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Desbravando mercados
Com o aval da CVM para aplicações no exterior, fundos de investimento descobrem novas possibilidades para a desejada diversificação

, Desbravando mercados, Capital AbertoA economia brasileira deu mais um passo em direção à integração global financeira. No início do ano, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) autorizou, pela primeira vez, os fundos de investimentos a aplicarem em ativos no exterior. A decisão foi comemorada pelo mercado e pode provocar mudanças profundas nessa indústria, que hoje movimenta R$ 1,1 trilhão. Aqui na América Latina, o Brasil é um dos últimos países a conceder essa licença. Outros países que ainda resistem são Cuba, do ditador Fidel Castro, Bolívia e Venezuela A própria China, fortemente controladora, afrouxou suas barreiras no primeiro semestre de 2006.

Embora essa abertura seja cautelosa — o limite é de 20% para os fundos multimercados e 10% , Desbravando mercados, Capital Abertopara os demais —, a expectativa é de que os percentuais aumentem à medida que tanto o governo quanto o setor privado se sintam confortáveis em operar neste ambiente. No Chile, esse limite é de 40%. Em países como o México e o Peru, oscila entre 10% e 20%.

Antes, os investimentos brasileiros no exterior eram um privilégio de quem tinha pelo menos US$ 1 milhão para constituir uma offshore, ou então aplicava nos Fundos de Investimento no Exterior (Fiex), que apresenta a restrição de serem lastreados somente em títulos da dívida externa brasileira. Agora, os fundos brasileiros terão liberdade para aplicar em papéis do Banco da China, negociados na Bolsa de Valores de Xangai, ou da Tata Steel, cotada na Bolsa de Mumbai, na Índia. Desta forma, milhões de reais poderão cruzar a fronteira, sujeitos à variação cambial e à ameaça de controle de capitais. Nesse mundo novo, a palavra que justifica todos os riscos é a diversificação.

Finalmente, a eficiência de Markowitz

Para quem não conhece o americano Harry Markowitz, matemático e ganhador do Prêmio Nobel, vale dizer que ele se tornou um ídolo de economistas, financistas, gestores de recursos e consultores ao redor do mundo graças a seus estudos sobre as vantagens da diversificação das carteiras de investimento. Ele também descobriu que havia um limite onde se poderia obter a melhor rentabilidade e correr o menor risco possível — conceito que ficou conhecido como a fronteira eficiente de Markowitz.

Até o anúncio da Instrução 450 pela CVM, os gestores brasileiros não tinham a possibilidade de colocar em prática, de forma plena, esses conceitos praticados com fervor por seus pares ao redor do mundo. Por mais que balanceassem suas carteiras com ativos de renda fixa e variável, utilizando as melhores práticas, no final eles corriam, necessariamente, o risco Brasil. Recentemente, porém, a história mudou. “A diversificação internacional é fundamental. Ela aumenta a fronteira eficiente e, por isso, reduz os riscos para o investidor, maximizando os ganhos”, afirma José Roberto Savoia, professor-adjunto da Universidade de Colúmbia, nos Estados Unidos.

Ele ressalta que, apesar do avanço das forças da globalização, a correlação entre ativos de mercados emergentes e países desenvolvidos é baixa. Ou seja, embora exista o chamado “efeito dominó” em caso de uma crise global, ele afeta as economias de maneiras diferentes. Mas se a diversificação internacional é tão vantajosa, por que o governo brasileiro demorou tanto a anunciar a medida?

Há algumas respostas para essa pergunta: o momento propício resultante da grande liquidez global, o baixo risco Brasil e o câmbio valorizado. Para Savoia, cabe ainda outra resposta, talvez mais importante: o governo precisou muito da poupança interna para colocar sua dívida no mercado nos últimos anos. E os maiores compradores desses títulos são justamente os fundos de investimento. Agora, o governo se sentiu mais confortável em atender esse pleito antigo do setor.

Após sinal verde, mãos à obra

Os profissionais entrevistados acreditam que ainda é cedo para dizer quanto esses fundos que aplicarem em ativos no exterior serão capazes de levantar em recursos. “Potencialmente, de acordo com os limites anunciados pela CVM, o volume poderia chegar a R$ 80 bilhões. Mas este seria o cenário ideal. Na prática, o volume será bem menor”, acredita Marcelo Mello, vice-presidente da SulAmérica Investimentos. Uma das razões para o não aproveitamento pleno do potencial oferecido pela regulação, ao menos neste primeiro momento, é a efervescência do mercado interno. Diversos estudos sobre o valuation das empresas — para determinar o valor justo de uma companhia — indicam que os ativos estão “baratos” no Brasil e que vale a pena investir aqui.

Por enquanto, os gestores acham que ainda é cedo para dizerem quando lançarão seus próprios fundos aplicados em ativos estrangeiros. A maioria acha mais provável que os primeiros produtos surjam em 2008. Os preparativos já começaram. Até porque esse é um desafio que vai mexer com a cultura de investimento do brasileiro. A BB DTVM, distribuidora do Banco do Brasil, por exemplo, vem participando de encontros com gestoras fora do País e traçando planos de como vender esse tipo de fundo para a rede de varejo. Já a SulAmérica está criando uma estrutura para acompanhar os principais indicadores das economias de 35 países, utilizando o “know-how” de sua parceira no Brasil, a holandesa ING.

“Será um produto totalmente novo. Precisamos ser didáticos para esclarecer os investidores sobre as características desse investimento e o risco envolvido”, diz Fernando Manuel Ribeiro, gerente executivo de fundos de varejo da BB DTVM. Inicialmente, os fundos multimercados já existentes devem ser o principal veículo. Segundo dados da Associação Nacional dos Bancos de Investimento (Anbid), o patrimônio da categoria atinge R$ 233 bilhões. “É mais fácil e rápido alterar a política de um fundo já existente do que lançar outro”, afirma Ribeiro.

Além dos fundos multimercados, ele acredita que produtos como os de capital protegido — que garantem uma parte do patrimônio do cotista, mesmo que a aplicação sofra forte desvalorização — poderão despertar interesse. “Esse tipo de fundo é muito difundido fora do País, e acredito que há demanda para ele aqui.” Roberto Nishikawa, da Itaú Corretora, avalia que o maior interesse virá, inicialmente, dos fundos hedge. “Eles poderão incrementar os ganhos arbitrando os preços de ações ou títulos negociados no Brasil e fora do País.”

A Instrução 450 mal foi anunciada e o mercado já está com gostinho de quero mais. Encontra-se em audiência pública uma instrução que visa autorizar uma nova classe de fundos com liberdade para investir 100% de seus ativos no exterior. Para Roberto Benisti, gestor de fundos multimercados da Mellon Serviços Financeiros, é natural que o governo abra o mercado gradualmente. “Nosso mercado de capitais é razoavelmente fechado. O governo optou por fazer uma abertura mais lenta e segura”, afirma.

Oportunidade para os gringos

Outro impacto provável da abertura do mercado de investimentos, a exemplo do que ocorreu em países como o México e o Chile, é a entrada de gestores de recursos estrangeiros no Brasil. A expectativa é de que esses profissionais, com sua experiência no ramo, busquem parcerias com administradores locais ou tentem alçar vôo-solo. “Montar uma estrutura própria é caro e nem sempre tão eficaz”, afirma Ribeiro, da BB DTVM.

Com ou sem parcerias, as gestoras estrangeiras já estão buscando oportunidades por aqui. É o caso do fundo americano Franklin Templeton, que, no ano passa do, anunciou o fim de sua parceira com o Bradesco e, a partir de 2007, iniciou sua própria trilha. O principal alvo são os fundos de ações e multimercados para clientes de alta renda.

Coincidência ou não, o Credit Suisse saiu às compras pouco antes de a nova instrução entrar em vigor. Pagou US$ 295 milhões pelo controle da corretora e administradora de recursos Hedging-Griffo, no fim do ano passado, que tinha ativos de R$ 16 bilhões sob sua gestão. Um dos grandes atrativos do negócio foi a importante participação dos clientes de alta renda na carteira da corretora. Para Benisti, da Mellon, as empresas que atuam dentro e fora do Brasil saem em vantagem. “No nosso caso, por exemplo, poderíamos obter ganhos de sinergia entre as operações”, acredita.

“Samba” para quem quer risco

Nessas parcerias com estrangeiros, não é só o Brasil que vai absorver o conhecimento dos gestores de fora. O inverso também é verdadeiro. O caso mais recente é o do Banco Itaú com a Daewoo Securities e a administradora de recursos do Banco de Desenvolvimento da Coréia do Sul, o KDB. Juntos, eles vão lançar três fundos de investimentos, os Samba Brazil Fund, cuja gestão caberá ao KDB, a distribuição será da Daewoo e o aconselhamento de investimento, do Itaú. “Estamos conversando com várias empresas estrangeiras desde o fim do ano passado. As conversas com o Daewoo e o KDB foram as que avançaram mais rápido”, diz Nishikawa, da Itaú Corretora. Falando por telefone de Seul, na Coréia do Sul, ele tinha acabado de participar de uma reunião com 150 investidores institucionais do país interessados em aplicar no fundo.

Dois fatores devem fazer desse produto um sucesso, na opinião de Nishikawa. Em primeiro lugar, o apetite nato do coreano para o risco — o Samba Brazil Fund, de categoria conservadora, terá nada menos do que 30% de seu portfólio aplicado em ativos de renda variável. Em segundo lugar, os inúmeros estudos que mostram que as ações brasileiras estão “baratas” e que ainda têm grande potencial de ganho. A expectativa dos coreanos é de que o Brasil experimente o mesmo fenômeno vivido pela Coréia do Sul nos últimos 20 anos. Duas décadas atrás, as taxas de juros da Coréia eram de dois dígitos. Mas foram gradualmente caindo, o que provocou uma migração maciça de investidores para os ativos de renda variável.

O Itaú prevê que a Selic, hoje em 11,5%, cairá para 8% no fim de 2008 e chegará a 7,5% em 2009. O câmbio atingirá R$ 1,75. “Com a queda dos juros, cerca de US$ 100 bilhões hoje aplicados em fundos de renda fixa no Brasil devem migrar para produtos de renda variável nos próximos dois ou três anos”, prevê Nishikawa. “Será uma transformação.”

Espera-se que cerca de US$ 100 bilhões aplicados em fundos de renda fixa migrem para renda variável nos próximos dois ou três anos

E os fundos de pensão?

Trata-se de uma janela pequena, talvez apenas uma fresta, mas que representa uma grande conquista para os fundos de pensão brasileiros. Pelas regras da Secretaria de Previdência Complementar (SPC), eles só podem investir 3% de seu patrimônio em fundos multimercado. Ou seja, de forma indireta, terão acesso aos investimentos no exterior, embora minimamente. “Acredito que seja inexorável que o governo mude as regras e, ao longo dos próximos anos, permita ao setor aumentar gradualmente sua exposição a ativos estrangeiros”, afirma Guilherme Lacerda, presidente da Fundação dos Economiários Federais (Funcef), terceiro maior fundo de pensão do País, com patrimônio de R$ 28 bilhões.

No momento, avalia Lacerda, o bom desempenho do mercado acionário e a remuneração sólida dos títulos públicos tiram boa parte do interesse dos fundos de pensão na nova instrução da CVM. Afinal, os ativos brasileiros estão rendendo mais, o que, inclusive, atrai os estrangeiros para o mercado local. Com a queda continuada da Selic, porém, a situação pode mudar. Há dois anos, a taxa básica de juros era de 19,75%. Na última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), foi reduzida a 11,5% ao ano. Cerca de 26% dos ativos da Funcef estão aplicados em renda variável, 64% em renda fixa, 7% em imóveis e 3% em empresas de participação. “Para assegurar a remuneração dos nossos participantes, é importante aumentar os investimentos de longo prazo em renda variável, seja no Brasil, na Europa, nos Estados Unidos ou em outros mercados emergentes”, diz Lacerda.

Instrução ainda tem pontos em aberto

Os gestores esperam que a CVM publique, nos próximos meses, esclarecimentos sobre a Instrução 450, que autorizou os fundos de investimento a aplicarem em ativos estrangeiros. Ainda não está claro, por exemplo, como será feita a tributação. Os impostos serão pagos duas vezes, dentro e fora do País? “Esse é provavelmente o mais importante ponto a ser esclarecido, mas não depende da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), e sim da Receita Federal”, explica Carlos Sussekind, superintendente de relações com investidores institucionais da autarquia. “De qualquer maneira, temos participado das conversas e acredito que chegaremos a uma solução em breve.”

Outra controvérsia diz respeito à marcação a mercado — ajuste regular das cotas para o seu valor presente. Muitos fundos nos Estados Unidos são marcados a cada 30 ou 60 dias. Aqui no Brasil, a legislação obriga a marcação diária. “Nesse caso, acredito que os gestores deveriam sempre atualizar a cota pelo último valor disponível”, afirma Sussekind. “De qualquer forma, os fundos que não marcam diariamente são aqueles desenhados para correr mais riscos, e não acho que os gestores brasileiros devessem correr esse tipo de risco”, avisa.

Recentemente, o Banco Central soltou uma circular que aparou outras arestas, como a que dizia respeito ao Regulamento do Mercado de Câmbio e Capitais Internacionais. O regulamento só previa investimentos no exterior feitos por pessoas físicas ou jurídicas; os fundos são condomínios e não estavam enquadrados em nenhuma categoria. Com a circular, o assunto foi resolvido. O BC também promoveu mudanças nos contratos de câmbio de remessas de recursos ao exterior. Agora eles contemplam todos os tipos de ativos estrangeiros nos quais os fundos poderão investir. Segundo Sussekind, a CVM não descarta a publicação de novos esclarecimentos nos próximos meses.


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