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Operações “going private” superam as ofertas iniciais de ações nos EUA, batem recordes na Europa e ensaiam os primeiros passos em mercados emergentes como o Brasil

 

ed48_32-35Pense em algumas das “ondas” que já invadiram o mercado de capitais internacional e eles estarão lá. Em muitas delas, aliás, os fundos private equity terão figurado entre os protagonistas. Nas aquisições hostis de controle da década de 80, o Kohlberg Kravis Roberts (KKR) — hoje um dos maiores do mundo e às portas da abertura de capital — foi responsável pela mais emblemática das operações, a compra da RJR Nabisco. O episódio teve sua notoriedade multiplicada com o livro Barbarians at the Gate e serviu para moldar um estereótipo dos profissionais da indústria que ainda perdura e, em boa parte, contribui para incensar as críticas a ela dirigidas. A principal delas — o interesse de maximizar ganhos de curto prazo — é agora reforçada por uma nova onda, a das operações chamadas de “going private”, em que esses fundos promovem o fechamento de capital de companhias que pretendem reestruturar e, posteriormente, devolver à bolsa.

No ano passado, foram registradas marcas históricas para as operações going private nos Estados Unidos e na Europa. O valor das companhias retiradas do pregão nessas duas regiões ultrapassou os US$ 150 bilhões, de acordo com dados divulgados pela Thomson Financial. Apenas nas bolsas norteamericanas, essas aquisições movimentaram US$ 97 bilhões em 2006, enquanto as ofertas iniciais de ações (IPOs) não chegaram nem à metade desse montante, somando US$ 41 bilhões. O padrão se repete no mercado britânico, quando analisadas somente as ofertas realizadas por companhias originárias do Reino Unido: foram US$ 27 bilhões em operações de going private e US$ 19 bilhões em IPOs de companhias nacionais — refutando a tese de que a escalada do going private é apenas mais um dos efeitos adversos da Lei Sarbanes-Oxley.

Ninguém nega que as exigências da regulamentação norte-americana tenham contribuído para reforçar essa tendência, mas analistas e acadêmicos apontam o atual ciclo de crédito como um dos principais fatores para o aumento no número de operações. Marcado pelo baixo custo dos empréstimos, pelas baixas taxas de juros e pela abundância de liquidez internacional, este movimento estimula os investidores a contrair dívida para financiar aquisições, já que estas lhes garantem novos fluxos de receitas que serão utilizados, em parte, para pagar os empréstimos.

Outro elemento importante dessa equação é o grande número de companhias abertas com alto grau de endividamento (alavancagem) e, portanto, mais vulneráveis a uma oferta de aquisição. É justamente a alavancagem das grandes companhias que explica o número cada vez maior de operações que envolvem valores acima de US$ 1 bilhão. Embora, no início, as going private tenham se restringido a negócios relativamente pequenos (situados na faixa de US$ 250 milhões a US$ 500 milhões), hoje a participação das operações envolvendo altas somas cresceu bastante. Uma pesquisa realizada pelo braço de private equity do escritório de advocacia norteamericano Weil Gotshal & Manges confirma essa mudança de patamar: 46% de uma amostra de 50 negócios realizados nos EUA entre outubro de 2005 e dezembro de 2006 envolveram somas entre US$ 1 bilhão e US$ 5 bilhões. Na Europa, esse percentual foi um pouco menor: 37% das 35 operações estudadas (veja gráfico na página ao lado).

A fragilidade das estruturas de governança e o crescimento das pressões dos acionistas foram apontados como estímulo para o going private

MODELO MAIS EFICIENTE? — A fragilidade de algumas estruturas de governança e o crescimento constante das pressões exercidas por acionistas também foram apontados como estímulo para o going private. O aumento das exigências feitas aos administradores, a constante vigilância sobre aspectos como a remuneração dos principais executivos e as cobranças por resultados trimestrais características do ambiente de capital aberto fomentaram, entre conselheiros e presidentes executivos (CEOs), uma espécie de sedução pela idéia de ser adquirido por um fundo private equity. O fato de a maioria absoluta das operações realizadas em 2006 — todas sujeitas à aprovação dos acionistas por meio de voto em assembléia — ter contado com o apoio dos conselhos de administração das companhias-alvo reforça essa tese.

Livrar-se do pesado escrutínio exercido por acionistas e pelo mercado em geral não é a única vantagem percebida pelos administradores nesse tipo de operação. Muitos deles afirmam que o modelo de uma empresa de capital fechado controlada por investidor privado é capaz de produzir maiores retornos que o de uma companhia de capital aberto e pulverizado em bolsa de valores. Isso porque o monitoramento realizado pelo conselho de administração é mais pragmático e mais próximo do dia-a-dia da empresa do que nos conselhos das companhias abertas. Puxando sardinha para sua própria brasa, o fundador da KKR, Henry Kravis, disse, em seminário realizado na cidade de Nova York, que o ativismo societário estimulou nos administradores das empresas listadas em bolsa “uma postura mais conservadora e avessa ao risco, reduzindo a sua competitividade e abrindo novas oportunidades de geração de valor para a indústria de private equity”.

É inegável também o apelo que os salários e bônus oferecidos aos principais executivos das empresas controladas pelos fundos têm para esses administradores. Donald Gogel, presidente da firma de private equity norte-americana Clayton Dubilier & Rice, em entrevista concedida ao jornal New York Times, reconheceu que a habilidade de oferecer sólidos pacotes de remuneração atrelada a resultados sem gritaria de acionistas confere à indústria de private equity uma vantagem competitiva que chega a ser injusta. Valores que seriam considerados inaceitáveis numa companhia aberta se convertem em poderosos incentivos de performance nas empresas retiradas da bolsa. Motivados pela idéia de ficarem ricos em pouco tempo, os executivos se desvelam em superar as metas e, geralmente, transformam por completo o padrão de eficiência da companhia em períodos que variam entre três e cinco anos. Depois disso, os fundos devolvem a empresa ao mercado, por meio de uma oferta de ações.

Os críticos desse tipo de operação (e da atuação dos private equity como um todo) se apegam justamente a esse aspecto para reforçar a acusação de oportunismo por parte dos fundos. Eles argumentam que os altos níveis de retorno obtidos nos anos em que a empresa permanece fora da bolsa — que costumam superar a média do mercado em 15% ou 20% — não serão alcançados quando ela voltar a ser aberta, uma vez que a gestão de uma empresa fechada seria, supostamente, mais eficiente. Assim, os fundos se beneficiariam dos retornos extraordinários obtidos enquanto vigorar o investimento e entregariam aos novos acionistas uma companhia com potencial de resultado bem diferente.

Para Alexandre Saigh, sócio responsável pela área de private equity do Pátria Banco de Negócios, esse julgamento do going private é proveniente de uma visão equivocada: a de que a companhia gera mais valor na condição de empresa fechada do que aberta. Ele explica que os ganhos derivam da melhoria da empresa e não da sua retirada do mercado. “Trazer a companhia para o universo privado apenas garante que o fundo não precise dividir os resultados gerados por seu trabalho e envolvimento.” Saigh esteve à frente de uma das poucas operações já realizadas no Brasil que podem ser classificadas como going private, a aquisição de 94% do capital da Drogasil pelo extinto Banco Patrimônio em 1994.

RARIDADE NACIONAL — Embora a companhia não tenha sido retirada do pregão, na prática, a reestruturação promovida pelo banco se enquadra nos moldes de um going private “de fato”. O executivo explica que, como haviam adquirido quase a totalidade do capital e as ações que restavam no mercado eram extremamente pulverizadas (fruto de uma política da empresa que, na década de 60, concedia ações aos consumidores que realizassem compras acima de determinado valor), eles optaram por não fechar o capital naquele momento. Em 2002, a participação foi vendida para as famílias que controlavam a rede de drogarias até a oferta de ações que a conduziu ao Novo Mercado da Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa), em 3 de julho último.

Outra companhia brasileira ligada ao setor de saúde que realizou oferta recentemente também foi objeto de um going private: a fabricante de curativos Cremer. Em abril de 2004, a Merrill Lynch Global Private Equity adquiriu 81% do capital social e promoveu uma oferta pública de aquisição de ações para tirar a empresa da bolsa. A operação foi o marco definitivo de um processo de reestruturação que vinha sendo conduzido desde 1997 por uma consultoria paulista, a Applied. Na época, a Cremer acumulava prejuízos, seu endividamento era de R$ 124 milhões e a receita bruta, de R$ 140 milhões.

Com os investimentos aportados pelo fundo, foram saldadas as dívidas, melhorada a produtividade do parque fabril e desenvolvidos produtos de alta tecnologia e com maior valor agregado. O redirecionamento do foco de negócios foi acompanhado por substituições na gestão e reforços nos controles internos e na estrutura de governança. Ao final do primeiro ano com o capital fechado, o faturamento havia saltado para R$ 269,3 milhões. Um executivo próximo à operação que prefere não se identificar lembra que, apesar de ter cancelado o registro de companhia aberta, a Cremer continuou a divulgar informações financeiras em seu site na internet, justamente porque o retorno aos pregões fazia parte da estratégia de reestruturação.

Patrice Etlin, sócio da Advent International — fundo de private equity que investe principalmente em empresas de serviços e de varejo —, diz que o reduzido número de casos concretos no País não é sinônimo de desinteresse pelo modelo. “A Bovespa tem hoje um horizonte pequeno de companhias com o perfil desse tipo de operação, principalmente porque boa parte teve suas ações bastante valorizadas nos últimos anos, em especial aquelas em que os fundos de valor adquiriram uma parcela do capital.” Alexandre Saigh, do Pátria, concorda. “Falta-nos estoque. Há poucas oportunidades interessantes entre as companhias mais antigas e ainda é cedo para avaliar o padrão de entrega de resultados das novatas.”

Questionado sobre a perspectiva de novas operações desse modelo, Etlin, da Advent, se revela reticente quanto às possibilidades de curto prazo. Mas enxerga na evolução do mercado de capitais o impulso que o going private precisa para decolar. “Daqui a dois ou três anos, veremos um processo de decantação dos IPOs que tivemos desde 2004. Algumas dessas companhias podem não ir bem ou mesmo ter seus papéis negociados com desconto significativo, ampliando o número de candidatas.” Marcos Regueira, presidente da Associação Brasileira de Private Equity e Venture Capital (ABVCAP), também entende que as operações de going private sejam características de mercados mais maduros, que já embarcaram num novo ciclo de investimentos de private equity. “Ainda estamos num estágio anterior e é complicado prever quando esse novo momento irá chegar.”


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