O voto de qualidade do Carf é inconstitucional?
Gileno Barreto x Mauricio Braga Chapinoti

SIM

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Mauricio Braga Chapinoti

 [email protected] é sócio na área Tributária de TozziniFreire Advogados

O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), órgão julgador administrativo vinculado ao Ministério da Fazenda, tem como missão assegurar imparcialidade e celeridade na solução dos litígios tributários. Suas turmas de julgamento possuem oito conselheiros (quatro indicados pela Fazenda e quatro por entidades representativas dos contribuintes) e um presidente sempre indicado pela Fazenda. A Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF), órgão que uniformiza decisões divergentes, também é obrigatoriamente presidida por representante da Fazenda. Só há deliberação quando presente a maioria de seus membros, cabendo ao presidente, além do voto ordinário, o de qualidade.

Portanto, os presidentes das turmas do Carf e da CSRF gozam de voto ordinário e de qualidade, o que pode ser chamado de “voto duplo”. Assim, têm a prerrogativa de gerar um empate, considerando que podem votar como os demais conselheiros e também desempatar um julgamento. A breve análise das estatísticas recentes mostra que essa prerrogativa tem gerado um resultado avassalador nos pleitos dos contribuintes.

O voto de qualidade é previsto em vários órgãos de julgamento, inclusive no Supremo Tribunal Federal, servindo como critério de desempate questionável. Entretanto, no caso específico do Carf, o voto de qualidade de um presidente obrigatoriamente indicado por uma parte no processo (Fazenda), somado à possibilidade de voto duplo, afronta uma série de princípios estabelecidos na Constituição.

Em 20 de junho, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) ajuizou a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5.731 requerendo a declaração de inconstitucionalidade da expressão “que, em caso de empate, terão o voto de qualidade”, contida no art. 25 § 9º do Decreto 70.235/72, incluído pela Lei 11.941/09. A ADI 5.731 está fundamentada na violação dos princípios de isonomia, razoabilidade e proporcionalidade (art. 5º, inciso LXXVIII, da Constituição), na medida em que se utilizam no Carf procedimentos discriminatórios e arbitrários para julgamento. Ademais, a ADI 5.731 aponta uma inconstitucionalidade formal na violação ao art. 112 do Código Tributário Nacional, que estabelece o princípio in dubio pro contribuinte, por invasão de competência exclusiva de Lei Complementar (art. 146, inciso III, alínea b, da Constituição).

Alguns aspectos não foram tratados em profundidade na ADI 5.731, como a garantia ao devido processo legal, imparcialidade e ampla defesa, que devem estar presentes nos processos administrativos. Há quem aponte outras violações constitucionais, como os princípios da celeridade, da moralidade administrativa, da menor oneração ao contribuinte, do juiz natural, da imparcialidade, da colegialidade e da motivação das decisões.

Pode-se concluir que o voto de qualidade é critério de desempate questionável e, o caso do Carf é gritante, considerando que só pode ser proferido por representantes da Fazenda. Os dados mostram seu efeito avassalador nas decisões, em clara violação dos princípios da isonomia, razoabilidade e proporcionalidade e inconstitucionalidade formal por invasão de competência exclusiva de Lei Complementar.


NÃO

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Gileno Barreto

 [email protected] é sócio de Loeser e Portela Advogados

O assunto de fato tem causado controvérsias no meio jurídico-tributário. A última alteração no instrumento do voto de qualidade, previsto no Decreto 70.235/72, foi feita pela Lei 11.941/09, para prever que o cargo de presidente das turmas do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) será exercido por conselheiros representantes da Fazenda Nacional — que, em caso de empate, terão o voto qualidade.

Na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5.731, que tem como polo ativo a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), foram apresentados argumentos segundo os quais o voto de qualidade fere os princípios de isonomia e proporcionalidade. De maneira resumida, a ação pretende que o Supremo Tribunal Federal (STF) dê a melhor interpretação do art. 112 do Código Tributário Nacional (CTN), para que em todos os casos de empate a contenda seja decidida em favor do contribuinte.

Devemos considerar, entretanto, o princípio da presunção de legitimidade do ato administrativo — o ente público age presumivelmente de acordo com a lei. Ainda que se trate de uma presunção relativa, ela deve ser considerada principalmente no âmbito do Processo Administrativo Fiscal (PAF), que tem como função rever os atos da própria administração tributária. Aqui, diferentemente do poder jurisdicional, em que há três partes envolvidas em um processo, a administração tributária é parte e juiz concomitantemente.

O PAF está amparado constitucionalmente pelo art. 5º, LV, sendo assegurados a ampla defesa e o contraditório, “com meios e recursos a eles inerentes”. Esses dispositivos estão regulados pelos arts. 145, 151 e 201 do CTN, que foi plenamente recepcionado pela Carta de 1988. Eles remetem o rito processual à legislação ordinária — no caso, o Decreto 70.235/72, que pode ser classificado de ultrapassado ou até de ilegítimo, por refletir uma estrutura de Estado ditatorial de sua época, mas não de ilegal.

O PAF existe para controlar a legalidade do lançamento tributário, verificar seus requisitos de liquidez e certeza, respeitando-se o contraditório e a ampla defesa, garantidos a duplicidade de instância, o direito de petição e a segurança jurídica — por meio da apreciação imparcial (como manda o art. 41, incisos I e IV do regimento do Carf) do devido processo legal por especialistas na área.

Assim, temos que no atual contexto normativo, o voto de qualidade pro fisco é legal e legítimo, eis que assegurado pela Constituição e pelos seus princípios norteadores, uma vez que ao contribuinte é assegurado o acesso ao Judiciário (Súmula 473 do STF), o que não é permitido para a Fazenda — seus próprios atos revistos e revisitados pelo Carf são definitivos, inclusive sob pena de, contrario sensu, ferir-se de morte o princípio da segurança jurídica.

Essa reação da advocacia — legítima e oportuna — seria desnecessária caso o equilíbrio no processo administrativo estivesse a ser observado. Os conselheiros não deveriam se portar como partes opostas a defenderem interesses dos contribuintes ou do fisco, e sim como julgadores que são, buscando a alternativa correta para a solução das divergências de interpretação da lei formuladas pela Fazenda e/ou pelos contribuintes, estes que custeiam o próprio Estado, e que, em última instância, se tornaram seus reféns.


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