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Hora da verdade
Estudo encomendado pela CVM analisará os balanços antes e depois do rodízio de auditoria e será determinante para a manutenção ou a extinção do sistema

, Hora da verdade, Capital AbertoEste promete ser um ano conclusivo para a questão do rodízio de auditorias imposto pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) a todas as companhias abertas. Desde maio de 1999, data da publicação da Instrução 308, não é mais permitido a essas empresas manter o contrato com uma mesma firma de auditoria por mais de cinco anos. Até hoje, o assunto não arrefeceu e muitos debates são travados entre os participantes do mercado. As firmas de auditoria fazem forte pressão para que a autarquia acabe com o rodízio e insistem em provar, com um discurso afiado, que os custos desse sistema não compensam os seus benefícios. A discussão atingiu tamanha envergadura que fez com que a CVM encomendasse um estudo à PUC-RJ para avaliar o rodízio. O objetivo do órgão regulador é medir a eficácia da troca, especialmente no que se refere ao argumento de que a mudança constante das firmas prejudica a qualidade do trabalho dos auditores. Segundo os críticos, o processo de conhecimento do novo cliente abre margem para uma maior incidência de erros, principalmente nos dois primeiros anos de relacionamento.

Para diagnosticar se a qualidade da auditoria foi ou não afetada, a PUC-RJ elaborou um plano de trabalho que teve início em setembro. O primeiro passo foi olhar o Sistema de Análise Financeira e de Informações Anuais (Safian), uma base de dados da autarquia que compila mais de 4.600 demonstrações financeiras e balanços de companhias abertas. Com essas informações em mãos, os coordenadores Juliano Assunção e Vinicius Carrasco, professores de economia da universidade, pretendem identificar o padrão de comportamento dos balanços desde 1999 e, desta forma, isolar as variações que venham a ser decorrentes do rodízio. O mesmo procedimento será utilizado com as firmas de auditoria. Serão observadas práticas que distinguem a metodologia utilizada pelas auditoras para eliminar eventuais distorções decorrentes das diferenças entre as técnicas aplicadas por elas. Com base em dados livres de interferências relativas ao negócio das companhias e ao procedimento das firmas, explica Assunção, os pesquisadores vão avaliar a qualidade das demonstrações financeiras com e sem o rodízio.

Será feita uma análise de como o assunto é tratado em outros mercados e das alternativas adotadas mundo afora

A independência dos auditores — uma das razões para a implementação do sistema, que visa evitar os vícios de relacionamento e a perda da imparcialidade — também vai ser alvo do estudo, mas de maneira indireta. Ressalvas no parecer do novo auditor aliadas à má qualidade das demonstrações antigas seriam indicativos de que a relação estaria contaminada. “A análise das empresas ao longo do tempo e a observação sobre o trabalho de uma mesma firma auditando diferentes instituições geram um ambiente de pesquisa bastante favorável. O resultado final será muito contundente”, prevê Assunção.

O trabalho vai também testar se as práticas de governança desenvolvidas pelas empresas nos últimos anos seriam suficientes para garantir a qualidade das demonstrações financeiras e dispensar o rodízio. Será feita uma comparação entre companhias listadas e de capital fechado para aferir em que medida o próprio mercado exerce um monitoramento sobre as contas das instituições. Se a resposta for afirmativa, este será um ponto contra o rodízio. “Não vamos avaliar os elementos isoladamente, mas buscar uma forma de interação entre eles”, afirma Carrasco.

Além de examinar os dados disponibilizados pela CVM, o estudo terá outras etapas. Será feita uma análise de como o assunto é tratado em outros mercados e das alternativas adotadas em países que optaram por não estabelecer o rodízio. A última fase do trabalho vai compreender uma série de entrevistas com companhias, associações e com as próprias auditorias. A intenção é ouvir os comentários desses agentes e tomar conhecimento de críticas e sugestões. Essa conversa também servirá para obter informações e as impressões do mercado quanto à preservação da independência das firmas após longos contratos. De acordo com os coordenadores, as conversas serão importantes, mas o enfoque maior será na observação dos dados levantados, e não nas impressões obtidas nas entrevistas.

DEFENSORES DOS DOIS LADOS — A pesquisa atende a uma decisão tomada pelo colegiado da CVM na época em que a Instrução 308 foi publicada. Segundo Antonio Carlos de Santana, superintendente de normas contábeis e auditoria da autarquia, foi determinado que a regra não seria mexida enquanto não houvesse um estudo com elementos para embasar a decisão. No entanto, ele enxerga que houve mudanças desde então. “Nos últimos cinco anos, foram implementadas algumas ações que minimizariam a exigência do rodízio”, afirma Santana. Ele cita o processo de revisão de pares como uma das medidas que melhoraram a qualidade do trabalho dos auditores. Nele são avaliados os procedimentos adotados pelos contadores e pelas firmas de auditoria concorrentes, com vistas a assegurar a qualidade dos trabalhos desenvolvidos. “Verificamos diversas baixas de agentes que não conseguiram atuar nesse contexto de controle mais exigente”, diz. Contudo, ele lembra que houve apenas uma rodada de trocas e que, até o momento, ainda não foram apuradas as referências necessárias para comprovar a efetividade do rodízio. “É preciso fazer uma análise abrangente para garantir a segurança dos investidores e dos analistas”, ressalta.

Neste último ponto, a autarquia encontra apoio do mercado. Edison Garcia, superintendente da Associação de Investidores no Mercado de Capitais (Amec), reforça a necessidade de se buscar um modelo em que haja absoluta independência e confiabilidade nas contas das companhias. “No que se refere à independência, o modelo atual (com o rodízio) é melhor que o anterior”, diz. Garcia entende que seria interessante um formato que permitisse um relacionamento mais duradouro com as firmas de auditoria, mas, ao mesmo tempo, obrigasse as trocas de equipe após um determinado período de tempo. “O prazo para o rodízio poderia ser de nove anos, com mudanças de equipes a cada três”, propõe, ressaltando que este é o seu posicionamento individual, e não o da associação.

E o que pensam as companhias, que são diretamente afetadas por essa questão? Elder Aquino, diretor responsável pela área de auditoria do Unibanco, se posiciona de maneira contrária à medida. Ele entende que o ideal é que as organizações possam determinar, através de recomendação de seu conselho de administração, a permanência ou a mudança dos parceiros. Essa avaliação ocorreria no final de cada exercício fiscal. “Tivemos muito trabalho no processo de transição. Nossa equipe de auditoria interna foi muito demandada e isso onerou a companhia”, afirma Aquino. Vale lembrar que as instituições financeiras são obrigadas a fazer a troca desde 1996, por decisão do Conselho Monetário Nacional (CMN). No entanto, desde dezembro de 2005, o rodízio está suspenso para os bancos. A determinação é válida até o fim de 2008, e a justificativa para a suspensão é a unificação dos prazos prescritos pelos órgãos reguladores. Antônio Castro, presidente da Associação Brasileira das Companhias Abertas (Abrasca), reprova a imposição da regra pela CVM. Ele argumenta que o País caminha muito bem no sentido da auto-regulação e que este modelo pode se tornar um substituto dos instrumentos legais compulsórios. Castro cita o código de adesão voluntária da Associação Nacional dos Bancos de Investimento (Anbid) e o código da própria Abrasca sobre negociação com informações privilegiadas como exemplos eficientes de controle que partiram do mercado.

Mas há diferenças de opinião entre as companhias. Nelson Martinez, diretor de planejamento e controle da Gafisa, é totalmente favorável ao rodízio. A construtora abriu o capital há apenas um ano e, por essa razão, ainda não foi obrigada a fazer a substituição. Ao se recordar de sua experiência como controller da São Paulo Alpargatas, Martinez afirma que o processo foi muito positivo por trazer um olhar renovado para a companhia. “Fiquei satisfeito. Apesar da comodidade de se manter o auditor, faria o rodízio mesmo que não fosse obrigatório”, afirma.

SEM JUSTIFICATIVAS? — Já as firmas de auditoria são unânimes ao se colocarem contra a rotatividade. Fernando Alves, presidente da PricewaterhouseCoopers, defende que o ambiente corporativo mudou desde a implementação do rodízio e que outras medidas o tornaram desnecessário. A já citada “revisão pelos pares” é, em sua opinião, um fator mitigador dos riscos. “Não se tem verificado nenhum erro nas revisões”, diz. Alves também critica a medida por considerar injusto o regulador impor às firmas a perda de clientes conquistados durante anos de trabalho. E avalia, ainda, que o rodízio transfere às companhias um risco que elas não escolheram correr. Afinal, elas são obrigadas a recomeçar o relacionamento com uma firma de auditoria a cada cinco anos — o que inclui uma nova curva de aprendizado e os problemas inerentes a ela.

“Nos últimos cinco anos, foram implementadas algumas ações que minimizariam a exigência do rodízio”, diz CVM

Pedro Melo, presidente da KPMG, lembra outra melhoria incorporada pelos auditores nos últimos anos: o programa de educação continuada, que tem como meta o aprimoramento dos conhecimentos técnicos dos profissionais. Além disso, ressalta que as constantes trocas das companhias auditadas geram um problema de gestão nas auditorias. Ele explica que são necessários alguns anos para treinar uma equipe para atuar em determinado setor da economia e que, com o rodízio, existe um risco muito maior de a firma simplesmente deixar de atuar nesse segmento de uma hora para outra. “Se o objetivo final é fortalecer o mercado, o auditor não pode ser enfraquecido”, diz Melo.

Para Eduardo Pocetti, sócio-diretor da BDO Trevisan, houve a generalização do problema de uma única firma e, por causa disso, toda a profissão caiu em descrédito. Pocetti faz referência à extinta Arthur Andersen, que fechou as portas depois de ser envolvida nos casos de fraude contábil da Enron e da WorldCom, nos Estados Unidos. “Todos os auditores estão pagando pelos problemas da Andersen”, afirma. Sérgio Citeroni, sócio da Ernst & Young, entende que a CVM agiu de maneira correta após a crise, pois havia a necessidade de se realizar uma ação mais forte naquele momento. Mas ressalta que hoje existem outras formas mais eficientes de gerenciamento de riscos do que a troca de auditor. Ele cita a maior rigidez nos controles internos das contratadas e a interação com os comitês de auditoria das companhias como fatores que podem suprir a exigência imposta pela autarquia.

Uma das propostas que agradam a todos é o rodízio de equipes dentro da mesma firma — a alternativa sugerida por 100% dos auditores entrevistados pela CAPITAL ABERTO. Quem explica a razão de tanta popularidade é José Roberto Carneiro, sócio líder da área de auditoria da Deloitte Touche Tohmatsu. “A troca nas equipes permite um olhar crítico sem a perda do conhecimento adquirido através de anos de relacionamento com o cliente”, diz.

Para Mauro Terepins e Rogério Villa, respectivamente presidente e sócio da Terco Grant Thornton, a melhor forma de evitar práticas que afrontem a governança é atuar de maneira preventiva. Eles entendem como mais eficaz uma atuação rigorosa dos órgãos reguladores no credenciamento e na fiscalização dos profissionais, em vez da imposição de limites no prazo dos contratos. Santana, da CVM, responde às críticas reforçando o argumento de que apenas subsídios técnicos servirão para a tomada de qualquer decisão pela autarquia. Para aqueles que aguardam ansiosamente o desfecho da história, o jeito é esperar até março, data prometida para a entrega dos resultados do estudo pela PUC-RJ.


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