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“O mandato do Campos Neto já acabou. Precisa avisar ele que já ganhou o jogo e para não estragar na reta final”
Luiz Carlos Mendonça de Barros
Luiz Carlos Mendonça de Barros

Algumas personalidades têm currículos que exigem elevada capacidade de síntese para serem narrados, sem perder pontos importantes ou tomar excessivamente o tempo do leitor. É este o caso do engenheiro de formação Luiz Carlos Mendonça de Barros, que tem um currículo invejável nos setores público, privado, no mercado financeiro e, mais recentemente, no setor automotivo. Aos 81 anos, o executivo que já foi diretor do Banco Central, presidente do BNDES, ministro das Comunicações, sócio de banco, de corretora e da Quest Investimentos, de onde saiu para a Foton Aumark do Brasil, empresa do ramo de caminhões, associada a uma das maiores companhias chinesas do setor, a Foton Beiqi.

Com a autoridade de quem teve como primeiro “patrão” Roberto Campos, um dos economistas mais importantes do país e avô do atual presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, dá um conselho: “Não precisa acelerar os cortes, mas pelo menos mantenha o ritmo, ou vai enfraquecer a posição do ministro Haddad e dificultar a própria transição no BC”. Em entrevista à Capital Aberto, Mendonça falou de política monetária, do papel do BNDES e do mercado de crédito privado que “precisa sofisticar os instrumentos de avaliação de risco”.

Luiz Carlos Mendonça de Barros, “O mandato do Campos Neto já acabou. Precisa avisar ele que já ganhou o jogo e para não estragar na reta final”, Capital Aberto

Como o sr. avalia o momento da economia brasileira?

O país está muito melhor do que há algumas décadas. Muitos não imaginam o que já foi a economia e o mercado financeiro. Eu sou da época em que, quando você fazia uma aplicação, o título era físico. Fui diretor de normas do Banco Central no governo Sarney e na época um banco depositar no outro era crime federal Não era só a inflação nas alturas, mas a realidade era completamente diferente.

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Quando foi o ponto de virada?

No governo do Sarney, era uma cirurgia a céu aberto. No governo do Fernando Henrique Cardoso, as coisas já estavam organizadas. Seguimos com as privatizações, mas já era outra realidade. Olho para o Brasil hoje e vejo a geração mais nova fazendo terapia, querendo mudar o Brasil de uma forma que nunca vai ser mudada. Quem vai para o governo precisa ter um pouco essa noção. De como somos como nação e o que nós podemos ser.

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Um debate importante hoje é sobre a condução dos juros e o combate à inflação. Em que pé estamos, na sua visão?

Uma meta de 3,5% de inflação para o Brasil é uma coisa extraordinária, mas seguem buscando 3%. Na verdade, os 3,5% é mais brasileiro do que o 3%. Ainda bem que o Fed e BC europeu, hoje, são menos conservadores. A inflação nos Estados Unidos perseguida é 2%. Quando a gente compara 2% com 3,5%, é um espetáculo o que temos. Outro exemplo de como o Brasil melhorou é o câmbio. O ano passado foi o primeiro em que o Banco Central não vendeu dólar no mercado. Para mim, é uma amostra de que nós estamos numa situação extraordinariamente boa e diferente do passado.

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Nos últimos anos, a Selic baixou à mínima histórica de 2% ao ano, em 2020, depois subiu a 13,75%. Agora está em trajetória de cortes pelo BC. Este movimento foi correto?

É preciso ter capacidade de entender o momento em que o Banco Central age. Quando começou o aperto monetário, o país e o mundo todo vinham de uma expansão fiscal brutal porque havia um pânico diante de um evento desconhecido, a pandemia. E o que você teve foi um choque contrário. A capacidade de reação dos governos foi muito mais rápida do que se esperava, de maneira que você ficou todo mundo com um mico na mão. O mérito do Campos Neto foi exatamente este. Nós tivemos uma expansão fiscal de 10% do PIB para combater uma recessão que não veio. Naquele momento, era difícil você ter um padrão do que seria o excesso na política monetária. Foi um movimento necessário.

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Neste momento, vivemos o afrouxamento da política monetária, com um ritmo de cortes muitas vezes criticado por parte do mercado financeiro, que vê excesso de cautela. Qual sua opinião?

Demorou um pouco, mas começaram a reduzir. De novo, sempre sob o impacto do susto. O conservadorismo neste momento é porque ele (Campos Neto) insiste em chegar no 3% de meta de inflação. A natureza do erro, agora, é diferente. Eu entendo o que ele fez para chegar nos 13,75% ao ano. Agora, eu acho que ele está confundindo as coisas.

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Confundindo em que sentido?

Por exemplo, inflação de 3% ou de 3,5% está na margem de volatilidade. Nós já estamos na meta e ainda assim temos um juro real de mais de 6% ao ano, que é um erro. Veja os problemas no agronegócio, endividado, corremos o risco de ter quebradeira. E o que é pior? O mandato do Campos Neto já acabou. Precisa avisar ele. Alguém tem que chegar para ele e dizer você já ganhou o jogo, não estraga na reta final. Em breve ele será trocado por outro tipo de profissional.

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Estragar, na sua visão, seria reduzir o ritmo de cortes ou mesmo interromper?

Claro. Continua baixando o que está baixando. Segue o ritmo. Para mim, o grande problema que nós temos para frente é essa transição. Com um juro real tão alto, como será na hora de trocá-lo? A tendência do presidente Lula vai ser buscar alguém mais próximo do que o PT pensa, o que será outro erro. Seria melhor uma transição mais adequada para que o próximo presidente do BC não seja tão radical. Algo menos traumático.

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A última ata da reunião do Copom sinalizou mais um corte de meio ponto, deixando em aberto os próximos movimentos. Qual a leitura desta mudança de tom?

É porque ele já está querendo baixar o tom. Por isso, se eu pudesse dar algum conselho a ele (Campos Neto) seria esse. Não provoca agora. Deixa o ritmo de corte como está. O juro real vai cair de qualquer maneira a partir de janeiro. E o mercado sempre se antecipa, não vai esperar. O mercado vai mudar o juro real para os dois lados, para o bom e para o mal, agora a partir de setembro quando começa a vazar o nome do substituto dele à frente do Banco Central. Não precisa acelerar os cortes, mas pelo menos mantenha o ritmo, ou ele vai enfraquecer a posição do ministro Haddad e dificultar a própria transição no BC.

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Até aqui, sua avaliação sobre a condução da política monetária é positiva?

Sim, ele (Campos Neto) foi um cara extraordinário do ponto de vista de presidente do BC de um país como o Brasil. Por isto é que este é o momento em que deveria começar a preservar a saída dele e a transição. Tudo é aprendizado, ele foi bem na crise dos últimos anos. Sei que ele é de outra geração, bem diferente. E o meu medo é este. Eu que já cumpri a minha missão e como um economista keynesiano que sou tenho uma visão mais ampla das coisas, porque eu já estive lá duas vezes, eu vi como funciona. A missão do Campos Neto agora é trabalhar junto com o Haddad por uma transição adequada no comando do BC, evitando que os mais radicais do PT ganhem espaço e influenciem na mudança.

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Um dos argumentos expressos na ata do Copom para o ritmo atual de corte é a cautela diante incertezas sobre o juro global, principalmente o Fed. Faz sentido na sua visão?

Olha, essa é outra coisa que a minha geração aprendeu. Trust the Fed’, confia no Fed, eles já estão fazendo as coisas direito. O problema americano é diferente do nosso. A expansão fiscal no Brasil foi diluída, a expansão fiscal lá foi toda concentrada em aumentar o poder de renda do trabalhador com medo da recessão, que não veio. A massa de rendimento está alta e a inflação pressiona, é alta para os padrões americanos. Vai levar mais tempo. O Fed tem credibilidade histórica suficiente para conduzir a economia americana. Se reduz agora ou daqui a um tempo, tudo bem. No passado, isto interferiria na cotação do dólar no Brasil, mas a dinâmica do câmbio aqui mudou.

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Mudou em que sentido os mecanismos do câmbio?

Nós temos uma estrutura de balanço de pagamento, hoje, diferente do que nós tínhamos no passado. Sobra dólar na nossa conta corrente. Exportamos muito e é de forma estrutural. A China pode comprar mais ou menos, mas sempre adquire nossos produtos. A minha visão é esta. A situação é muito boa. Nós temos uma transição que tem que ser administrada com inteligência, que é a transição do Campos Neto para o nosso próximo presidente. O mandato está no fim e ele não tem mais a liberdade que ele acha que tem. Se ele não fizer essa administração, a escolha de seu substituto pode ser mais radical.

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Quando há movimentos de cortes nos juros domésticos muitos veem riscos de fuga de recursos estrangeiros, principalmente do investidor. Isto é relevante?

As posições do investidor estrangeiro no Brasil é uma parte pequena do portfólio global dele. Ele pode até mudar a alocação, da renda variável para a renda fixa local, por exemplo, mas não vai ficar saindo do país como um todo. O Brasil tem sinais externos de uma mudança estrutural que aconteceu. Olha o tamanho da Embraer, que tive o prazer que ajudar a fortalecer quando estive no governo, veja o setor elétrico, que não precisa mais do dinheiro do governo, é dinheiro de investidor. Sem falar no setor agrícola dos últimos 20 anos. Que investidor vai sair do Brasil para o México para ganhar 1% a mais? Não vai. Mesmo a saída de investidores da bolsa hoje é pontual e fruto da alta das ações e de realização de lucro. Quando o brasileiro saiu do mercado de ações, o estrangeiro comprou lá embaixo e agora está realizando.

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O sr. foi presidente do BNDES, que teve papel importante para estimular o mercado de capitais. Qual sua visão sobre a evolução dos instrumentos de captação?

Nós temos hoje uma plataforma de transação de instrumentos de renda fixa muito moderna. Pela institucionalidade e pela capacidade dos bancos brasileiros de operar esse setor. Agora, por outro lado o pessoal que atua com instrumentos de crédito privado, fora dos grandes bancos, não tem a mesma experiência. Não é possível, sem citar nomes, que quem tinha debêntures de determinada empresa, varejista, não identificou o risco adequadamente. Faltam mecanismos mais sofisticados de análise de crédito. Nós vamos ter problemas de crédito no setor agrícola esse ano. É um setor que para você acompanhar risco de crédito necessita de uma estrutura completamente diferente do que uma indústria ou um comércio. Crédito por muito tempo foi algo exclusivo de banco. Quando passa para ser feito por um fundo, é um outro mecanismo. Ainda vai um tempo para formar uma estrutura analítica de crédito como tinham os bancos.

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No agronegócio, por exemplo, qual a diferença?

Fundos de crédito não têm a capilaridade dos bancos. Eu me lembro de um diretor de banco uma vez, que me falou Mendonça, nós no Bradesco fomos treinados para tomar café com o dono de uma empresa do interior, pelo menos uma vez por mês. Para ver se ele está tremendo com uma xícara na mão, se está de carro de novo. Porque são sinais indiretos. Isso o bonitão da Faria Lima não vai saber. Ele não tem a menor ideia. Então isso é óbvio que em alguns momentos vai dar errado. Falta de maturidade desse segmento que é o crédito privado.

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E o papel do BNDES ainda é necessário para o avanço do mercado de capitais?

Não, o BNDES ficou pequeno. As pessoas não perceberam. E o BNDES sempre escolhia três ou quatro segmentos para focar. Por exemplo, na minha gestão, começou a aplicar dinheiro em fundo de crédito de outros para poder dar um seed money para o cara se desenvolver. Perfeito. Mas agora não. O BNDES foi fundamental no programa de privatização para entrar sempre com o investidor complementar. Para quem ele vai fazer isso hoje? As privatizações já foram todas feitas. Não tem por que o BNDES dividir espaço com o mercado de capitais. O problema é que essa direção do BNDES que está lá, que criticou a gente durante 20 anos, descobriu a pluralidade de operação que o BNDES pode ter por que tem dinheiro, porque tem uma equipe de funcionários de alta qualidade. Mas eles ainda estão meio perdidos. Sabe quando você ganhou um brinquedo?

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Na verdade, eles não querem mais fomentar, eles querem disputar espaço e ganhar também. É isso que o senhor está me dizendo?

É isso, né? E perceberam que tem um espaço de trabalho grande. Agora, o que você precisa saber no BNDES é que a agenda de ação muda. E precisa mudar de acordo com a necessidade do Brasil. Na nossa época, 70% do meu tempo era privatização, porque aquele era o momento. O BNDES precisa estar update com a agenda que ele deve se concentrar.

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O sr. saiu da Quest há uns anos e não voltou mais ao mercado financeiro. É uma aposentadoria definitiva?

Eu já estava meio aposentado. Cansei da rotina do mercado financeiro e decidi aceitar outro desafio. Desde a época do BNDES que já tinha em mente o poder que a China teria, pela dimensão e projeto de país. Em 2002 veio uma delegação da Foton China ao país, que é a maior indústria de caminhões do mundo, e ficamos próximos. Há um tempo me convidaram para ser o distribuidor dos caminhões deles aqui. Já tinha saído da Quest e topei. Resolvi fazer uma associação com eles. A escala dos chineses é algo imbatível. Eles têm a capacidade de acompanhar a evolução tecnológica muito rápido e a preços competitivos.


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