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Caçadores de projeto
Dos cerca de 300 negócios avaliados por ano pelos gestores de venture capital, menos de 1% são escolhidos. E, podem acreditar, entra de tudo nesse filtro

Em 1967, pouca gente sabia o que a expressão capital de risco — ou, no inglês, venture capital — significava ao certo. Mas foi exatamente neste ano que um visionário chamado Arthur Rock tirou US$ 10 mil do próprio bolso, e arranjou US$ 2,5 milhões com outros investidores, para ajudar dois sócios a fundar uma fábrica de circuitos eletrônicos na Califórnia. Mais tarde, aquele projeto passaria a produzir uma peça hoje conhecida como o cérebro dos computadores, o microprocessador, e a empresa seria a líder deste segmento. Estamos contando a história da Intel, um bem-sucedido case de venture capital, nascido de um projeto escrito numa única folha de papel, com nove frases e três erros de digitação.

Quase quarenta anos depois, esses antigos visionários — agora chamados de venture capitalists — conquistaram seu espaço no mundo das finanças. Só no Brasil, a Associação Brasileira de Private Equity e Venture Capital (ABVCAP) reúne 50 gestores de fundos que injetam recursos em empresas iniciantes ou em desenvolvimento, esperando colher, no momento de sua venda, um retorno para lá de apetitoso. Como conseguem isso? Não é uma tarefa fácil. No sonho de se depararem com um diamante para ser lapidado, esses profissionais fazem de tudo para encontrar negócios que, se não repetirem a façanha da descoberta de Arthur Rock, pelo menos alcancem um naco do sucesso da gigante de tecnologia.

As dificuldades dessa saga podem ser conferidas pelas estatísticas. Em média, um fundo com esse perfil avalia, a cada ano, cerca de 300 propostas de negócios. Há casos de empresas já bastante estruturadas, outros de empreendimentos ainda em fase de gestação e até idéias bizarras, dignas de levar a assinatura do professor Pardal, o personagem inventor das histórias em quadrinhos da Disney. Dos 300 projetos, apenas 10% chegam à segunda fase de seleção, quando os investidores olham mais atentamente para o negócio já pensando numa eventual visita à empresa ou reunião com seus responsáveis. Das 30 candidatas, sobram apenas cinco, e são essas que irão assinar algum termo de compromisso, preparando-se para um futuro contrato caso consigam passar pela auditoria externa, que verificará se todos os dados apurados até então são verdadeiros. Ao final do ano, somente uma ou duas empresas farão parte do fundo.

Ora, a proporção de dois empreendimentos aprovados num grupo de 300 não revelaria um rigor exagerado por parte dos capitalistas brasileiros? Nem sempre, segundo revela o presidente da ABVCAP, Marcus Regueira. O que acontece é que há poucos fundos com esse perfil no Brasil. “Isso faz com que os gestores se tornem mais elitistas”, explica ele. É bem possível que existam entre os 258 projetos desperdiçados pelo caminho boas oportunidades de negócios. Contudo, pelo fato de o País ainda atrair poucos recur sos voltados a esse tipo de investimento, muitas empresas são deixadas de lado quando disputam a atenção com outras mais preparadas para competir.

Basicamente, são cinco itens dos quais os gestores não abrem mão de contar num empreendimento: ser um negócio financeiramente saudável, pertencer ao setor que caracteriza o perfil do fundo (tecnologia, varejo, serviços etc.), demonstrar grande capacidade de geração de caixa, ter uma equipe de bons gestores e, por fim, aceitar o preço oferecido pelo fundo por uma participação acionária na empresa. “Sem essa lista estar completa, dificilmente um contrato é assinado”, acrescenta Regueira, que também está à frente da FIR Capital.

Até este esperado momento acontecer, pode-se dizer que os gestores dos fundos venture capital passam por uma verdadeira saga na qual não faltam histórias curiosas e projetos sem pé nem cabeça. Em busca de algumas delas, a reportagem da Capital Aberto pesquisou o que quatro gestores de venture capital, nacionais ou com escritórios no Brasil, já encontraram pela frente. E descobriu que não é impossível, por exemplo, deparar- se com cartas escritas a lápis ou batidas à máquina em busca do dinheiro do fundo. Uma delas era de uma mãe pedindo recursos para abrir uma escola infantil e dando como garantia sua prática para cuidar de crianças. Outro projeto oferecia a oportunidade de o fundo comprar um terreno que, segundo as fontes do vendedor, estaria bastante visado por uma igreja interessada em construir no local.

Na lista das idéias, digamos, um tanto extravagantes, merece destaque ainda uma fábrica de cadeiras para grávidas que desejam fazer o parto de cócoras e um air bag para motocicletas. Porém, de todos os projetos citados, o primeiro lugar no quesito inusitado era justamente aquele que pedia um investimento, mas não contava para qual finalidade. De acordo com o autor da revolucionária engenhoca, era necessário manter o segredo do projeto, pois, caso contrário, “o fundo poderia roubar a sua invenção”.

PESSOAS E NEGÓCIOS — “É uma rotina muito interessante”, diverte-se Marcelo Safadi, diretor financeiro da Eccelera. Para o engenheiro, que deixou sua carreira de nove anos na Procter & Gamble com a intenção de se juntar ao time de analistas de novos negócios da empresa em 2000, o dia-a-dia do venture capitalist brasileiro vai além da análise de negócios. “É maravilhoso atuar nessa área, pois conhecemos pessoas com os mais diferentes perfis”, revela. Para Safadi, analisar o time que está por trás do negócio é tão importante quanto o empreendimento em si. Já aconteceu, por exemplo, de a Eccelera encontrar um empreendedor exemplar, mas que trazia uma idéia de negócio não muito atrativa. O que fizeram? “Convidamos o empresário para dirigir um outro projeto.”

Na Intel Capital, o bom aproveitamento dos recursos humanos também é prioridade. “Sociedade é como um casamento. Tem de existir afinidades”, ensina o gerente de investimentos estratégicos para a América Latina, Fábio de Paula. Ora, a origem da própria multinacional onde trabalha foi baseada numa relação de confiança estabelecida entre os investidores e os sócios originais da pequena fábrica de circuitos no Vale do Silício. A folha de papel com a proposta para a criação da Intel trazia a assinatura de dois verdadeiros gênios da eletrônica na região, Gordon Moore e Robert Noyce. Tanto que a dupla soube perceber o momento da mudança de foco do negócio, migrando da produção de sistemas voltados à indústria de radares para a fabricação do microprocessador.

Patrice Etlin, sócio do fundo norte-americano de investimentos Advent, que está há nove anos no Brasil, reconhece o surgimento de uma nova geração de empreendedores atentos à importância da prática da boa governança. “Mas ainda há muitos projetos excelentes que pecam, justamente, pela falta de profissionalismo”, lamenta ele. Entre as situações desconcertantes com as quais já se deparou, Etlin cita a de um empresário que sequer atendia o telefonema deles por desconhecer o que era um fundo de venture capital, a de um empreendedor que deixava brigas familiares interferirem no dia-a-dia da fábrica e a de um terceiro que aceitava o dinheiro dos investidores, mas não queria saber de oferecer uma participação no negócio por mero ciúme da empresa.

Por fim, o quarto gestor ouvido pela reportagem foi Rodin Spielmann, diretor da IdeiasNet. A própria holding de tecnologia contou com a ajuda de um fundo de investidores para ser lançada, abrir o capital e estrear na bolsa no ano 2000. Para formar a empresa, seus fundadores tiveram de escolher entre centenas de propostas dos mais diferentes tipos, despejadas diariamente em sua mesa entre 1998 e 1999, no final do boom da internet. “Havia situações em que era preciso conversar com os pais do empresário, porque se tratava de um menino menor de idade.”

Spielmann recorda que, no total, os quatro sócios da IdeiasNet analisaram 3 mil projetos. Desse bolo, escolheram 21 empresas. Duas delas desistiram de fechar o contrato e, no IPO (oferta pública de ações), a holding chegou ao mercado com 19 negócios de tecnologia. Durante o árduo processo na seleção de projetos, era comum se deparar com empreendedores que, conforme ele próprio conta, tinham a idéia de um novo site à noite e, de manhã, já ligavam para o seu escritório. “Os faturamentos projetados eram milionários. Quando perguntávamos como fariam esse caixa, eles se olhavam entre si, e a sala era preenchida por um longo silêncio.”

COMEÇO DE NAMORO — Se até agora explicamos as razões pelas quais tantas empresas são descartadas pelos analistas de venture capital, chegou a vez de dizer como se comportam os namoros entre investidor e empreendedor que conseguiram atravessar essa barreira. É bom lembrar que estamos nos referindo a apenas 10% das propostas levadas aos fundos que, segundo as estatísticas, teriam alguma chance de serem analisadas com mais interesse.

Quando o venture capitalist gosta do que vê, ele corre atrás de informações adicionais como, por exemplo, a situação de seus fornecedores. Nessa primeira diligência, não é raro alguns negócios serem descartados por conta de dívidas judiciais, informalidade e sonegação de impostos detectadas em alguma etapa da cadeia de produção. Também acontece de a empresa estar 100% enxuta, mas não receber o aval dos analistas por serem percebidas grandes chances de ela ser abatida pela concorrência. Encaixam-se aí os projetos na área de serviços e varejo que não sobreviveriam a uma briga com as grandes companhias do setor.

Porém, se tudo correu bem até este momento, o venture capitalist começa a discutir o preço para a compra de uma determinada participação no negócio. Há fundos que preferem ser majoritários — para dar o tom à gestão do empreendimento dali em diante — e outros que gostam de ter uma participação fora do bloco de controle, pois entendem o quanto a liderança do sóciofundador é importante para a empresa naquela fase.

Cumpridas todas essas etapas, isto é, depois de quatro ou cinco meses de namoro, o casamento é feito e o contrato, assinado. Os gestores do fundo injetam o capital combinado e passam a acompanhar o negócio, seja através de um ou mais conselheiros na administração, ou mesmo com um executivo na presidência. A seguir, vem a chamada fase de maturação, quando a companhia começa a ganhar corpo e engordar o caixa. Só esse período leva, em média, de quatro a seis anos. Por fim, quando acharem que a empresa está pronta para andar com as próprias pernas, ela será oferecida a potenciais compradores e o fundo terá ou não o retorno do investimento feito lá atrás.

Saída via bolsa de valores cria paradoxo para os fundos

Ninguém nega que o fortalecimento do mercado de capitais teve grande importância para a indústria de venture capital e private equity. Muitos desses projetos estrearam com sucesso recentemente na bolsa, como aconteceu com a CSU Cardsystem e a Totvs — ambas originadas de fundos da Advent. A Company, a Lupatech e a Datasul também são exemplos de IPOs em que foram vendidas participações de fundos de investimentos.

A porta de saída aberta pela bolsa de valores, porém, vem gerando um efeito que, de certa forma, muda a essência dos fundos venture capital. Atentos a essa promissora oportunidade de liquidez, eles começam a procurar empresas que tenham a capacidade de, alguns anos à frente, faturar no mínimo R$ 100 milhões por ano — patamar de referência para uma empresa estar habilitada a lançar ações na bolsa. Fundos como os da Eccelera, Intel Capital, Advent e a própria IdeiasNet passaram a exigir, nos últimos dois anos, um limite mínimo de faturamento, de acordo com o ramo do negócio, para iniciarem uma conversa com o empreendedor. Seria uma forma de migrarem para investimentos de private equity — cuja característica é exatamente a aposta em negócios mais estruturados.

Marcus Regueira, presidente da ABVCAP, reconhece que essa mentalidade pode dificultar ainda mais o casamento entre investidores de fundos e empreendedores brasileiros. Porém, mantém-se otimista. Segundo ele, a grande virada deste setor acontecerá com a chegada de outros fundos ao País, que não discriminarão companhias com baixo faturamento. A busca por novos investidores começa em setembro, quando o recém-empossado presidente da entidade segue para os Estados Unidos na tentativa de vender o mercado brasileiro de venture capital e private equity em dois eventos — um em Nova York e outro em São Francisco. “A falta de publicidade faz com que não captemos tantos recursos como seríamos capazes”, acredita. (ASS)


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