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Novinhas em folha
Bovespa já contabiliza quatro casos de companhias que se valeram do mercado de ações para sair do papel. Mas especialistas advertem: a façanha não é para qualquer um

Os banqueiros que coordenam ofertas iniciais de ações (IPOs) costumam dizer que o sucesso dessas operações está diretamente ligado à capacidade dos fundadores de vender a história da empresa. As conquistas que marcaram a trajetória de negócios costumam ser atentamente observadas pelos investidores na hora de avaliar se a candidata à estréia em bolsa tem mesmo como entregar os resultados que projeta. Embora não seja garantia de performance, o passado do empreendimento ajuda a instilar segurança e, por isso, há certo consenso de que as bolsas de valores não são lugar para iniciantes. A elas, resta a opção dos fundos de capital de risco — seed money, venture capital, private equity —, que, justamente por não terem garantia de retorno, aplicam um bom desconto na hora de precificar a empresa. Mas esse padrão não é exatamente uma camisa-de-força. Em casos muito específicos, companhias que só existem no papel encontram seu espaço entre as veteranas e iniciam as atividades apenas depois do primeiro pregão, como aconteceu com quatro brasileiras que chegaram à Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) de um ano para cá.

BrasilAgro, MMX, Abyara e Invest Tur realizaram IPOs bem-sucedidos, a despeito da ausência de um histórico de performance para mostrar. Suas ofertas foram dirigidas exclusivamente a investidores qualificados, com conhecimento de mercado sofisticado o suficiente para avaliar os riscos de adquirir ações que, como bem destacaram os prospectos das quatro companhias, apresentavam a possibilidade de perda de todo o valor investido. Obedecendo a uma exigência da Lei das S.As, os prospectos traziam um estudo de viabilidade das operações, realizado por empresas especializadas, detalhando os fundamentos econômicos de cada atividade que a empresa se propunha a desenvolver. O material esmiuçava fatores macroeconômicos, condições de competitividade, custos e prazos necessários para implantar cada projeto e traçava cenários de obtenção de receitas para auxiliar os potenciais investidores em sua avaliação.

Ter um time de profissionais diferenciado, com histórico de sucesso e capacidade de convencer o mercado é crucial

José Olympio Pereira, diretor do banco de investimentos Credit Suisse, que liderou as ofertas de BrasilAgro, MMX e Invest Tur, deixa claro que os IPOs de empresas em estágio pré-operacional “são para gente grande”. Portanto, a participação do investidor de varejo, segundo ele, deve ser desestimulada. Outras duas condições essenciais a esse tipo de operação, na opinião do executivo, são o porte dos negócios — que devem ser necessariamente de grande escala — e a credibilidade da equipe de gestão. “Ter um time diferenciado, com histórico de mercado e capacidade de convencer que a companhia é plenamente capaz de entregar o que promete é crucial.”

No caso da pioneira BrasilAgro, que chegou à Bovespa em maio de 2006, a experiência na análise de investimentos dos sócios da gestora de recursos independente Tarpon foi associada aos 20 anos de experiência no mercado imobiliário do CEO e presidente do conselho de administração da incorporadora Cyrela, Elie Horn. Para agregar conhecimento específico do setor de atuação da nova companhia, o de exploração de propriedades agrícolas, eles se uniram aos argentinos da Cresud — uma empresa com o mesmo modelo de negócios, fundada em 1936 e listada na Bolsa de Buenos Aires, desde a década de 60, e na norte-americana Nasdaq, desde 1997.

Na MMX, que fez o IPO em julho do ano passado, o empresário do setor de mineração Eike Batista, ainda sem experiência na exploração de minério de ferro, buscou os executivos de que precisava em sua principal concorrente, a Companhia Vale do Rio Doce — presidida no passado pelo pai do empreendedor, Eliezer Batista, que também foi ministro de Minas e Energia do Brasil e a quem coube o cargo de presidente honorário do conselho de administração da nova companhia.

Os analistas que acompanham essas empresas reforçam o argumento de José Olympio, do Credit Suisse. “O currículo dos fundadores, dos conselheiros e dos principais executivos é tão importante quanto a solidez do plano de negócios”, diz Marcello Milman, analista do Banco Santander que cobre a Abyara. Ele ressalta que a situação da empresa era um pouco diferente das outras três. Depois de 11 anos de atuação na corretagem de imóveis, sua ida à bolsa, em setembro de 2006, tinha o objetivo de financiar uma ampliação do escopo do negócio. Os recursos captados permitiriam que a Abyara passasse a incorporar empreendimentos imobiliários, sempre em parceria com outros investidores.

A corretora foi a única das quatro companhias a receber uma injeção de recursos de um fundo private equity antes de abrir o capital. Em 2005, Marcelo Faria de Lima e Márcio Camargo, da Artesia Investimentos, adquiriram 40% da empresa. Egressa do Banco Garantia, a dupla teve papel importante no processo de estreitamento dos laços da Abyara com o mercado de capitais. Sua experiência em finanças veio reforçar a dos fundadores da companhia no setor imobiliário. Com a Invest Tur, que chegou à Bovespa em julho deste ano, não foi diferente. Seus três fundadores atuam na construção de imóveis comerciais e no desenvolvimento de empreendimentos turísticos há duas décadas. Um de seus maiores trunfos foi a construção do badalado resort Txai, no sul da Bahia. Outro, sem dúvida, foi o de mirar um setor ainda pouco desenvolvido no País e com grande potencial de crescimento.

QUANTO MENOS CONCORRENTES, MELHOR — Explorar um mercado ainda incipiente, aliás, é uma das situações apontadas pelos analistas e underwriters como favoráveis ao IPO de companhias em estágio pré-operacional. “Quando a empresa é parte de um setor mais consolidado, com várias representantes na bolsa, a dificuldade aumenta”, afirma Milman, do Santander. Isso porque a companhia, inevitavelmente, viraria alvo de uma aquisição ou o desconto que o mercado aplicaria sobre o preço da ação, de tão grande, acabaria compensando partir para a busca de um sócio estratégico ou mesmo de um investidor private equity.

BrasilAgro e Invest Tur certamente se beneficiaram desse aspecto. No prospecto da oferta da BrasilAgro, um dos pontos fortes apontados era o de “ser um dos poucos investidores institucionais de grande porte dedicados ao setor agrícola emergente no Brasil”. No caso da Invest Tur, o fato de a empresa não estar vinculada a uma única cadeia de hotéis foi um diferencial importante. A Abyara, de acordo com o analista do Santander, só conseguiu viabilizar sua operação porque, naquela época, o número de empresas do setor imobiliário que havia chegado à bolsa ainda não era tão grande. “Ela foi a quinta companhia do setor e teve de enfrentar um pouco de descrença. Hoje, certamente, teria sido mais difícil”, afirma Milman.

José Olympio, do Credit Suisse, adverte que o apelo da novidade, por si só, não é suficiente para dizer se a bolsa deve mesmo ser o caminho a seguir. “O primeiro critério, sem dúvida, é o tamanho do empreendimento”, diz. Para o banqueiro, a necessidade de captação tem de ser grande o suficiente para justificar a opção pelo IPO. Ele explica que, em projetos menores, o capital é aportado diretamente pelo fundador. “Como o retorno costuma ser alto, é o que faz mais sentido.”

O estudo de empresas pré-operacionais é como uma “análise de private equity”, concentrada nos chamados “milestones”

A oferta de ações só se aplica aos projetos em que há alto grau de alavancagem. Entre os quatro exemplos da bolsa brasileira, a MMX é o que melhor se encaixa nessa categoria. Sua captação foi de R$ 1,19 bilhão — a maior oferta inicial realizada em 2006 e, até hoje, uma das cinco primeiras no ranking por volume. Mas a bolsa não foi a única fonte de recursos a viabilizar a criação da nova mineradora. Antes do IPO, R$ 2,7 bilhões já haviam sido levantados junto a instituições financeiras.

Raphael Biderman, analista sênior de recursos naturais do Bradesco, conta que o setor de mineração é um dos poucos onde a capitalização inicial em bolsa de valores é bastante comum. “Nos Estados Unidos, na Austrália e no Canadá, principalmente, essas empresas são conhecidas como junior mining companies e a aquisição de suas ações faz parte da estratégia de investidores tradicionais do setor.” Isso ajuda a explicar por que, apenas nove meses após a sua estréia na Bovespa, a MMX conseguiu atrair um sócio de peso como a mineradora sul-africana Anglo American, que adquiriu 49% do maior projeto da companhia — o sistema Minas-Rio, que integra uma mina de minério de ferro, um minerioduto que a conecta ao terminal portuário e uma usina de pelotização — por US$ 1,15 bilhão, em abril deste ano. Outra que acabou atraindo a participação de um grande investidor foi a Abyara. Dez meses depois do IPO, o Morgan Stanley Real Estate Special Situations Fund III adquiriu 14,29% da companhia, comprando parte das ações da Artesia Equity Investments e de Marcelo Faria de Lima. Procuradas para comentar seus investimentos, a Anglo American e o Morgan Stanley preferiram não se pronunciar.

DESAFIO REDOBRADO — Manter-se atrativa aos olhos do investidor é a principal tarefa dessas companhias que, justamente por seu estágio de desenvolvimento e, em alguns casos, pela natureza de suas operações, demoram a entregar os primeiros resultados. O fato de suas ofertas iniciais terem se dirigido apenas a investidores qualificados ajuda nos primeiros meses, já que eles trabalham com um horizonte de investimento maior. Mas a necessidade de assegurar um grau mínimo de liquidez aos papéis passa pela exigência de atrair um perfil diversificado de acionistas à medida que os primeiros projetos vão sendo implementados. A MMX foi uma das que montaram uma estratégia de atração de novos investidores antes da estréia em bolsa. Seu prospecto já trazia um cronograma em que previa um desdobramento das ações — que saíram cotadas a R$ 815 no primeiro pregão. Com a quebra dos papéis, o preço do lote mínimo cai e, com isso, aumentam as chances de eles serem incluídos no portfólio de investidores individuais.

Esse processo de diversificação da base de acionistas redobra o desafio das equipes de Relações com Investidores dessas companhias e dos analistas que as acompanham. Raphael Biderman, do Bradesco, afirma que, mais do que explicar aos clientes os pontos que precisam ser observados na hora de avaliar uma empresa com tão pouco tempo de vida, o analista precisa administrar as expectativas de quem acaba comprando os papéis. “A tendência é os investidores esperarem que a gente quantifique o impacto de cada meta cumprida pela companhia sobre o preço da ação, mas isso é impraticável”, diz Biderman. Para evitar frustrações, ele deixa claro que só pode dimensionar impactos no longo prazo, quando a companhia entrar em atividade plena e começar a gerar resultados efetivos. Até lá, esse é o tipo de investimento que requer uma postura diferenciada. “Os relatórios de resultados trimestrais falam mais das etapas que foram completadas, já que os poucos resultados operacionais obtidos ainda não são significativos”, completa o analista do Bradesco.

Ele e Marcelo Milman, do Santander, classificam o estudo das pré-operacionais como uma “análise de private equity”, concentrada nos chamados “milestones”, ou etapas fundamentais à implementação da empresa. Assim, um analista que cubra a BrasilAgro acompanha o processo de identificação e aquisição das terras, o compara ao plano de negócios apresentado, mas tem de esperar pelo menos mais um ano para ver os primeiros resultados.

Quem acompanha a MMX vê uma ótima notícia na obtenção de uma licença ambiental, mas só pode projetar o seu efeito sobre o longo prazo. Por essas especificidades e pela necessidade de combinar fatores como escala e reputação dos gestores, ninguém se arrisca a dizer que a abertura de capital para empresas em estágio pré-operacional é uma tendência na bolsa brasileira. Os dois analistas concordam que, na maioria dos casos, esses projetos caem melhor para os fundos de capital de risco.


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