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Fronteira perigosa
Conflito de interesses alerta para relações entre banqueiros e analistas

, Fronteira perigosa, Capital AbertoA enxurrada de IPOs que movimentou a Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) nos últimos anos cessou, mas suas conseqüências ainda despontam aqui e ali. Uma delas são as dúvidas sobre a qualidade das companhias que se apressaram para abrir o capital, principalmente após o caso Agrenco e as revisões de estimativas por analistas em razão de expectativas não cumpridas. Outra são os conflitos de interesse entre os prestadores de serviço que colocaram essas ações no mercado e aqueles que depois se encarregaram de seu acompanhamento.

No olho do furacão estão alguns dos principais bancos de investimento com atuação no Brasil. Um deles é o UBS, que, em outubro passado, coordenou o IPO da Laep. A companhia, controladora da Parmalat, captou R$ 507 milhões ao preço inicial de R$ 7,50 por certificado de depósito de ações (BDR). O valor ficou mais de 30% abaixo do piso da faixa estimada, que variava entre R$ 11,50 e R$ 15,50. No fim de junho, os analistas do próprio UBS divulgaram a clientes relatório com recomendação de venda das ações no curto prazo e projeção de preço-alvo de R$ 4 em 12 meses. Em julho, outro episódio com o UBS. Os BDRs da Dufry, que chegaram à bolsa em dezembro de 2006 sob coordenação do banco, também foram rebaixados por sua área de research.

Os analistas do UBS apontaram fatores variados para a mudança na recomendação dos papéis. No caso da Laep, o argumento principal foi a destinação dos recursos captados no IPO, que, segundo os analistas, estaria ocorrendo de forma diferente daquela informada no prospecto. Já a Dufry, ao contrário do que havia sinalizado aos analistas do UBS, renovou um empréstimo de US$ 35 milhões com a Dufry AG, sua controladora indireta.

O rebaixamento, em princípio, não é problema. Ao contrário, mostra que o analista emitiu uma opinião independente do relacionamento com outros departamentos da instituição. Na prática, contudo, a situação é percebida de outra forma. Causa desconfiança o banco que “ontem” falava maravilhas para atrair investidores para uma oferta inicial agora dizer aos acionistas que a perspectiva não é tão boa assim.

Um caso que deixou claro esse sentimento ocorreu em 2006, envolvendo as ações da UOL. A oferta, coordenada pelo Merrill Lynch, saiu por R$ 18. Depois, o preço-alvo das ações foi rebaixado para R$ 16 por analistas da mesma instituição, deixando muitos com a sensação de que o valor da estréia — momento em que o banco é comissionado pela operação com base no montante captado — teria sido superestimado. A Merrill Lynch protagonizou um outro caso recente. Acredita-se que o banco tenha se retirado da oferta da OGX, a maior do país, porque um de seus analistas se recusou a sancionar a avaliação das demais instituições coordenadoras da oferta (UBS, Credit Suisse e Itaú BBA), por acreditar que o preço estava inflado.

AUTO-REGULAÇÃO — A relação entre banco de investimento e área de research é sempre um foco de conflitos. Existem interesses comerciais distintos que, teoricamente, não devem interferir em nenhuma das atividades. Mas essa é justamente a dúvida que paira no ar: até que ponto a separação entre as áreas é praticada?

A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) está atenta à questão, especialmente nas instituições que prestam serviços múltiplos. Na audiência pública que discute mudanças para a Instrução 388, que trata dos analistas de investimentos, propôs a adoção de práticas que preservem a independência desses profissionais. O documento ficará aberto à consulta pública até o dia 25 de agosto.

Às instituições com as quais o analista mantém vínculo, a autarquia pretende impor a tarefa de supervisão das atividades. A idéia é exigir o desenvolvimento e a implementação de regras e controles internos que assegurem independência e neutralização de interesses comerciais. Bancos e corretoras deverão ainda segregar fisicamente as instalações da equipe de análise das outras atividades. Nesse ponto, a CVM esclarece, a pedido da Capital Aberto, que é possível manter essas instalações sob um mesmo teto, desde que “com definição clara e precisa de práticas que assegurem o bom uso de instalações, equipamentos e arquivos comuns a mais de um setor.”

A estrutura organizacional também está contemplada na proposta. Indivíduos que sejam incompatíveis com a imparcialidade da opinião do analista não podem supervisioná-lo. Na prática, isso já deveria acontecer, mas não é o que se verifica. Sabe-se que existem instituições no mercado em que as áreas de research e de investment banking se reportam, no dia-a-dia, ao mesmo executivo.

Indagada sobre os modelos organizacionais possíveis à luz da nova proposta, a CVM afirma que não é factível listar os organogramas que atenderiam à regulamentação. Mas exemplifica que em “uma estrutura onde o sócio responsável pela gestão dos recursos próprios é também o responsável pelo departamento de análise, decidindo remuneração e revisando conteúdo das análises divulgadas, não seria compatível com a minuta”.

Para fiscalizar o mercado, a autarquia propõe uma estrutura piramidal. Os analistas seriam fiscalizados pelas instituições que, por sua vez, ficariam sob a vigilância de uma entidade auto-reguladora. A Associação dos Analistas e Profissionais de Investimento do Mercado de Capitais (Apimec), responsável pela certificação dos analistas, aparece como a principal candidata ao cargo. A tarefa promete ser árdua, principalmente porque é difícil monitorar, a cada dia, as situações de conflito que fogem ao organograma formal. “Estamos dispostos a assumir o papel de auto-regulador”, afirma Lucy Souza, presidente da Apimec São Paulo. A associação reformulará seu código de ética e verificará em que medida ele está compatível com as novas exigências.

CONGLOMERADOS DOMINANTES — Extinguir totalmente os focos de conflito, contudo, parece praticamente impossível. Para Alexandre Gartner, diretor da área de global research do HSBC no Brasil, o que estamos discutindo neste momento é a transparência. “A CVM está fazendo uma boa evolução com as propostas de alteração da Instrução 388 ao manter o foco no dever de informar. Depois disso, cabe ao cliente avaliar a informação”, diz.

Paulo Veiga, diretor de compliance e controle de risco da Mercatto Gestão de Recursos, avalia que a separação é essencial. “Mas o que é a separação física nos dias de hoje?”, indaga, referindo-se ao aparato tecnológico que viabiliza a circulação rápida e fácil das informações. O especialista avalia que a situação brasileira é bem mais complicada do que a americana. “Aqui temos conglomerados dominantes em cada um dos segmentos, seja crédito, gestão, corretagem, previdência ou private banking”, afirma. Pois se são sempre os mesmos em todos os lugares, mais uma razão para a CVM se preocupar com os conflitos que encontram nesse ambiente um terreno fértil.

Companhias divulgam opiniões de analistas
Desde que os sites de RI se tornaram mais parrudos, as companhias adotaram a prática de divulgar os contatos dos analistas que cobrem suas ações. O serviço ajuda os investidores a localizar os profissionais que acompanham a empresa. Recentemente, esse canal tem sido recheado com novas  informações. Além de telefone e e-mail, tornou-se usual, principalmente entre as novatas da Bovespa, divulgar a recomendação de cada analista. Algumas companhias já disponibilizam no site o acesso ao relatório.

Valter Faria, diretor da Total RI, recomenda cautela nesse tipo de iniciativa. “É preciso respeitar a autoria do documento e ter coerência”, alerta o especialista, referindo-se à necessidade de dar a mesma visibilidade para os relatórios, seja a recomendação de compra ou venda.

A SulAmérica aderiu à prática. Em seu site de RI, é possível acessar relatórios do UBS e da Ágora. Santander e Unibanco também cobrem os papéis, mas as análises não estão disponíveis. “Divulgamos com a permissão da instituição. O objetivo é dar acesso a um material que costuma ajudar o investidor a entender os fundamentos da companhia”, afirma Arthur Farme d’Amoed Neto, vice-presidente de RI.

Atualmente, todas as recomendações para a SulAmérica, incluindo Santander e Unibanco, são de compra. Mas a companhia afirma que possíveis indicações de venda não mudariam a política de divulgação no site. “O objetivo é oferecer informações voluntárias e preservar a política de transparência de forma a construir um relacionamento de confiança com o mercado”, afirma Farme d’Amoed Neto. Outra empresa que adotou a prática é a IdéiasNet. No site de RI, estão disponíveis os relatórios de três corretoras que acompanham a ação: Prosper, Fator e Brascan.

Ao assumir a proposta de divulgar as recomendações ou todo o relatório, cabe à companhia comprometer-se com alguns procedimentos. É fundamental zelar para que todas as opiniões emitidas por analistas — e não somente aquelas que a companhia julga mais “qualificadas” ou “adequadas” — estejam disponíveis. Importante cuidar para que essas informações estejam sempre atualizadas. Se divulgar somente a recomendação, a companhia deve verificar se a opinião declarada (compra, venda ou manutenção) reflete precisamente a mensagem do analista. Algumas corretoras possuem conceitos mais específicos para as suas recomendações. Um aspecto positivo divulgação dos relatórios — e não só das recomendações — é fornecer ao internauta mais condições de avaliar a opinião de cada analista. (Y.Y.)


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