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Brasil, o rei do baile
Em visita oficial de três semanas ao Brasil, o ‘prefeito’ do distrito financeiro de Londres — a City — concedeu uma entrevista à Capital Aberto para falar dos planos de aproximação entre os mercados financeiros britânico e brasileiro. Com Parcerias Público-Privadas (PPPs), listagens na Bolsa de Londres e projetos de intercâmbio educacional na agenda, ele veio iniciar o que espera ser um longo e intenso relacionamento com um parceiro cheio de atrativos

, Brasil, o rei do baile, Capital Aberto“Olá, eu não sou Ken Livingstone. Não somos nem mesmo parecidos fisicamente.” Foi assim, provocando risadas entre os participantes de um jantar realizado em sua homenagem, em São Paulo, que o Lord Mayor da City iniciou seu discurso de apresentação. A confusão com o prefeito da cidade de Londres, eleito pelos cidadãos britânicos, é absolutamente comum e causada pelo relativo desconhecimento do posto oficial ocupado por John Stuttard — eleito apenas pelos senadores, com status de ministro, e que existe desde 1189. Sua função é administrar os interesses e os negócios da City of London Corporation, que abrange o distrito financeiro onde estão localizadas as bolsas de valores, os grandes bancos de investimento e as seguradoras internacionais.

Tratada como sinônimo do distrito financeiro, a City, na verdade, se estende bem além da chamada Square Mile — a milha quadrada onde estão concentrados os principais agentes do mercado na capital britânica. Ela é proprietária e responsável pela manutenção das cinco principais pontes sobre o Rio Tâmisa (entre elas as famosas Tower e Millenium Bridge), opera os postos de vigilância sanitária do Aeroporto de Heathrow e de todo o estuário do Tâmisa e ainda é dona de três grandes mercados atacadistas de alimentos — Billingsgate, New Spitalfields e Smithfield. Espécie de subprefeitura, conta com força policial própria e supervisiona o funcionamento de seis bairros espalhados pela cidade, prestando serviços de saúde, educação e encarregando-se do planejamento urbano. O foco da atuação de Lord Mayor, no entanto, é mesmo o centro financeiro. Sua proposta é atrair empresas, investidores e profissionais de todo o mundo para Londres.

Stuttard assumiu o cargo em novembro de 2006, pouco antes de completar 40 anos de carreira na PricewaterhouseCoopers, onde começou como trainee de auditoria. Sua experiência com mercados internacionais é ampla: logo após concluir o curso de graduação em Cambridge, passou um ano ensinando inglês como professor voluntário no Brunei, sultanato do Sudeste Asiático. Trabalhou para clientes em diversos países, com destaque especial para os da Escandinávia e, em 1994, mudou-se para a China, onde presidiu o escritório da PwC. Até o fim de seu período à frente da City, terá visitado 24 países.

As três semanas dedicadas ao Brasil representaram um tempo recorde em sua agenda, mas foram necessárias para cobrir os compromissos programados em cinco cidades e dar conta de uma proposta ambiciosa: entender como as agendas políticas dos governos federal e local afetam o ambiente de negócios. Além, é claro, de prospectar candidatas para listagem na Bolsa de Londres, discutir projetos de investimento em infra-estrutura, parcerias públicoprivadas, mercados de carbono e intercâmbios na área de educação financeira. Orador hábil, afeito a metáforas que equiparam os negócios a relacionamentos românticos, ele ainda recorre à comparação com Nova York para enfatizar o potencial do mercado britânico. Na visão de John Stuttard, o Brasil é para o Reino Unido como aquele aluno novo que chega ao baile tradicional da escola e causa um verdadeiro frisson entre as veteranas. Fascinante, o País, segundo ele, tem tudo para se tornar “o rei do baile”.

CA: Quais são os seus planos para aprofundar o relacionamento entre os mercados de capitais de nossos países?
JS: Em primeiro lugar, gostaria de falar um pouco sobre os estágios em que cada um está neste momento, para depois elencar as oportunidades de atuação conjunta. Hoje, Londres é o centro financeiro internacional número 1 em todo o mundo. Superou Nova York nestes últimos 12 meses. Isso aconteceu porque o mercado britânico é muito aberto e flexível, e pode ser acessado pelos mais distintos perfis de emissores e investidores. Foi justamente a remoção de práticas restritivas e uma revisão na regulamentação, realizadas há 20 anos, que propiciaram esse movimento de internacionalização, que foi um verdadeiro big bang. Já existem bancos de investimento que hoje são maiores em Londres do que em seus países de origem, como o Citi e o Deutsche Bank. E uma série de instituições importantes está mudando suas sedes internacionais para a cidade, como o banco JP Morgan, por exemplo. No ano passado, a Bolsa de Londres captou mais recursos em ofertas de ações do que as duas maiores bolsas norte-americanas juntas. Foram US$ 104 bilhões na LSE, contra US$ 69 bilhões na Nyse e na Nasdaq. E o número de companhias que se listaram em 2006 é maior que a soma das novas listagens realizadas na Nyse, na Nasdaq e na Bolsa de Hong Kong.

E o Brasil, de que forma o nosso mercado se encaixa nesse plano de crescimento?
Quando olhamos para o Brasil, vemos um país política e economicamente estável, com histórico de inflação sob controle e em níveis aceitáveis internacionalmente, reservas internacionais de mais de US$ 160 bilhões e estados como São Paulo e Minas Gerais que crescem acima da média nacional, que já é boa. Todas essas características são exatamente opostas à imagem tradicional que os britânicos tinham do País. Em Londres, já não se enxerga mais o Brasil como um lugar onde faltam transparência e certeza de aplicação das leis. Essa visão mudou e continua mudando, o que pode ser percebido pela disposição de avaliar o que pode ser feito em conjunto e de explorar o máximo de oportunidades disponíveis.

Quais seriam, então, essas oportunidades?
Neste momento, temos apenas três companhias brasileiras listadas na Bolsa de Londres (Infity Bio-Energy, Clean Energy Brazil e Itacaré), todas no segmento destinado a empresas em estágio de crescimento, o Alternative Investments Market (AIM) — o que é, sinceramente, ridículo. Ridículo porque, se você olhar para os outros Brics, vai ver que a China tem mais de 60 companhias listadas em Londres, a Índia tem outras 40 e a Rússia vem logo atrás, aumentando sua presença a passos largos. Se você pensar que um país como, por exemplo, o Cazaquistão, tem cinco companhias listadas no mercado principal da LSE, é inevitável se perguntar o que está acontecendo de errado. Parte da resposta é dada pelo foco no mercado doméstico que as aberturas de capital tiveram nos últimos quatro ou cinco anos. Isso é ótimo. A Bovespa vai muito bem, teve mais de 40 IPOs em 2006, o que é muito bom para o país. Há também uma tradição entre as empresas brasileiras que abriram capital há mais tempo de olhar para o Norte, para Nova York. O que só reforça a certeza de que chegou o momento de chamarmos as companhias, os investidores institucionais e os bancos brasileiros para reavaliar esse contexto. Minha visita faz parte desse processo de reavaliação.

Além das listagens na Bolsa de Londres, que outros projetos de cooperação estão sendo trabalhados?
As oportunidades de investimento direto, tanto de empresas brasileiras no Reino Unido quanto de empresas britânicas no Brasil, vêm sendo estudadas e facilitadas pelo Departamento de Investimentos do Consulado Geral Britânico, criado em março deste ano, e pela agência Think London, que assessora as interessadas em acessar e se expandir no mercado britânico. Existe também a negociação de créditos de carbono. Londres é líder mundial nesse mercado e sua experiência pode ser utilizada para auxiliar o Brasil a desenvolver novos projetos de mecanismos de desenvolvimento limpo. Agora em setembro, a Bolsa de Mercadorias & Futuros (BM&F) irá realizar, em conjunto com a prefeitura de São Paulo, o primeiro leilão de créditos de carbono, que iremos divulgar em Londres de maneira a atrair investidores para a iniciativa. Há ainda as parcerias público-privadas. Estive ontem com o prefeito paulistano Gilberto Kassab e discutimos o assunto. Ele mencionou áreas como transporte e saúde, onde há necessidade de novos empreendimentos. Temos peritos muito bem qualificados que participaram dos projetos de melhoria da infra-estrutura do metrô e de hospitais londrinos e que podem auxiliar na montagem de projetos aqui.

Voltando à Bolsa de Londres, qual o seu maior atrativo para as empresas brasileiras?
Se atua no mercado global, uma empresa também deve atuar no mercado financeiro global. É por isso que eu acredito que Londres e o Brasil podem fazer muito mais juntos. Pelo menos temos em Londres o apetite para novos investimentos e vocês têm aqui a demanda por acesso e por uma posição no mercado internacional. É apenas uma questão de combinar as duas coisas. Vivemos uma situação semelhante à de um daqueles bailes de colégio, onde todos se conhecem há muito tempo e, de repente, chega aquele aluno novo. E então todo mundo comenta: ‘Oh, como é atraente, eu gosto tanto dele!’. Basta que ele também goste de um dos interessados e forme uma nova dupla naquela velha pista de dança.

Mas se tivesse que citar setores que sairão na frente, justamente por conta de sua atratividade aos olhos do investidor que participa do mercado britânico, quais seriam?
Há certamente os setores que eu chamo de “na moda”. Tudo que tenha a ver com mudança climática, recursos renováveis e novas maneiras de fazer as coisas é totalmente “fashionable”. Simplesmente porque são inovadores e investidores adoram inovação, já que, geralmente, ela atrai bons resultados. Então, claro que tudo o que estiver relacionado a essas três coisas tem chance de sair na frente, e o setor dedicado à produção de energia limpa é um exemplo evidente. Além disso, o Brasil tem uma série de novidades excitantes acontecendo no setor de agronegócios. A pesquisa científica e a tecnologia desenvolvida para a área são extremamente atrativas e terão o seu lugar. E, embora não veja possibilidades concretas para o curto prazo, não descarto o setor manufatureiro. Há uma conclusão precipitada de que a China será o coração da manufatura no mundo. Todos pensam imediatamente que os custos de produção são mais caros em qualquer outro lugar, sem ponderar questões importantes que devem afetar a decisão na hora de terceirizar fábricas. Já existe o exemplo da Polônia que, cada vez mais, vem se tornando um pólo manufatureiro na Europa, apesar de apresentar custos maiores que os chineses. A decisão é estimulada pela proximidade, não apenas geográfica, mas também cultural. Muitas vezes, as dificuldades culturais associadas a questões de controle de qualidade podem influenciar totalmente essa decisão. Por isso, vejo potencial no Brasil para desenvolver esse mercado e levar companhias que explorem essa atividade a captar recursos no mercado doméstico e também no internacional. Qualquer nova indústria que seja internacional é especialmente atrativa para os investidores globais, visto que há uma ligação óbvia entre a expansão das fronteiras operacionais e o financiamento internacional.

E quanto ao porte dessas companhias? O senhor acredita que há mais espaço para as brasileiras no mercado principal da Bolsa de Londres ou no AIM?
O Alternative Investments Market (AIM) foi criado para atrair companhias que crescem rapidamente e ainda não têm histórico significativo de relacionamento com os mercados de capitais. O seu enorme sucesso se deve exatamente a esse foco, a essa segmentação. Há ali um conjunto especial de investidores, que entende a dinâmica e a lógica de geração de resultados dessas empresas. Hoje, já são mais de 1.700 companhias listadas, 600 das quais estrangeiras. Sua captação média foi entre US$ 100,2 milhões e US$ 140 milhões. Mas também há exemplos de companhias maiores que levantaram quase o dobro disso. Então, no caso do Brasil, a opção por um ou outro segmento irá variar de acordo com cada empresa. Pode haver uma companhia de grande porte que, por alguma razão, opte por não aderir às exigências de listagem do mercado principal da Bolsa de Londres e vá para o AIM.

O principal atrativo do AIM, então, seria a flexibilidade de regras?
É importante esclarecer que, embora o AIM seja regulado por um conjunto de regras diferente do mercado principal, chamado de Nomad (AIM Rules for Nominated Advisers), isso não quer dizer que ele não esteja sujeito a qualquer tipo de regra. Já houve acusações a esse respeito e elas foram retiradas, como no caso em que o presidente da Bolsa de Nova York chamou o segmento de cassino. Posteriormente, ele mesmo retirou o próprio comentário, alegando que não quis dizer que seria uma casa de apostas.

Para finalizar, gostaria que o senhor falasse um pouco sobre os projetos na área de educação.
O que buscamos é estimular a troca de conhecimento e a realização de cursos específicos de qualificação profissional em áreas relacionadas ao mercado de serviços financeiros, utilizando como mediador o Consulado Britânico de cada país. Há entidades de classe envolvidas nesse processo, cuidando da montagem de currículos e da atualização de profissionais nas áreas de direito, finanças e contabilidade. Faremos (em setembro) um seminário em São Paulo para apresentar essas oportunidades de treinamento e para colocar as várias instituições e professores em contato. Adotamos esse tipo de iniciativa em cerca de 16 países, onde mais de 30 seminários serão realizados este ano. Há também projetos de ensino a distância, que são extremamente populares entre os profissionais do mercado financeiro. E há, ainda, o intercâmbio de professores. Em cada um desses 16 países procuramos avaliar quais são as principais demandas e desenvolvemos soluções específicas para elas.


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