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Pílulas do mal?
Barreiras criadas pelas poison pills podem minar o tag along e já começam a preocupar minoritários

ed40_p026-029_pag_3_img_001Cada vez mais sofisticadas e freqüentes nos estatutos sociais, as cláusulas apelidadas de poison pills começam a acender uma luz amarela para os investidores. Se a dose do veneno for muito forte, elas podem ter o efeito adverso de limitar em demasia a possibilidade de uma reconfiguração do controle — mais especificamente, desta espécie nova de controle chamada de “difuso”.Normalmente utilizadas para proteger a dispersão acionária e dificultar aquisições hostis, as poison pills geram também alguns efeitos colaterais. O mais comentado é o incentivo que ela pode representar à manutenção de uma administração ineficiente ao proteger demasiadamente a companhia de uma tentativa de compra em bolsa de valores. Mas esse não é o único. Há um outro risco que, de pouco tempo para cá, tem preocupado os minoritários sobremaneira: a possibilidade de esses dispositivos, quando injetados em doses muito elevadas, impedirem aquisições de controle que poderiam disparar a oferta pública mandatória para todos os acionistas (tag along) prevista no regulamento do Novo Mercado.

Pelas regras do nível máximo de governança da Bovespa, é obrigatória a realização de Oferta Pública de Aquisição (OPA) pela totalidade das ações em circulação sempre que houver transferência do “poder de controle” da companhia, por preço igual ao fechado na transação. Numa empresa com controle difuso, entende-se que o “poder de controle” é detido por aqueles acionistas que tenham assegurada a maioria dos votos nas três últimas assembléias gerais. Em outras palavras, esses acionistas, embora não detentores da maioria do capital votante, seriam uma espécie de nova versão de controlador, uma vez que seus votos configuram maioria e podem conduzir o funcionamento da companhia. Por conta desse poder, o Novo Mercado exige que, se esses “quase-controladores” venderem seus papéis, deve incidir o tag along.

Agora, imaginem uma empresa em que esses acionistas detenham 30% das ações. E que, no estatuto social, exista uma cláusula (uma poison pill) que imponha a OPA à totalidade dos acionistas, em condições de preço bastante elevadas, para aquele que adquirir mais de 20% do capital social. Pois bem, tem-se aí um exemplo típico em que as poison pills podem impedir o tag along. Se houver um comprador interessado nos 30% de participação daqueles “quase-controladores”, é possível que ele não consiga ir adiante por conta das dificuldades impostas pela poison pill a quem queira comprar mais de 20%.

Já se imaginarmos um cenário em que a pílula venenosa não existisse, a aquisição teria muito mais chances de ocorrer. E mais: por se tratar de uma participação que configura “poder de controle”, os novos sócios estariam obrigados a fazer a OPA para todos os acionistas pelo mesmo preço pago pelos 30%. Resumindo: com a poison pill, os acionistas correm o risco de nunca receber uma OPA, principalmente se as condições de preço impostas forem tão elevadas a ponto de inviabilizar a operação. Já sem a poison pill a aquisição do “poder de controle” torna-se mais provável e, com ela, também o tag along.

“Um dos principais retornos que se têm com a ação é o prêmio de controle; ao se criar a poison pill, tira-se o incentivo mais importante para que os acionistas tenham acesso a esse prêmio”, afirmou Luiz Fernando Figueiredo, presidente da Associação dos Investidores do Mercado de Capitais (Amec) em painel sobre o tema no 7º Congresso de Governança Corporativa, realizado nos dias 20 e 21 de novembro pelo Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC). “É muito difícil imaginar que uma companhia com poison pills não tenha um desconto por conta disso”, completou.

As barreiras impostas pela poison pill também podem colocar em dúvida as vantagens oferecidas pelo Novo Mercado. Afinal, nas empresas em que essas “pílulas” forem muito severas, o tag along pode estar fadado a nunca passar de um direito pró-forma, uma vez que as chances de aquisição do “poder de controle” estariam sempre reduzidas. Na prática, a coexistência de poison pills e tag along pode, inclusive, deixar uma dúvida no ar. Voltemos ao exemplo anterior: se a companhia for do Novo Mercado e alguém quiser comprar os 30% dos “quase-controladores”, o que acontece? Deve ser obrigatória a OPA prevista na poison pill, que pode ser muito mais cara e, até mesmo, inviável, ou a OPA do tag along, que tem chances de ser mais factível?

Ciente da possibilidade de esta dúvida surgir, a Bovespa se antecipou. Desde setembro, vem incluindo nos contratos assinados entre as companhias e os segmentos especiais de governança uma cláusula segundo a qual, em caso de conflito entre as regras do estatuto social e as do Novo Mercado ou do Nível 2, prevalecem as destes últimos. “Sempre que se configurar prejuízo de direitos dos acionistas, o regulamento dos níveis diferenciados deverá prevalecer sobre o que dispõem os estatutos”, explica João Batista Fraga, superintendente de relações com empresas da bolsa. Na hipótese lançada acima, portanto, a OPA do tag along poderia se sobrepor à da poison pill, se configurado o prejuízo aos acionistas.

PÍLULA ILEGAL? — No campo das críticas às poison pills, sobram até dúvidas quanto à sua validade jurídica. O ponto de controvérsia é o artigo 36 da Lei das S.As, que dispõe sobre a imposição de limites à circulação das ações.

O artigo admite que, no caso das companhias fechadas, se estabeleça restrições à circulação das ações, desde que estas fiquem claramente reguladas e sejam previamente submetidas à concordância dos respectivos titulares dos papéis. Ao incluir essa possibilidade, a lei buscava justamente proteger a administração, limitando, por exemplo, a participação de concorrentes na sociedade.

Ao mencionar apenas as sociedades anônimas de capital fechado, a redação do artigo permite deduzir que eventuais limites à circulação de ações em companhias de capital aberto estariam proibidos — o que seria, na visão de alguns advogados, motivo suficiente para impedir a inclusão de poison pills nos estatutos sociais de companhias brasileiras. “A livre transferência de ações é característica essencial de uma companhia de capital aberto e uma das principais formas de distingui-la das sociedades limitadas”, explica Fernando Albino, sócio do Albino Advogados Associados. “Sob esse ponto de vista, seria perfeitamente possível fazer tal alegação.”

A dúvida maior é quando determinado investidor tem, por exemplo, 19,9% do capital, e a poison pill obriga a OPA com preços pré-estabelecidos para aquisições superiores a 20%. “Este investidor — e aquele que poderia lhe vender ações — não estaria limitado a comprar novos papéis?,” questiona um advogado especializado que preferiu não se identificar. “Não ficaria assim limitada a circulação das ações?”. Outros advogados consultados, porém, argumentam que esse impedimento ocorre apenas em uma situação específica (quando a participação a ser adquirida ultrapassa a barreira do poison pill) e que, em qualquer outra hipótese, o investidor está livre para comprar ou vender papéis na bolsa a preço de mercado. “O nível de liquidez das ações seria a principal evidência da existência ou não de um impedimento à circulação. A dificuldade de configurar a violação à lei cresce à medida que este for diferente de zero”, afirma Priscila Guidi, advogada do escritório Barretto Ferreira, Kujaswki, Brancher e Gonçalves.

MECANISMO DE PRESERVAÇÃO — Francisco da Costa e Silva, sócio do Bocater Camargo Costa e Silva Advogados, destaca o aspecto positivo da adoção das poison pills. “É absolutamente legítimo que se procure preservar uma estrutura que tem padrão de governança diferenciado, num momento em que este ainda dá seus primeiros passos. O dispositivo confere força, reduz a vulnerabilidade de quem funciona de maneira diferente da que era até então tradicional.” Ele lembra que o direito de voto para a totalidade dos acionistas, assegurado no Novo Mercado, traz uma dinâmica nova, que ainda está sendo testada no ambiente brasileiro.

A visão positiva dos advogados sobre as poison pills pode ser uma justificativa para o fato de elas estarem se espalhando pelos estatutos sociais. Se antes eram praticamente exclusivas das companhias de capital pulverizado, agora estas também figuram nos estatutos das companhias com controlador.

O advogado Francisco Müssnich, sócio do escritório que cuidou das ofertas de Santos Brasil e M Dias Branco (o Barbosa Müssnich & Aragão), explica que esses dispositivos são igualmente pertinentes nos dois tipos de companhia. “Sua função é assegurar a manutenção de uma estrutura que foi considerada ótima no momento em que se desenhou a abertura de capital. Caso um determinado investidor tencione mexer nessa formatação, o estatuto lhe atribui um dever fiduciário em relação ao restante dos acionistas, que é o de lhes propiciar um mecanismo de saída — a OPA — a um preço que se convenciona justo — o das premissas estabelecidas pela poison pill.”

No Congresso do IBGC, o advogado Sergio Spinelli, do escritório Mattos Filho Veiga Filho Marrey Jr. e Quiroga, também defendeu as poison pills. “Elas foram criadas para preencher um vácuo que existia na regulamentação. O objetivo é evitar que o controle volte a existir sem que se pague por ele”, disse. Spinelli defendeu ainda que os investidores devem usar mais as funções do conselho de administração em momentos como esse. “Se a poison pill não estiver boa, os acionistas devem se reunir e encaminhar um pedido ao conselho para que o estatuto seja modificado.”


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