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Herança bendita
Influenciado pela amizade com os Gates, Buffett antecipa os planos de doar sua fortuna e vê temas de ordem social invadirem a pauta da assembléia de acionistas

, Herança bendita, Capital AbertoEm junho do ano passado, Warren Buffett surpreendeu o mercado ao anunciar que doaria 85% de suas ações da Berkshire Hathaway para cinco instituições filantrópicas ainda em vida. Apesar de inesperada — o megainvestidor sempre afirmara que essa doação seria póstuma —, a proposta correspondia exatamente a tudo o que sempre partiu dele. Inovadora, focada em resultados e absolutamente racional. A iniciativa projetou sua reputação de homem guiado pela ética e encorajou acionistas e stakeholders a batalharem por novos posicionamentos que confirmassem seu compromisso com a responsabilidade social.

Pela primeira vez, a assembléia da Berkshire foi marcada por protestos contra uma de suas subsidiárias, a geradora de energia PacifiCorp, e por uma proposta de desinvestimento apresentada por uma acionista, episódio que ficou conhecido como o “caso PetroChina”
(veja quadro ao lado). Houve também perguntas a respeito de temas relacionados à sustentabilidade e até mesmo um pedido de justificativa para , Herança bendita, Capital Abertouma das doações. Um acionista de Nova York, de mãos dadas com a filha de 8 anos, pediu a Buffett que o ajudasse a explicar para a menina e para suas outras quatro filhas como um líder como ele havia optado por doar recursos a instituições de planejamento familiar e filiadas ao movimento chamado de “pró-escolha” — que defende a legalização do aborto e o direito de livre acesso às clínicas que o realizam.
Sem se abalar e pedindo para que os participantes interrompessem as vaias, Buf fett começou dizendo que respeitava o modo de pensar do acionista e esperava que, após ouvir seus argumentos, este passasse a respeitar o seu. “Se olharmos para as terríveis conseqüências de milhares de crianças não-planejadas e para o quanto o papel da mulher na sociedade evoluiu, fica difícil explicar por que elas não mereceriam o direito de escolha.” Fortemente aplaudido pela maioria do público, ele concluiu dizendo que não se surpreendia que essa pergunta tivesse partido de um homem e que, “se a Suprema Corte fosse formada exclusivamente por mulheres, esse tipo de discussão já não mais existiria”. Embora tenha ganhado projeção por ter sido expressada diante de 27 mil pessoas, essa preocupação não refletia em nada duas outras que durante um bom tempo povoaram a cabeça da maior parte dos acionistas. Estariam em risco a vida do chairman e a trajetória de preços das ações da Berkshire?
INSPIRAÇÃO MÚTUA Logo que foi anunciada a doação, o mercado chegou a pensar que o “oráculo de Omaha” estivesse doente, ampliando os ruídos acerca de sua sucessão. Mas a mudança no cronograma do seu projeto filantrópico foi inspirada pelo trabalho de Bill e Melinda Gates à frente de sua fundação e também pela morte inesperada, em 2004, de sua primeira mulher, Susan Thompson Buffett, vítima de um derrame aos 72 anos. Em entrevista à revista Fortune em junho de 2006, Buffett afirmou que sempre assumira que o trabalho de selecionar e supervisionar as doações seria realizado por ela, a quem deixaria as ações da Berkshire como herança.

Seu plano original era destinar uma parcela considerável desse dinheiro para a Fundação Susan Thompson Buffett, que dá suporte a instituições menores na área de planejamento familiar e era dirigida pela esposa. “Minha intenção era acelerar seu crescimento e multiplicar o impacto de suas atividades até me dar conta de que já existia uma outra entidade atuando em grande escala e que poderia utilizar meu dinheiro de maneira produtiva imediatamente, a Fundação Bill e Melinda Gates.” Com um patrimônio de US$ 30 bilhões, aportado exclusivamente pelos Gates, a FBMG se dedica a erradicar o que seus

Índios, salmão, petróleo e genocídio
Num mundo em que a avaliação de uma companhia passa a considerar não apenas os resultados de seus negócios, mas também os efeitos de sua atuação sobre o planeta, é natural que a Berkshire Hathaway seja confrontada com esse tipo de questão.
Quem passasse pela porta do Qwest Center, ginásio que abriga a assembléia de acionistas, desde a noite de sexta feira, se depararia com cenas incomuns. De um lado, índios das tribos karuk, hoopa e yurok, dançavam em torno de uma fogueira onde assavam postas de salmão. De outro, centenas de pessoas carregavam cartazes com as inscrições “Salvem o Darfur”.
Os índios habitam as margens do Rio Klamath, na Califórnia, onde os diques operados pela PacifiCorp, uma subsidiária da Berkshire, interferem no ciclo reprodutivo do salmão, afetando a pesca — principal meio de subsistência dessas duas tribos. Depois de perderem mais de 95% da produção por uma contaminação provocada pelas algas que se formam nos diques, as comunidades da região do Klamath reuniram recursos para adquirir ações da Berkshire e participar da assembléia. Contendo o choro, a mulher que os representava pediu se Buffett poderia fazer alguma coisa. Ele se limitou a dizer que a operação dos diques era regulada por leis estaduais e que qualquer decisão dependia do governo da Califórnia.
Manifestantes em prol do Darfur, no oeste do Sudão, também marcaram presença na assembléia. Eles repudiam o genocídio comandado pela minoria étnica que assumiu o governo, em 2004, e já matou mais de 400 mil pessoas. A principal fonte de renda do país vem de suas reservas de petróleo, exploradas majoritariamente por empresas controladas pelo governo chinês, dentre elas a PetroChina — companhia da qual a Berkshire detém ações que correspondem a 1,1% do capital. Alegando a conexão entre a companhia e o genocídio, Judith Porter, acionista da Berkshire, solicitou que a assembléia votasse sua proposta de vender as ações da PetroChina, seguindo os passos de instituições importantes como o fundo de investimentos Fidelity e o da Universidade Harvard. Alegando que não caberia à Berkshire dizer ao governo da China como deveria conduzir suas relações políticas, e que a venda das ações não teria impacto sobre o Darfur (visto que seriam compradas por um outro investidor), o conselho da Berkshire se posicionou contrário à aprovação da proposta.
Os acionistas acataram os argumentos da administração e 98% dos votos foram contrários ao desinvestimento. A decisão decepcionou investidores institucionais, como o fundo de pensão dos funcionários públicos da Califórnia (Calpers), que havia votado pela venda da posição. Após o encerramento da assembléia, a autora da proposta disse que estava feliz com a projeção que o assunto tinha ganho. Uma conferência foi organizada no dia seguinte num hotel da cidade para captar doações em prol da causa do Darfur.

fundadores chamam de “as três grandes epidemias” (aids, malária e tuberculose) e a melhorar o sistema público de educação básica nos Estados Unidos. É curioso que, quando Bill Gates criou a FBMG, na década de 90, atribuiu sua inspiração ao projeto que Warren Buffett tinha de doar sua fortuna quando morresse.

“Mesmo que os vivos aloquem recursos de modo imperfeito, eles têm mais chance de tomar decisões racionais do que as estabelecidas décadas antes por alguém que está a sete palmos do chão”

Antes de tomar sua decisão, Buffett conversou com os filhos, com Charles Munger e com o presidente da Fundação Susan Thompson Buffett (FSTB). Todos concordaram que o plano e a estrutura de distribuição das doações faziam sentido. A FBMG receberá, ao todo, 10 milhões de ações do tipo B da Berkshire Hathaway, divididas em parcelas anuais que serão pagas enquanto seu doador viver. Outros 2 milhões de B-shares serão divididos igualmente entre a FSTB e as fundações dos três filhos de Buffett, Howard, Peter e Suzie. Apesar de não ter ações do tipo B em sua carteira, Buffett irá, a cada ano, converter as suas ações do tipo A (cada A-share corresponde a 30 B-shares). Pelo preço de fechamento de 30 de maio, os 12 milhões de B-shares correspondem a US$ 43,2 bilhões.
O mecanismo de transferência dos papéis é o mesmo para todas elas. A cada ano, sempre no mês de julho, 5% do saldo de ações destinadas a cada instituição será entregue. Se considerarmos que a Fundação Bill e Melinda Gates recebeu, em 2006, 500 mil ações, é possível estimar que, em 2007, 5% das 9,5 milhões de ações restantes sejam equivalentes a 475 mil papéis. Assim, as parcelas serão decrescentes ao longo do tempo — uma medida comumente adotada por investidores sociais privados para evitar que as atividades da instituição dependam apenas de seus recursos —, mas não serão necessariamente menos valiosas, considerando que o preço dos papéis deve continuar a subir.

“Quero que o dinheiro seja utilizado relativamente rápido pelas pessoas que eu sei que são capacitadas, vigorosas e motivadas”

INOVADOR E RACIONAL Três condições foram estabelecidas para que as doações continuem a acontecer. A primeira delas é a permanência dos atuais presidentes do conselho de administração de cada instituição à frente delas. Assim, se Bill ou Melinda, Suzan, Howard ou Peter deixarem de dirigi-las, o compromisso será automaticamente encerrado. As entidades também devem continuar a satisfazer os requisitos legais que permitem que esses aportes não estejam sujeitos a parcelas complementares ou impostos adicionais. E, por fim, o valor das contribuições anuais deverá ser, a partir do ano de 2009, utilizado integralmente no ano de doação, e esse investimento será acrescido de, pelo menos, 5% dos ativos líquidos de cada instituição. Com isso, ele assegura que o impacto de suas doações ocorra no curto prazo e, ao mesmo tempo, que a fundação não deixe de captar recursos junto a outras fontes.
Na carta aos acionistas contida no relatório anual, publicado em março deste ano, Buffett explica a lógica por trás do mecanismo e do cronograma. “Quero que o dinheiro seja utilizado relativamente rápido pelas pessoas que eu sei que são capacitadas, vigorosas e motivadas. Esses atributos gerenciais muitas vezes afrouxam quando instituições, particularmente as que não estão sujeitas às forças de mercado, envelhecem.”
Antecipando as críticas da maioria de seus pares, que ainda seguem o modelo de doações póstumas, ele complementa o raciocínio. “As pessoas que defendem fundações perpétuas argumentam que, no futuro, certamente existirão grandes problemas sociais dos quais a filantropia deverá cuidar. Eu concordo. Mas também existirão pessoas e famílias muito ricas, cuja for tuna será ainda maior do que a que temos hoje, e que poderão financiar as instituições f ilantrópicas de então. Mesmo que os vivos aloquem recursos de maneira imperfeita, eles têm mais chance de tomar decisões racionais do que as estabelecidas décadas antes por alguém que está a sete palmos do chão.”
FUTURO Alguns acionistas expressaram sua preocupação quanto à possibilidade de as vendas de ações realizadas pelas cinco fundações desvalorizarem o papel. Para demonstrar que tais temores eram infundados, Buffett explicou que, no limite, as vendas realizadas pelas fundações irão elevar o volume anual de negociação das ações em 3 pontos percentuais, o que não impediria que seu preço continuasse a ser determinado pelo desempenho dos negócios da holding, exatamente como ocorre hoje.
O único fator que não foi profundamente analisado é como a diluição paulatina do controle, hoje exercido pelo chairman (que tem 31% do capital), poderá afetar o futuro. O investidor se limitou a dizer que o futuro de sua participação já havia sido anunciado há 40 anos e que ele jamais tomaria qualquer decisão que pudesse prejudicar seus acionistas.
Mas, e os herdeiros? Segundo Buffett, seus filhos sempre souberam que teriam de construir seus própr ios legados. “Ser ia um ato anti-social de minha parte inundar suas vidas com um estoque ilimitado de recursos. Procurei garantir que eles tivessem o suficiente para ser o que escolhessem, mas não o bastante para que escolhessem não fazer nada.”

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