior lucro e longevidade.  

“O ESG, neste caso, não passa de um rótulo inócuo; o bom administrador já adotaria tais práticas ao perseguir a real geração de valor. Isso é a própria Doutrina Friedman”, ressalta Beltrão. O engenheiro defende ainda que somente um padrão é capaz de equilibrar os interesses dos vários stakeholders de forma não arbitrária: a valorização financeira da companhia. Nesse contexto, acrescenta, causas ESG, quando apoiadas, teriam como fim o interesse da própria empresa.  

Na visão de Alperowitch e Bethlem, esse pensamento, compreensível décadas atrás, é inconcebível nos dias atuais. “Um sistema econômico que recompensa a maximização da riqueza sobre o bem-estar alheio e prioriza o individualismo sobre a interdependência não pode manter-se funcional no longo prazo”, opinam. “Cada vez mais empresas têm percebido que, para seus negócios prosperarem, precisam ter um propósito, uma razão de ser, que deve responder à simples questão: ‘qual dor da sociedade nosso negócio se propõe a curar?’”. 

Greenwashing 

A premissa de que as companhias precisam ter um propósito capaz de beneficiar todos os stakeholders é encarada por Beltrão como jogada de marketing. Em seu texto, ele observa que muitas empresas adotam as práticas ESG não necessariamente para gerar um impacto real, mas para diminuir o risco que os acionistas percebem em seus negócios. Essa “motivação marota”, nas palavras de Beltrão, poderia explicar parte significativa da popularização do ESG. Em seu perfil no LinkedIn, Alperowitch contesta a afirmação, observando que o engenheiro “usa como argumento a falta de ética para atacar a prática”, como se aqueles que transgridem a lei, por exemplo, tivessem razão em culpar a legislação em vez de sua própria conduta. 

Igualmente polêmica é a visão de Beltrão de que o capitalismo de stakeholders vai de encontro à lei. Segundo ele, a maior parte dos ordenamentos jurídicos do mundo — principalmente os baseados no direito consuetudinário (Common Law) — determina que os administradores de empresas têm o dever fiduciário de defender o melhor interesse da empresa. Dessa forma, frisa, uma ação ESG que visa gerar benefícios a terceiros em detrimento do acionista seria vedada.  

Cofundador da Dynamo e diretor-executivo do Sistema B no Brasil, Marcel Fukayama publicou um post no seu perfil no LinkedIn rebatendo o argumento. “No Brasil, é dever do administrador lograr o melhor interesse da empresa, satisfeitas as exigências do bem público e função social (Art. 154 da 6404/76) — ou seja, uma empresa que busca puramente atender aos interesses dos acionistas está exposta juridicamente, além de ampliar seu risco de perder valor para o mercado, para a sociedade e para o planeta”, esclarece Fukayama. 

Falsos mitos 

Diante das inúmeras críticas disparadas por quem entende em profundidade os aspectos ESG, a impressão é de que Beltrão não fez a lição de casa e, pior, inventou mitos. “Seria mais digno, ao menos, tratar de mitos existentes — e existem vários! Há quem acredite, por exemplo, que responsabilidade seja inimiga da rentabilidade; que práticas ESG sejam só para empresas grandes; ou que ESG seja inflacionário”, afirma Alperowitch. “Também seria interessante, por exemplo, que [o autor] ilustrasse a sua argumentação com casos práticos: qual investidor que investe em ETF ESG com o objetivo de criar impacto social através de sua aplicação?”, provoca. Ainda bem que o gestor e outros defensores do capitalismo consciente não deixaram que tantas incoerências passassem despercebidas.


Notas
¹ “O mito do ESG”, por H. Beltrão: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/helio-beltrao/2021/09/mitos-do-esg.shtml 
² “Mais mitos do ESG”, por H. Beltrão: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/helio-beltrao/2021/10/mais-mitos-do-esg.shtml 
³ “Mitos do ESG #3”, por H. Beltrão: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/helio-beltrao/2021/10/mitos-do-esg-3.shtml  
⁴ Desmitos do ESG: por que não devemos acreditar no ‘profetas do atraso'”, por F. Alperowitch e H. Bethlen: https://investnews.com.br/colunistas/desmitos-do-esg-por-que-nao-devemos-ouvir-os-profetas-do-atraso/  

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