Um call center repleto de atendentes robotizadas, doutrinadas para não fugir do script original, pode causar arrepios ao consumidor. Seja por quais motivos forem: cancelar um cartão de crédito, reclamar de uma incorreção na conta do celular ou simplesmente rejeitar uma insistente abordagem de venda. Esse meio de comunicação, a princípio incômodo, tornou-se o herói da espinhosa reestruturação da Cremer. A fabricante de produtos médico-hospitalares, fundada em 1935 pelo alemão Werner Siegfried Cremer e seus 12 amigos médicos, nadava em círculos e quase naufragou até que, em 2004, teve o controle vendido ao fundo Merrill Lynch Global Private Equity. Mas o que o call center tem a ver com isso? Tudo. Trata-se de uma longa e criativa história.
Descapitalizada e escorregando para a falência, a Cremer precisava se reinventar, vender mais e gastar menos. Eliminou o custo do representante de vendas e aumentou a velocidade de atendimento, utilizando-se de um call center, num setor altamente capilarizado. No Brasil, são 6,4 mil hospitais, 55 mil drogarias e 210 mil dentistas supridos por mais de mil distribuidores de produtos descartáveis — geralmente empresas regionais com atuação local. “Focamos em um modelo integrado, que combina produção com um call center altamente tecnológico e uma logística nacional, amparada por onze centros de distribuição”, diz Daniel Gushe, gerente de Relações com Investidores. A entrega é terceirizada.
“As nossas atendentes fazem mais de 13 mil ligações por dia, sendo mil delas ativas”, acrescenta. A maior parte das ligações é feita pelos próprios clientes. Um software sofisticado gerencia todo o padrão de compra e as atendentes monitoraram as baixas no estoque dos clientes. “Conseguimos direcionar as ofertas que fazemos nas ligações ativas”, afirma. O call center e as compras feitas diretamente pelo site da Cremer permitem pedidos pequenos, o que amplia a base de clientes. “Um dentista não precisa de grandes volumes e pode perfeitamente ser atendido pela internet”, exemplifica. “Operamos com um sistema de prateleira em que o cliente consegue ver on-line a disponibilidade, ou não, para compra de um produto.”
A estratégia vem se mostrando certeira. Em 2007, a Cremer atendeu 41% dos hospitais do país, 25% das farmácias e 6% dos dentistas. Hoje tem mais de 40 mil clientes. “Mas ainda há espaço de sobra para conquistar novos”, reforça o executivo. A adoção do call center como plataforma de vendas se deu em 1999, quando a Cremer ainda não tinha um controlador capitalizado, como a Merrill Lynch, mas já havia sido entregue aos braços da consultoria paulista Applied, contratada em 1997 dar uma virada na companhia catarinense baseada em Blumenau. Foi neste mesmo ano que a consultoria ceifou da vida da empresa a divisão infantil, que, dentre outros itens, produzia fraldas descartáveis. Naquela época, não era exatamente simples fabricar fraldas descartáveis de custo baixo e competir com ícones do mercado como a Procter & Gamble, dona da festejada marca Pampers. Pois a Cremer vendeu essa divisão para a MPC, joint-venture entre a mexicana Mabesa e a norte-americana Paragon, por US$ 23 milhões, em 1997, e se concentrou na produção de fraldas de pano, ataduras, gaze e esparadrapos.
Anos depois, com a aposta no call center de 350 atendentes, precisou estufar o portfólio com mais produtos para ganhar escala. Só que, desta vez, optou por vender mercadoria de terceiros. Ao todo, arranjou 87 fornecedores, entre empresas como Roche, Bic, Niasi, Ypê e Pfizer. Hoje, o cardápio conta com 3,3 mil itens que vão da sua tradicional fralda de pano a preservativo masculino, tintura para cabelos e aparelhos para medir a pressão. Apenas no ano passado, foram acrescentados 551 itens ao seu cardápio de produtos.
“A estratégia de diversificação foi um alicerce importante para alavancar as vendas e voltar ao lucro”, observa Gushe. A partir de 2004, a receita subiu de R$ 163,7 milhões para R$ 178,7 milhões em 2005 e R$ 182,9 milhões em 2006. Na mesma base de comparação, a geração de caixa subiu, respectivamente, de R$ 16,2 milhões para R$ 37,6 milhões e R$ 44 milhões.
A ótima tacada pavimentou o caminho que levaria a Cremer de volta ao mercado de capitais. Quando comprou a empresa, o fundo da Merrill Lynch fechou seu capital, mas manteve o olho espichado para a bolsa. Continuava a publicar balanços no seu site e, dois anos depois, em 2006, pediu novo registro à Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Foi um exemplo raro no Brasil daquelas operações conhecidas como “going private”, freqüentemente vistas no exterior. Nelas o investidor identifica uma companhia barata na bolsa, compra todas as suas ações, incrementa o seu desempenho e a devolve para o mercado muito mais em forma, fazendo um bom dinheiro.
Em abril do ano passado, a Cremer voltou à bolsa de valores numa oferta primária de ações de R$ 210 milhões. Arrebanhou mais R$ 341,6 milhões, numa secundária, diluindo substancialmente a participação dos sócios. O percentual de ações em circulação no mercado hoje é de 94,5%. Do dinheiro que entrou no caixa, a empresa decidiu pré-pagar uma dívida bancária contraída junto ao ABN Amro e reforçar o seu capital de giro. Reservou um bocadinho para ir às compras — estratégia que, no seu prospecto, apelidou de “aquisições seletivas”. Distribuidores com um portfólio complementar estão, portanto, no radar da companhia.
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