Foi criada, em 24 de agosto, uma comissão de juristas, liderada pelo Ministro do Superior de Justiça (STJ) Luis Felipe Salomão, que será responsável por apresentar o anteprojeto de atualização do Código Civil (Lei 10.406/2002). Para tal, uma questão que se apresenta é: será necessária uma reforma ampla da Lei 10.406, documento legislativo que há pouco comemorou seus 20 anos de promulgação?
Penso que não. Trata-se de um código moderno e sistemático, que operou uma reforma significativa em nossa legislação civil, particularmente no que se refere ao direito das obrigações.
A meu ver, há críticas cabíveis ao Livro II do Código Civil, que disciplina “O Direito de Empresa”. A parte referente às sociedades, particularmente às limitadas, deve passar por uma reforma, visando à sua modernização e a evitar o “engessamento” de suas atividades empresariais.
Da mesma forma, cabe uma revisão do instituto do trespasse. Notadamente nos tempos que correm, em que, dado o elevado número de empresas em processos de recuperação judicial, é necessário que se flexibilize a alienação de empreendimentos que, nas mãos de novos empresários, poderiam cumprir sua função social, gerando empregos, pagando impostos e propiciando lucros para seus sócios.
O trespasse (ou “venda de empresa”) constitui o negócio jurídico de transferência de determinado empreendimento comercial ou empresarial. O princípio norteador do trespasse é o de resguardar a integridade do estabelecimento, transferindo-o de um empresário para outro.
Mediante o trespasse, em princípio, vende-se o estabelecimento como um todo, com suas instalações físicas (bens móveis, imóveis, utensílios). Da mesma forma, são transferidos os contratos em vigor funcionais para a exploração do estabelecimento, como os de locação, franquia, fornecimento de bens, empréstimos etc.
Suponha-se, por exemplo, uma loja de móveis que está atravessando dificuldades financeiras; seu proprietário pode vender o estabelecimento, como um todo, para um empresário que o sucederá no negócio. O sucessor passa então a ser o novo titular do empreendimento, podendo capitalizá-lo e, instituir melhores práticas de gestão, de forma a torná-lo lucrativo e evitar sua “quebra”.
Tal operação pode também ocorrer no curso do processo de recuperação judicial da empresa, como um dos meios de sua preservação enquanto unidade econômica.
O adquirente do estabelecimento, conforme o artigo 1.146 do Código Civil, cujo objetivo é proteger os credores, sucede o vendedor pelo pagamento dos débitos anteriores à transferência, desde que regularmente contabilizados. Também visando à proteção dos credores, o artigo 1.145 estabelece que se ao alienante não restarem bens suficientes para solver o seu passivo, a eficácia da venda do estabelecimento ficará condicionada ao pagamento de todos os credores, ou ao consentimento deles.
Nos termos do “caput” do artigo 133 do Código Tributário Nacional, a responsabilidade tributária pelas dívidas relacionadas ao estabelecimento é transferida ao comprador, se este continuar a explorar a mesma atividade. A legislação trabalhista também regula a sucessão no trespasse, estabelecendo que os contratos de trabalho se transferem junto com o estabelecimento. De sorte que o adquirente assume a posição do empregador que o precedeu e, com ela, todas as obrigações (e direitos) decorrentes dos contratos de trabalho.
Da forma como está disciplinado no Código Civil, o trespasse confere grande proteção aos credores, ao mesmo tempo em que constitui operação de risco e de alto custo para o adquirente do estabelecimento. Alto risco decorrente da possível declaração de ineficácia do negócio por iniciativa dos credores. E alto custo em face da sucessão para o adquirente de todo o passivo vinculado ao estabelecimento.
A sua tutela deveria privilegiar não apenas os credores, mas também a preservação da empresa. Ao vender o estabelecimento, o empresário encontra uma opção legítima à simples liquidação, mantendo em atividade uma unidade econômica produtiva. Tal como hoje disciplinado o trespasse, os estabelecimentos muito endividados, e que mais necessitam de nova gestão e aporte de recursos para sua sobrevivência, são os que encontram maiores dificuldades em sua alienação.
Estamos, assim, diante de uma boa oportunidade de revisar o instituto do trespasse, conciliando os interesses dos credores com os do empresário em dificuldades e facilitando a sobrevivência econômica da empresa.
*Nelson Eizirik é advogado no Rio de Janeiro e em São Paulo e professor da Faculdade de Direito da FGV-RJ.
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