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Dois anos fora do ar
Entre os IPOs de CCR e Natura, prevalesceu a descrença do mercado e a ausência de novos candidatos a ingressar no segmento. Nos bastidores, a equipe da bolsa costurava alianças e companhias de peso, como a Petrobras, ensaiavam migrar

, Dois anos fora do ar, Capital Aberto

Quando inaugurou o Novo Mercado, em fevereiro de 2002, a Companhia de Concessões Rodoviárias (CCR) encontrou condições de demanda muito distintas das vivenciadas pelas empresas que hoje desembarcam na bolsa. A participação de investidores estrangeiros não passava da metade, a de pessoas físicas era praticamente irrelevante e os primeiros dias foram marcados por poucos negócios e queda no preço dos papéis. Diante de tal cenário, não é de se estranhar que a iniciativa tenha encontrado apenas um seguidor num período que se estendeu por mais de dois anos. Depois da adesão da Sabesp — que, em abril de 2002, foi a primeira companhia já estabelecida em bolsa a migrar para o segmento — tudo o que se ouvia sobre o Novo Mercado eram comentários cujo tom se alternava entre o desalento e o “já sabíamos que não ia dar certo”. Convencida de que ainda era cedo para proferir uma sentença definitiva, a equipe responsável pelo projeto se dedicou a conter os danos e a manter a idéia viva. À espera de uma virada na economia e, conseqüentemente, no ritmo das aberturas de capital, saíram a campo para arregimentar aliados — e conquistaram apoios decisivos para o sucesso que viria alguns anos depois.

Dentre as várias parcerias estabelecidas pela bolsa, três merecem destaque, considerando o seu efeito prático. A primeira foi com a Associação Nacional dos Bancos de Investimento (Anbid), que incluiu em seu código de auto-regulação de ofertas públicas a exigência de que toda operação de oferta de ações estruturada por instituições associadas fosse realizada apenas num dos níveis diferenciados de governança. Com isso, a chance de que qualquer nova oferta de ações viesse a ocorrer no mercado tradicional foi quase eliminada, já que todos os bancos que coordenam esse tipo de operação eram membros da associação.

A segunda veio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que não só passou a conceder incentivos para adesão ao Novo Mercado — com seu Programa de Apoio a Novas Sociedades Anônimas — como chegou a exigir a listagem no segmento para a aprovação de determinados projetos de financiamento. A terceira não teve um resultado imediato, mas ainda assim representava um endosso importante: a Secretaria de Previdência Complementar (que supervisiona os fundos de pensão) alterou os limites de aplicação dos recursos dos fundos em ações de companhias brasileiras listadas em bolsa — ampliando o teto de 35% para 50% quando estas forem de empresas do Novo Mercado ou Nível 2 — e proibindo a participação desses investidores em ofertas públicas iniciais de ações (IPOs) que viessem a ocorrer fora desses dois segmentos.

ESFORÇO DE MARKETING — Maria Helena Santana, então gerente de projetos da Bovespa e líder da equipe responsável pelo projeto, lembra que o contato com os investidores lhes dava a motivação necessária para seguir adiante com o projeto e não ceder às pressões que alguns agentes do mercado faziam por uma revisão nas regras. “Vivíamos um período em que a lógica econômica era atropelada pela conjuntura desfavorável. Não era a hora de mudar, já que o funcionamento dos níveis diferenciados ainda não havia sido plenamente testado.” Ela conta que, em paralelo ao processo de obtenção de aliados, um intenso esforço de divulgação junto a investidores, empresários, organismos internacionais e outras bolsas de valores era realizado por sua equipe e por um grupo inicial de apoiadores, que incluía o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), a gestora de recursos Bradesco Templeton e o fundo de pensão dos funcionários da Petrobras (Petros). “Nosso intuito era manter a idéia acesa, à espera da virada.”

O superintendente da Bolsa, Gilberto Mifano, destaca entre esses apoios o concedido por instituições como a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), o Banco Mundial e o International Finance Corporation (IFC), que não apenas compraram a idéia, como se transformaram numa espécie de “garotos propaganda” do projeto, apresentando-o a bolsas de outros emergentes e organizando visitas a países, como Argentina e Índia, e a grandes investidores institucionais, como o fundo de pensão dos servidores estaduais da Califórnia (Calpers). “Até 2004, tínhamos um sucesso de crítica, mas não de público”, recorda Mifano. “Tínhamos criado, tijolo por tijolo, uma imagem muito forte de que esse era o caminho. Mas havia entre as empresas e intermediadores locais quem nos acusasse de ser mais realistas que o rei.”

FOGO CRUZADO — Até a chegada da CCR, as críticas ao Novo Mercado se dividiam em duas correntes. Uma, formada predominantemente por gestores de recursos e de fundos de investimento, reverberava a expectativa de que o Novo Mercado iria reproduzir por aqui o fracasso das experiências de bolsas européias, em cujos segmentos especiais predominaram as aberturas de capital de empresas de tecnologia e da chamada “nova economia” (leia matéria na página 42). A outra, composta tanto por investidores locais quanto por representantes de companhias abertas e empresários, apontava uma distância intransponível entre as regras de listagem e a cultura empresarial do País. Para eles, a proibição de ações preferenciais representava o principal empecilho.

O tom de descrença e a intensidade das críticas ficaram ainda maiores a partir do IPO da concessionária. As manchetes dos jornais especializados, como Gazeta Mercantil e Valor Econômico, passaram de “Novo Mercado não decola e continua à sombra do velho” a “Ações caem 6,47% no dia da estréia no Novo Mercado” e “Novo Mercado atrasa divulgação de balanço”. As reportagens refletiam o ceticismo dos grandes bancos nacionais, que anteviam novos problemas para o segmento como, por exemplo, a falta de liquidez dos papéis das companhias que eventualmente aderissem a ele.

No entanto, havia quem acreditasse que a situação poderia se inverter não apenas com o retorno da economia aos trilhos, mas também com a migração de companhias de peso no mercado para um dos níveis diferenciados. Era exatamente o caso da Petrobras. Em 2002, em meio a um intenso processo de avanço nas práticas de governança da estatal, surgiu a idéia, a partir de uma reunião dos executivos da companhia com a equipe da bolsa, de migrar para o Nível 2. Um novo estatuto havia sido aprovado no final de 2001, garantindo direitos adicionais aos minoritários, aumentando a transparência, aceitando a câmara de arbitragem para a solução de conflitos e, até mesmo, incluindo mecanismos de consulta aos preferencialistas em questões específicas.

Mas o projeto foi inviabilizado por dispositivos da Lei do Petróleo, que não permite o direito de voto às ações preferenciais em situações especiais, previsto no Nível 2. Concluiu-se que este direito representaria uma transferência de direitos políticos e reduziria o poder de controle do governo. Pareceres de advogados e da própria CVM manifestaram o entendimento de que as situações previstas para o voto dos preferencialistas (contratos com partes interessadas, fusão, cisão e reavaliação de ativos) não retirariam poder do controlador. Apresentados pelo departamento jurídico da companhia à Procuradoria da Fazenda, porém, não foram aceitos. A iniciativa, à esta altura já frustrada, foi divulgada ao mercado por meio de um fato relevante, publicado em dezembro de 2002. Nele, o diretor de RI da Petrobras à época, João Nogueira Batista (hoje co-presidente da Suzano Petroquímica), manifestava sua convicção que só teriam acesso continuado ao mercado as empresas que aderissem aos padrões de governança requeridos pelos níveis diferenciados da bolsa.

UM NOVO CICLO — A despeito das críticas e da falta de resultados concretos, a Bovespa estava convencida de que o modelo de auto-regulação calcado em regras seletivas era o mais adequado. Gilberto Mifano afirma que a equipe à frente do projeto partia do pressuposto de que um passo dado voluntariamente é mais consciente e, portanto, mais seguro e sustentável, tanto por parte do emissor quanto do investidor. “Hoje, os números mostram que nos reinventamos com o Novo Mercado. Encontramos uma forma de recomeçar o ciclo de aceleração.”

Este recomeço veio a partir de 2003, quando a economia já havia se ajustado. Em março, a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) deu o ponta-pé para uma série de ofertas secundárias: Coteminas (em que o fundo Dynamo Cougar vendeu suas ações), Paranapanema (para venda de papéis do fundo de pensão Aerus), Andrade Gutierrez, Suzano Papel e Celulose e Votorantim Celulose e Papel. Todas elas pavimentaram o caminho para a abertura de capital da Natura, em maio de 2004.


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