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Saia justa
Vazamento de informação coloca o RI no dilema de antecipar um fato relevante correndo o risco de arruinar a negociação em andamento

O telefone da diretoria de Relações com Investidores da companhia tocou. Um analista tentava saber se eram verdadeiros ou não os boatos que rondavam no mercado de que aquela empresa seria incorporada por outra dentro de poucos dias. Infelizmente, a dúvida não era fruto de mera especulação, o que significa que a informação tinha mesmo vazado antes de se tornar pública. Se você estivesse no lugar desse profissional de RI, como agiria nessa situação?

Eis um dilema comum na carreira de quem faz o papel de porta-voz de uma companhia aberta. Lidar com o chamado inside information — o termo inglês para designar informação privilegiada — ainda é um desafio para essa profissão. Pense se mudássemos o exemplo hipotético acima, isto é, se o RI se deparasse com um questionamento absurdo, sem o menor sentido. Seria natural que ele negasse o boato enfaticamente, a fim de que aquela afirmação ilógica não se propagasse para outros investidores. Só que o perigo estaria justamente aí.

Na próxima vez que transmitisse qualquer outro tipo de resposta ao mercado, algo como “não tenho nada a declarar”, o RI estaria entregando, sem perceber, a confirmação que o investidor precisava. Afinal, quando o boato não era verdadeiro, ele tratara de negá-lo. Desta vez, por ter adotado um comportamento diferente, levantou uma dúvida e abriu espaço para interpretações por parte de seu interlocutor.

Por esse raciocínio, fica mais fácil saber como agir diante de um dilema como o que deu início a esta reportagem. “Para todos os casos, a postura da companhia, numa situação de boato ou de informações verdadeiras ainda não oficializadas, deve ser sempre a mesma: não comentar”, ensina o advogado Paulo Cezar Aragão, do escritório Barbosa, Müssnich & Aragão. “O problema é que muitos ainda sentem dificuldade para responder apenas ‘não comento’ nessas ocasiões”, acrescenta.

Mas esse está longe de ser o dilema mais difícil numa situação como essas. Além de aprender a dizer somente “não comento”, o RI, no caso de a informação ser verdadeira, terá de decidir se divulga ou não um fato relevante, mesmo com o risco de estragar a operação em andamento.

Vejamos o que diz a regulamentação nesses casos. Em termos gerais, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) é clara em várias de suas instruções quanto à obrigação do princípio da igualdade de acesso às informações. Mais especificamente, a de número 358 define a obrigação dos administradores e controladores de guardar sigilo dos fatos aos quais tenham acesso privilegiado.

Tal dever de abstenção, diz o órgão controlador, decorre justamente da intenção de proteger o público investidor, sob a premissa de que a utilização da informação privilegiada afeta uma garantia fundamental para o bom funcionamento do mercado: a credibilidade. Daí a importância de adotar a tolerância zero e de aprender a dizer “não posso comentar”.

HORA DE AGIR — Para Guido Lemos, gerente de Relações com Investidores da Porto Seguro, as situações de inside information requerem muitos cuidados. “Precisamos estar atentos à oscilação anormal do papel. Nenhum tipo de boataria deve fazer a empresa ficar de braços cruzados. Mesmo se for uma hipótese irreal, é o momento de a companhia divulgar um fato relevante para esclarecer o mercado”, diz.

Vitor Fagá, gerente de RI da CPFL, acredita que, cada vez mais, os investidores têm aprendido a não fazer esse tipo de questionamento com o objetivo de obter uma informação exclusiva. “O próprio mercado condena quem não sabe lidar com a informação privilegiada, pois entende que o procedimento é nocivo a todos”, explica. “Se hoje o gestor de uma asset for beneficiado com algum dado extra-oficial, ele sabe que amanhã aquela mesma companhia poderá ajudar um outro investidor e prejudicar o seu trabalho.”

Na opinião do diretor de RI na Net, Leonardo Pereira, ser pró-ativo nessas situações é sempre a melhor solução. “Se existe alguma decisão estratégica que está próxima de ser tomada, é hora de deixar o press release pronto, para ser divulgado a qualquer sinal diferente do pregão”, diz. Para o RI, o ideal é que informações de grande relevância, como uma venda ou aquisição, sejam tornadas públicas antes mesmo de qualquer suspeita do mercado. A questão é que nem sempre isso é possível, pois, muitas vezes, a divulgação de um “namoro” para uma fusão, por exemplo, pode ser fatal para a conclusão da operação.

E o que a CVM acha desses argumentos? Pelo menos nos três exemplos citados, a conduta está correta, de acordo com a avaliação de Aline de Menezes Santos, chefe de gabinete da presidência do órgão regulador. “Em todas as situações em que a empresa está prestes a fazer uma negociação importante, o RI precisa ficar de olho na cotação da ação”, pontua. “Se o papel mexeu, é hora de ele informar o mercado.”

Aline explica que a sonegação de informações ou a divulgação feita de forma insatisfatória pode ser passível de punição por parte da CVM. Em resumo, sob o ponto de vista do órgão regulador, mesmo que um fato relevante possa estragar uma eventual negociação, o melhor a fazer, em caso de vazamento, é deixar o mercado por dentro de tudo.

PÁRA-RAIO — A chefe de gabinete lembra que as punições para o RI que negou a informação, se comprovado o suposto vazamento numa situação de oscilação anormal da ação, podem ir de multas à inabilitação para o cargo. “Esse profissional está ali para informar. Logo, se não cumpre essa função, torna-se o primeiro a ser punido”, afirma ela, que costuma chamar essas áreas de pára-raio regulatório da companhia. “Eles estão ali para apanhar”, brinca.

Depois do RI, é hora de correr atrás da fonte que estava dentro da operação (o insider) e que transmitiu aquela informação ao mercado. Para isso, a CVM conta com um sistema de inspeção eletrônica que rastreia movimentações fora do padrão e seus respectivos operadores. Detectado algum indício de irregularidade, o sistema expede um ofício para as áreas supervisoras avaliarem se o fato merece ou não uma investigação.

No ano de 2005, segundo o relatório anual da comissão, foram concluídas 162 análises sobre operações suspeitas nos mercados de bolsa e de futuros, que resultaram em 32 termos de acusação e 11 inquéritos administrativos. Como o critério para medir a quantidade desses procedimentos foi alterado em 2005, o órgão não tem, infelizmente, como comparar esse número com os anos anteriores. Tampouco pode dizer se há uma percepção de maior ou menor ocorrência de vazamento de informação privilegiada no País nos últimos tempos.

Parte da dificuldade de mensurar essas ocorrências está no fato de a sua constatação levar meses, ou até anos, para ser comprovada definitivamente. Basta ver que, nos Estados Unidos, os primeiros responsáveis do caso Enron por operar no mercado com informações privilegiadas só começaram a ser punidos em 2004. De 2001 até lá, foi o tempo que a Justiça norte-americana levou para provar que os executivos que sabiam dos balanços inflados da companhia venderam as ações por US$ 90 muito tempo antes de o escândalo virar público e derrubar o papel. A ação despencou para US$ 15 e, mais tarde, foi reduzida a centavos.

Só o CEO da Enron, Kenneth Lay, vendeu cerca de US$ 90 milhões em ações durante um ano, terminando a desova cerca de um mês antes de a fraude ser descoberta. Já o comportamento de sua esposa, Mrs. Linda Lay, foi mais bizarro. Ela chegou a vender cerca de US$ 1,2 milhão que tinha em ações da Enron a exatos 30 minutos da divulgação do comunicado da companhia que confirmaria os erros nos números.

NA MIRA DO REGULADOR — Aqui no Brasil também não faltam histórias. Para citar apenas as mais recentes, há o episódio de reestruturação da Telemar, cuja informação vazou para o mercado no fim de semana anterior ao vencimento de opções. A CVM também investiga o caso de vazamento da notícia das negociações do Itaú para compra do BankBoston no Brasil. Em ambas, o órgão apura não só a eventual prática de inside information, como, também, a responsabilidade dos respectivos departamentos de RI sobre uma eventual demora para revelar ao mercado o que havia por trás daquelas oscilações.

O superintendente de RI do Itaú, Geraldo Soares, explica que, antes da abertura do pregão, o banco soltou um fato relevante comentando a notícia divulgada pela imprensa naquele mesmo dia sobre a compra do BankBoston. No comunicado, o Itaú não chegou a confirmar a operação. Disse apenas que estava “efetivamente explorando opções para expandir suas operações” no Brasil e na América Latina e que, naquele momento, não havia “nenhum acordo ou contrato firmado, motivo pelo qual qualquer divulgação seria prematura”. “Fizemos exatamente o que está previsto em nossa política de divulgação”, afirma Soares.

Os analistas de corretoras e assets que testemunharam essas altas até então inexplicáveis também deixam sugestões para RIs e órgãos reguladores agirem nessas ocasiões. Para o sócio da Nitor Investimentos, Rodrigo Lopes, o ideal é que as negociações do papel sejam suspensas até que todos entendam o que está acontecendo. “Não adianta apenas soltar um fato relevante em pleno funcionamento do mercado, pois isso só aumenta a confusão”, acredita. Já Luiz Otavio Broad, analista da Ágora Sênior, se solidariza com a situação do RI. “Sempre acaba sobrando para ele, mas a culpa mesmo é de quem vazou o fato”, avalia. O advogado Paulo Cezar Aragão lembra que o RI pode ser poupado caso consiga provar que agiu de boa fé. “Às vezes ele vê uma rachadura na parede e não considera algo relevante. No dia seguinte, a parede inteira cai. Ora, como ele iria prever?”, compara. Contudo, até que se prove o contrário, e a tal “rachadura” for mesmo suficiente para um monte de investidores ganharem dinheiro com informações privilegiadas, o RI estará na mira de quem o enxerga como um sonegador de fatos relevantes. Mas quem foi que disse que a vida desse profissional tinha que ser fácil?


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