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Segundo mercado
Se você ainda não conhece o mercado de capitais do mundo virtual, é hora de dar uma passadinha no Second Life. Acredite se quiser, mas lá tem IPOs, prospecto como manda o figurino, práticas de governança e até regras de listagem

ed48_52-56_1Kejo Merlin estava em busca de uma nova oportunidade de investimento. Separou um pequeno montante para aplicar, estudou criteriosamente as opções disponíveis no mercado e tomou sua decisão: investiu no setor imobiliário. Como não tinha muito dinheiro, restou-lhe comprar um modesto terreno. Pouco tempo depois, para sua surpresa e felicidade, recebeu uma excelente proposta para vender o imóvel recém-adquirido. Diante da possibilidade de um bom retorno, não titubeou e, prontamente, fechou negócio. De volta ao primeiro passo, procurou e comprou mais dois terrenos, que foram igualmente vendidos, gerando um
polpudo lucro. Kejo, então, se deu conta de que tinha um bom faro para negócios ed48_52-56_2imobiliários. E decidiu criar sua própria corretora de imóveis, a KJL Continent. Seduzido pela possibilidade de captação de recursos para fazer crescer sua empreitada, procurou a bolsa de valores e, quem diria, abriu o capital de sua empresa.

No mundo virtual, existe uma troca constante de acusações de manipulação e de negociações com informações privilegiadas

A história contada acima não parece trazer novidade, principalmente após o boom de interessados em abrir o capital de suas empresas no setor imobiliário brasileiro. Mas ela ganha contornos muito menos triviais quando considerado que tudo se passou no Second Life — um ambiente em 3D que existe apenas no computador, mas vem fascinando adolescentes e adultos mundo afora. Criado em 2003 pela Linden Lab, uma empresa sediada em São Francisco, na Califórnia, o Second Life — ou simplesmente SL — se apresenta como um mundo virtual no qual é dado aos participantes a chance de ter uma segunda vida. Por meio de um avatar — o seu novo “eu” —, é possível fazer praticamente tudo que se possa imaginar, desde literalmente voar de uma cidade para outra ao redor do planeta até criar empresas e selar negócios.

A ExpoMoney e a XP Investimentos possuem estandes de informações, que contam com avatares para instruir os interessados em suas atividades

Nesse mundo tridimensional, a moeda corrente chama-se linden dollars (L$). É possível fazer a troca de dinheiro real por lindens e também a operação inversa em sites que oferecem o serviço, como o www. secondlife.com. Cada R$ equivale a aproximadamente L$ 135, e é possível obtê-los com o uso de um cartão de crédito, ou mediante pagamento de um boleto bancário. A outra forma de prosperar dentro do SL é trabalhando. E são muitas as opções. É possível abrir um comércio, vender roupas ou, como no exemplo de Kejo, empreender e fazer um IPO de sua empresa na bolsa de valores.

Os residentes virtuais têm à disposição algumas bolsas que concorrem acirradamente pelos recursos de investidores. A de maior destaque é a World Stock Exchange (WSE), que possui mais de cem companhias listadas e foi lançada em fevereiro deste ano. Atualmente, existem 13 IPOs e três ofertas secundárias de ações em período de reserva para aquisição dos papéis. Para se ter uma idéia do tamanho desse pregão 3D, as transações diárias ficam na casa dos L$ 3 milhões (aproximadamente R$ 22 mil). O valor de mercado das empresas varia bastante, de L$ 98 mil até L$ 85 milhões (R$ 725 até R$ 630 mil). Alguns setores da economia possuem participação predominante, como o imobiliário, o de tecnologia e as casas de jogo. Em março deste ano, seguindo uma tendência bastante atual na vida real, ocorreu a fusão da WSE com outra bolsa de valores, a Metaverse Stock Exchange.

Muitos investidores virtuais começaram a operar por acaso, ou por curiosidade. “Comecei a investir por brincadeira, mas, quando percebi que havia obtido um lucro de 300% em dois meses, passei a encarar a bolsa com mais seriedade”, revela Peter Sands, investidor holandês que passa algumas horas por dia no Second Life — e nesta reportagem aparece com o nome que adota no mundo virtual, assim como outros entrevistados. “Um grande problema que enfrentamos é a falta de liquidez. Quando desejo vender a minha participação em uma empresa, levo semanas até conseguir compradores para realizar bons negócios. Aqui é preciso ter paciência.” Um enorme spread entre as ofertas de compra e venda reduz a agilidade das transações. “A volatilidade é enorme, uma ação pode variar de L$ 2,00 para L$ 0,50 de um dia para o outro, pois algumas companhias possuem poucos acionistas e a movimentação de um grande investidor tem forte impacto no mercado”, ressalta Sands.

RISCOS REAIS — Além da falta de liquidez, um problema que preocupa os investidores do SL são os casos de fraude. Não são poucos os escândalos que envolvem donos de companhias e membros das bolsas de valores. Existe uma troca constante de acusações de manipulação e de negociações com informações privilegiadas. No meio desse fogo cruzado, é muito difícil afirmar quais acusações são verdadeiras e quais não passam de calúnias e difamações. Para MouzurX Wise, consultor responsável pela área de relações públicas da WSE, o grande problema é que não existem tribunais oficiais para punir os infratores. De fato, o monitoramento e a represália por má conduta são feitos, basicamente, por duas entidades, que não possuem poder coercitivo fora do mundo virtual: as próprias bolsas, que estabelecem regras de listagem e códigos de conduta empresarial, e a Second Life Exchange Commission (Slec), uma espécie de comissão de valores mobiliários. Independente, ela tem o objetivo de educar e orientar investidores e emissores.

O presidente da Slec, TraderJohn Susa, explica que sua principal preocupação é auxiliar as bolsas e as companhias a desenvolverem procedimentos e condutas minimamente aceitáveis. “Com o crescimento e o amadurecimento do mercado, a base para o sucesso é a participação do público como investidor. A Slec não quer ser colocada na posição de aplicar multas e outras penalidades. São os investidores que têm o poder nas mãos”, afirma. Entretanto, apesar de o foco ser a orientação de boas práticas, a entidade também tem planos de apertar o cerco contra os fraudadores. Está em desenvolvimento um software para verificar automaticamente se as companhias realmente possuem todos os ativos que alegam ter. Ele acredita que, apesar das denúncias, a grande maioria dos que realizam negócios no SL são pessoas honestas, que querem se estabelecer e proporcionar retornos sólidos aos investidores.

Além dos riscos de fraude, os interessados em investir em empresas virtuais devem atentar para outro ponto: a singularidade desse mercado. “No momento de avaliar uma companhia, a questão fundamental é saber se quem a dirige está preparado para exercer essa função. A constante mudança no cenário de negócios, especialmente no SL, onde as coisas acontecem em uma velocidade dez vezes mais acelerada, faz com que seja muito importante que os administradores estejam aptos a lidar com tais peculiaridades”, avalia Susa. Está nos planos da Slec realizar uma reunião mensal com os diretores das companhias, para auxiliar na condução dos negócios e, assim, diminuir os riscos para os acionistas.

PRINCÍPIOS DE BOA GOVERNANÇA — A CVM virtual está preparando também um código de governança para os emissores listados. O manual fornecerá as linhas gerais de padrões universalmente aceitos pelas bolsas e trará orientações de boas práticas. Hoje, as normas são dadas pelas bolsas virtuais, que possuem regras próprias a serem seguidas pelas empresas. Para que possam realizar um IPO na WSE, por exemplo, é necessário apresentar um prospecto de emissão de ações com informações básicas, como área de atuação, estratégia de crescimento, fatores de risco, destinação dos recursos e composição da administração. A divulgação dos nomes reais dos diretores é facultativa e, por isso, não disponibilizada em vários casos.

Outra prática exigida é a publicação da participação e da movimentação acionária dos principais investidores de cada empresa. O presidente é, inclusive, obrigado a pedir permissão à WSE para comprar ou vender ações de sua companhia e, caso seja autorizado, deve divulgar a operação ao mercado em 24 horas. Ao presidente é também vedada a venda de papéis no prazo de 90 dias contados a partir do IPO. As ações de empresas listadas na WSE são todas ordinárias com direito a voto e as deliberações propostas aos acionistas são sujeitas à aprovação por maioria simples (ver quadro abaixo).

Apesar da sofisticação surpreendente para um mundo virtual, Kejo Merlin, dono da KJL Continent, avalia que a governança corporativa do Second Life ainda deixa a desejar. “Existe definitivamente uma necessidade de mudanças. Bolsas no SL têm, provavelmente, os melhores lucros já vistos, mas também os maiores riscos. Há pouco monitoramento e auditoria nas empresas.” A insegurança parece contagiar todos os participantes. Peter Sands, o investidor holandês, não pensa de maneira diferente. “Na maioria dos casos, existe obscuridade na condução dos negócios. Não há documentos oficiais que garantam a veracidade das informações veiculadas”, pondera. Nessa mesma linha, opina MouzurX Wise, o consultor da WSE. “É preciso haver mais regras e maior rigidez para aqueles que as descumprirem.”

POR TRÁS DO AVATAR — Mas o que levaria inúmeras pessoas a despender tempo, preocupar-se com a criação de regras e instituições e dedicar-se de corpo e alma para ter uma segunda vida? Uma das respostas, ao que parece, é a chance de começar uma história nova, da estaca zero. “Eu entrei no SL com a idéia de ser um viking. Queria realizar saques e outros atos de vandalismo. Mas, quando entrei, percebi algo extraordinário. Um mundo onde pessoas podem fazer coisas que jamais poderiam na vida real. Um homem doente e incapacitado para andar pode sair às ruas dançando com sua esposa. Pessoas com disfunções podem interagir de maneiras até então impensáveis”, diz TraderJohn Susa. Sands, por sua vez, diz que entrou por curiosidade. “Queria saber se este mundo era mesmo tão interessante quanto havia lido. Percebi que é mesmo muito excitante e divertido”, explica.

Enquanto curiosos se lançam em uma segunda vida, empresas buscam oportunidades de negócios. A ExpoMoney e a XP Investimentos possuem estandes de informações, que contam com a presença de avatares para instruir os interessados em suas atividades. Robert Dannenberg, presidente da TradeNetwork, que organiza a Expo Money, entende que o SL é uma ótima opção para se comunicar com o público que está participando do mundo virtual. “Nosso objetivo é promover a educação financeira, e o alvo são as pessoas que estão por trás dos avatares”, afirma.

Os planos incluem a realização de uma Expo- Money exclusiva para o SL. “Teremos estandes de patrocinadores e avatares de todos os palestrantes. Isso poderá ocorrer no início do próximo ano”, completa. Para Thiago Guedes, agente autônomo da XP Investimentos e responsável pelos atendimentos virtuais, esta é uma boa oportunidade de acessar investidores mais jovens. “Já realizamos uma palestra para 25 pessoas, a maioria com idade entre 18 e 25 anos.”

Por enquanto, tanto a ExpoMoney quanto a XP Investimentos são bastante cautelosas no momento de indicar qualquer tipo de investimento em ações no mundo do Second Life. “Estamos buscando conhecer mais esse mundo para orientar as pessoas. Falta regulamentação, o clima é ainda de aventura”, ressalta Dannerberg. Trabalhar, investir, captar recursos, recomeçar uma vida ou simplesmente se relacionar. Seja qual for o seu objetivo, alguém já pensou em um jeito de concretizá-lo no mundo virtual. Você está pronto para a sua segunda vida?


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