Crônica de um rombo anunciado
Os sinais de que algo muito errado poderia acontecer estavam além dos balanços do Panamericano

, Crônica de um rombo anunciado, Capital Aberto

Surpreendido pela revelação de fraude no balanço do banco Panamericano em novembro, um acionista que apostava nas ações da companhia desabafou em conversa com a CAPITAL ABERTO: “Ficou a lição de que não posso confiar somente nos números”. É verdade, não pode mesmo. O caso do banco do apresentador Silvio Santos e outros recentes, como o da indiana Satyam, comprovam que, a despeito dos progressos em métodos de controles internos e compliance obtidos nos últimos anos, o balanço de uma companhia aberta está sujeito a manipulações. A existência de uma auditoria independente tampouco é garantia de informações corretas. Quando há vontade humana de promover e acobertar fraudes, a chance de o auditor pegá-las é mínima. “Se a fraude é gerencial, cometida pela alta administração, é difícil de ser detectada. Os executivos fazem de tudo para esconder as falhas dos auditores”, diz Taiki Hirashima, sócio-fundador da consultoria Hirashima e Associados.

Mas ainda bem que há muito mais informações disponíveis sobre as companhias do que aquelas de seus balanços. Cabe ao investidor ter interesse e paciência para escarafunchá-las. No Panamericano, a administração não era reconhecida pela qualificação, o que costuma ser particularmente arriscado quando se trata de uma companhia familiar. Assim como faz em todas as suas empresas, Silvio Santos lidava com os profissionais da instituição financeira na base da confiança.

Rafael Palladino, diretor superintendente e conselheiro de administração até o início de novembro, não tinha experiência no mercado financeiro antes de ingressar no grupo. É formado em educação física e, segundo a Folha de S. Paulo, foi dono de academias de ginástica e postos de gasolina. Mas é primo de Íris Abravanel, esposa de Silvio Santos. Depois do escândalo, o apresentador deixou claro: “Meu negócio é televisão”. Tudo bem, agora os investidores não têm mais nenhuma dúvida disso. Porém, uma pergunta que eles poderiam ter-se feito é: quando nem o proprietário demonstra interesse pela empresa, quem se ocupa dela? Silvio Santos sequer participava do conselho de administração do Panamericano.

NOTA BAIXA — O gestor de fundos que se decepcionou com o rombo tinha ciência de que estava se expondo a uma companhia “mal administrada”. Ele acreditava, contudo, que essa deficiência já estaria ajustada pelo preço de mercado. Sua animação era com as sinergias que o banco — com uma grande carteira de clientes de classes média e baixa — ganharia com a entrada da Caixa Econômica Federal no bloco de controle, anunciada no fim de 2009. A governança da empresa não parecia motivo de preocupação. “Atendia ao nosso checklist”, disse.

O problema da governança de checklist é que ela pouco informa o que ocorre na prática. O preenchimento das “caixinhas” nem sempre indica o que verdadeiramente acontece no dia a dia da companhia. No caso do Panamericano, nem o checklist era bom quando comparado ao de outras empresas listadas. Na quinta edição do ranking
As Melhores Companhias para os Acionistas, entregue em outubro deste ano pela CAPITAL ABERTO, o banco ficou em 76° lugar, dentre 92 companhias avaliadas, na pontuação de governança corporativa.

Nem o checklist da instituição era bom. No ranking As Melhores Companhias para os Acionistas, o banco ficou em 76° lugar em governança

O ranqueamento é simples, na medida em que se levam em conta, principalmente, informações públicas, organizadas em um questionário sobre boas práticas. Dos itens questionados no ranking, o banco perdeu pontos por não ter uma política de gestão de riscos aprovada pelo conselho de administração; não ter comitê de auditoria composto só de conselheiros; não divulgar uma política de negociação de ações de seus administradores; e não apresentar um manual de assembleia aos acionistas, dentre outras carências.

O Panamericano também não tem um conselho de família ou alguma outra instância que debata sobre o tema da sucessão e a participação dos familiares na gestão. Não tem um código de ética nem uma política formal para os contratos com partes relacionadas. Além da política de gestão de riscos, falta-lhe um comitê responsável por essa tarefa (com o detalhe de que se trata de uma instituição financeira). Se existisse, não teria o comitê percebido o risco de quebra do banco?

No Formulário de Referência publicado neste ano, outra ausência era evidente para quem quisesse notar: “Não há mecanismos de avaliação do desempenho dos membros do conselho de administração, dos comitês ou da diretoria”, informou o item 12.1.e do documento, que tornou-se obrigatório a partir deste ano, conforme norma da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). É verdade que a avaliação de conselho não é uma prática comum no Brasil, mas avaliação da diretoria parece algo elementar para uma companhia aberta do porte do Panamericano, cujo valor de mercado somava R$ 1,8 bilhão um dia antes de anunciado o rombo. “Como uma empresa listada pode funcionar bem sem avaliar periodicamente a qualidade de seus órgãos de alta gestão?”, questiona o professor e doutor da FEA-USP Alexandre Di Miceli da Silveira.

BÔNUS OCULTOS — Igualmente estranho é o fato de o banco não ter remuneração variável para os seus administradores — um mecanismo de incentivo bastante comum nos bancos privados. Ao menos é essa a informação que se infere do Formulário de Referência. Na seção destinada ao tema, a companhia declara oferecer apenas remuneração fixa mensal (85,7% do total) e benefícios (14,3%, compostos de plano de previdência privada, seguro de vida, assistência médica e odontológica). A estranheza ficou ainda maior depois das insinuações de Silvio Santos de que os executivos falsificaram os balanços com o objetivo de esconder as operações deficitárias da instituição e “garantir seus prêmios”. Fontes próximas da companhia confirmaram que o banco concedia, sim, bônus.

As falhas de transparência e governança do Panamericano davam algumas pistas de que o banco não era lá muito confiável. Já os balanços, infelizmente, eram bem menos informativos. Um sinal de fumaça poderia ter sido a divulgação do prejuízo de R$ 20,9 milhões do segundo trimestre de 2010, que reverteu os lucros de R$ 51,1 milhões de igual período do ano anterior e de R$ 44,2 milhões do primeiro trimestre de 2010. A explicação para a inversão dos números foi uma despesa adicional de R$ 120 milhões decorrente da mudança de critérios contábeis para o cálculo da provisão para “devedores duvidosos”. A nova forma de cálculo, segundo o demonstrativo emitido em 13 de agosto, tinha sido discutida com os auditores e apresentada ao Banco Central (BC).

Como desconfiar, então, de que por trás dos recebíveis duvidosos haveria uma fraude? “A forma como vi a provisão foi até positiva. Entendi que o BC tinha detectado o problema na carteira de crédito e pedido o reenquadramento”, admite o investidor entrevistado pela reportagem. O buraco mesmo foi descoberto pelo Banco Central em setembro, com base no balanço referente ao trimestre encerrado em 30 de junho. Segundo o diretor de fiscalização Alvir Hoffman, a autoridade monetária percebeu “inconsistências contábeis” ao vasculhar as carteiras de crédito vendidas entre bancos. O volume das carteiras que instituições afirmaram ter adquirido do Panamericano era maior que o informado pela companhia, dentre outras falhas. Isso significa que o banco de Silvio Santos vendia essas carteiras de crédito sem dar a devida baixa nos ativos, o que ajudava a inflar os resultados.

PERDAS E REPARAÇÃO — A saída encontrada pelo controlador para evitar que o banco fosse liquidado foi injetar recursos próprios na companhia e restabelecer o equilíbrio patrimonial. Ele fez isso por meio de um empréstimo de R$ 2,5 bilhões obtido do Fundo Garantidor de Crédito (FGC), sociedade mantida por bancos para preservar a saúde do sistema financeiro. Os bens do Grupo Silvio Santos — como a rede de televisão SBT, a empresa de cosméticos Jequiti, o hotel Jequitimar, dentre outros — foram dados como garantia do pagamento, que deve ser feito em até dez anos.

No fato relevante publicado na noite de 9 de novembro, o conselho de administração do Panamericano comunicou a operação de salvamento e a substituição de toda a diretoria executiva. Embora fosse discutida com os administradores e o controlador do banco desde setembro, a fissura no balanço se manteve em segredo até essa data. Enquanto isso, Silvio Santos negociava um meio de tapar o buraco, já que ele, como controlador, responderia com seus bens pessoais no caso de liquidação do banco. O rombo não deveria ter sido anunciado aos investidores tão logo fosse verificado? Isso certamente evitaria o uso de informação privilegiada por qualquer administrador ou outra parte envolvida. Nos dias 24 e 28 de setembro e 7 e 13 de outubro, a diretoria vendeu o equivalente a quase R$ 1 milhão em ações do Panamericano, conforme os relatórios regularmente enviados à CVM.

Divulgar a fraude antes de estancar o problema, contudo, poderia ter acarretado uma corrida de resgates, levando a instituição à bancarrota. Os credores do banco eram basicamente bancos, fundos de investimento e de pensão. Negociar o socorro em sigilo foi uma forma de proteger o interesse desses provedores de financiamento e dos investidores. Dos males, talvez o menor.

O fato é que de males o investidor do Panamericano está farto. Suas ações perderam 39,3% do valor desde então, caindo de R$ 7,26, em 8 de novembro, para R$ 4,41, no último dia do mês. Para piorar, não se sabe exatamente o que está por vir. O balanço do terceiro trimestre ainda não foi divulgado. Sem esses dados, o investidor não tem como calcular o fluxo de caixa, refletindo a nova situação da instituição.

Além disso, resta uma dúvida importante. O aporte de R$ 2,5 bilhões do Grupo Silvio Santos foi uma alternativa “sui generis” de evitar a quebra do banco. Contabilmente, ingressou como crédito na conta “depósito de acionista”, “sem alteração no capital social ou no patrimônio líquido da instituição”, segundo o texto do fato relevante. Porém, esse tipo de depósito geralmente é feito para antecipar o volume de recursos de uma subscrição de ações num eventual aumento de capital. Se essa emissão ocorresse, haveria grande risco de diluição para os minoritários, que, provavelmente, não teriam condições de acompanhar um aumento de capital capaz de pagar os R$ 2,5 bilhões pertencentes a Silvio Santos.
O banco tem dito que não fará essa oferta de ações e está em busca de uma maneira de pagar essa dívida que agora tem com o controlador. A solução para o impasse, porém, ainda é desconhecida.


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